Porque verão a Deus

Sabeis perfeitamente, porque o ouvistes e meditastes com freqüência, que Jesus Cristo é o nosso modelo, o modelo de todos os cristãos. Assim o ensinastes, além disso, a tantas almas, nesse apostolado - relacionamento humano com sentido divino - que já faz parte do vosso eu; e assim o recordastes, quando era conveniente, servindo-vos desse meio maravilhoso que é a correção fraterna, para que a pessoa que vos escutava comparasse o seu comportamento com o do nosso Irmão primogênito, o Filho de Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa.

Jesus é o modelo. Disse-o Ele: Discite a me, aprendei de Mim. E hoje desejo falar-vos de uma virtude que, sem ser a única nem a primeira, no entanto, atua na vida cristã como o sal que preserva da corrupção, e que constitui a pedra de toque para a alma apostólica: a virtude da santa pureza.

A caridade teologal surge-nos, sem dúvida, como a mais alta das virtudes. Mas a castidade é o meio sine qua non, uma condição imprescindível para se atingir o diálogo íntimo com Deus. E quando não é observada, quando não se luta, acaba-se cego; não se vê nada, porque o homem animal não pode perceber as coisas que são do Espírito de Deus.

Nós queremos olhar com olhos limpos, animados pela pregação do Mestre: Bem-aventurados os que têm o coração puro, porque verão a Deus. A Igreja apresentou sempre estas palavras como um convite à castidade. Guardam um coração sadio, escreve São João Crisóstomo, os que possuem uma consciência completamente limpa ou os que amam a castidade. Nenhuma virtude é tão necessária como esta para ver a Deus.

Ao longo da sua vida terrena, Jesus Cristo, Nosso Senhor, foi coberto de impropérios, foi maltratado de todas as maneiras possíveis. Estais lembrados? Propalam que se comporta como um revoltoso e afirmam que está endemoninhado. Noutra ocasião, interpretam mal as manifestações do seu Amor infinito e tacham-no de amigo de pecadores.

Mais tarde, a Ele que é a penitência e a temperança, lançam-lhe em rosto que freqüenta a mesa dos ricos. Também o chamam depreciativamente fabri filius, filho do trabalhador, do carpinteiro, como se fosse uma injúria. Permite que o apostrofem como bebedor e comilão… Deixa que o acusem de tudo, menos de que não é casto. Tapou-lhes a boca nisso, porque quer que nós conservemos esse exemplo sem sombras: um modelo maravilhoso de pureza, de limpeza, de luz, de amor que sabe queimar o mundo inteiro para o purificar.

Eu gosto de me referir à santa pureza contemplando sempre a conduta de Nosso Senhor, porque pôs de manifesto uma grande delicadeza nesta virtude. Reparai no que nos relata São João quando Jesus, fatigatus ex itinere, sedebat sic supra fontem, cansado do caminho, se sentou sobre o bocal do poço.

Recolhei os olhos da alma e revivei devagar essa cena: Jesus Cristo, perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus, perfeito homem, está fatigado por causa da caminhada e do trabalho apostólico. Como talvez vos tenha acontecido alguma vez a vós, que acabais exaustos, porque não agüentais mais. É comovente observar o Mestre esgotado. Além disso, tem fome: os discípulos foram ao povoado vizinho buscar alguma coisa que comer. E tem sede.

Mas, mais do que a fadiga do corpo, consome-o a sede de almas. Por isso, quando chega a samaritana, aquela mulher pecadora, o coração sacerdotal de Cristo lança-se, diligente, a recuperar a ovelha perdida. Esquece o cansaço, a fome e a sede.

Achava-se o Senhor ocupado naquela grande obra de caridade, quando os Apóstolos voltaram da cidade e mirabantur quia cum muliere loquebatur, admiraram-se de que falasse a sós com uma mulher. Que cuidado! Que amor à virtude encantadora da santa pureza, que nos ajuda a ser mais fortes, mais rijos, mais fecundos, mais capazes de trabalhar por Deus, mais capazes de todas as coisas grandes!

Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação… Que cada um saiba usar o seu corpo santa e honestamente, não se abandonando às paixões, como fazem os pagãos, que não conhecem a Deus. Pertencemos totalmente a Deus, de alma e corpo, com a carne e com os ossos, com os sentidos e com as potências. Rogai-lhe com confiança: Jesus, guarda o nosso coração! Um coração grande, forte, terno, afetuoso e delicado, transbordante de caridade para contigo, a fim de servirmos a todas as almas.

O nosso corpo é santo, templo de Deus, precisa São Paulo. Esta exclamação do Apóstolo traz-me à memória a chamada universal à santidade que o Mestre dirige aos homens: Sede perfeitos como meu Pai celestial é perfeito. O Senhor pede a todos, sem discriminações de nenhum gênero, correspondência à graça; exige de cada um, conforme a sua situação pessoal, a prática das virtudes próprias dos filhos de Deus.

Por isso, ao recordar-vos agora que o cristão tem que guardar uma castidade perfeita, estou-me referindo a todos: aos solteiros, que devem ater-se a uma continência completa; e aos casados, que vivem castamente quando cumprem as obrigações próprias do seu estado.

Com o espírito de Deus, a castidade não se torna um peso aborrecido e humilhante. É uma afirmação jubilosa: o querer, o domínio de si, o vencimento próprio, não é a carne que o dá nem procede do instinto; procede da vontade, sobretudo se está unida à Vontade do Senhor. Para sermos castos - e não somente continentes ou honestos -, temos de submeter as paixões à razão, mas por um motivo alto, por um impulso de Amor.

Comparo esta virtude a umas asas que nos permitem propagar os preceitos, a doutrina de Deus, por todos os ambientes da terra, sem temor a ficarmos enlameados. As asas - mesmo as dessas aves majestosas que sobem mais alto que as nuvens - pesam, e muito. Mas, se faltassem, não haveria vôo. Gravai-o na vossa cabeça, decididos a não ceder se notais a mordida da tentação, que se insinua apresentando a pureza como um fardo insuportável. Ânimo! Para o alto! Até o sol, à caça do Amor.

Sempre me causou muita pena a norma de alguns - de tantos! - que escolhem a impureza como pauta constante dos seus ensinamentos. Com isso conseguem - verifiquei-o em bastantes almas - o contrário do que pretendem, porque é matéria mais pegajosa que o piche e deforma as consciências com complexos ou com medos, como se a limpeza da alma fosse um obstáculo quase insuperável. Nós, não. Nós temos que tratar da santa pureza com raciocínios positivos e límpidos, com palavras modestas e claras.

Discorrer sobre este tema significa dialogar sobre o Amor. Acabo de vos apontar que, para isso, me serve de ajuda recorrer à Humanidade Santíssima de Nosso Senhor, a essa maravilha inefável de um Deus que se humilha até se fazer homem e que não se sente degradado por ter tomado carne como a nossa, com todas as suas limitações e fraquezas, à exceção do pecado. E isso porque nos ama loucamente! Ele não se rebaixa com o seu aniquilamento; pelo contrário, o que faz é elevar-nos, deificar-nos no corpo e na alma. Responder que sim ao seu Amor, com um carinho claro, ardente e ordenado - isso é a virtude da castidade.

Temos de gritar ao mundo inteiro, com a boca e com o testemunho da nossa conduta: Não empeçonhemos o coração, como se fôssemos uns pobres animais, dominados pelos instintos mais baixos. Um escritor cristão explica-o assim: Vede que não é pequeno o coração do homem, pois abarca tantas coisas. Medi essa grandeza, não em suas dimensões físicas, mas no poder do seu pensamento, capaz de alcançar o conhecimento de tantas verdades. No coração, é possível preparar o caminho do Senhor, traçar uma senda reta, para que passem por ela o Verbo e a Sabedoria de Deus. Com uma conduta honesta, com obras irrepreensíveis, preparai o caminho do Senhor, aplainai as veredas, para que o Verbo de Deus caminhe em vós sem tropeço e vos dê a conhecer os seus mistérios e a sua vinda.

Revela-nos a Escritura Santa que essa grandiosa obra da santificação, tarefa oculta e magnífica do Paráclito, não se verifica só na alma, mas também no corpo. Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?, clama o Apóstolo. Hei de abusar dos membros de Cristo para os fazer membros de uma prostituta? Porventura não sabeis que os vossos corpos são templos do Espírito Santo, o qual habita em vós e vos foi dado por Deus, e que já não vos pertenceis a vós mesmos, pois fostes comprados por um grande preço? Glorificai a Deus e trazei-o no vosso corpo.

Alguns, por aí fora, ouvem falar de castidade e sorriem. É um riso - um trejeito - sem alegria, morto, de cabeças retorcidas. A grande maioria - repetem eles - não acredita nisso! Eu, aos rapazes que me acompanhavam pelos bairros e hospitais da periferia de Madrid - passaram tantos, tantos anos! -, costumava dizer-lhes: Considerai que há um reino mineral; outro, o reino vegetal - mais perfeito -, em que, à existência, se acrescentou a vida; e depois um reino animal, formado quase sempre por seres dotados de sensibilidade e movimento.

De um modo talvez pouco acadêmico, mas gráfico, explicava-lhes que devíamos instituir outro reino, o hominal, o reino dos humanos. Porque a criatura racional possui uma inteligência admirável, centelha da Sabedoria divina, que lhe permite raciocinar por conta própria; e possui igualmente essa maravilhosa liberdade, que lhe permite aceitar ou rejeitar isto ou aquilo, a seu arbítrio.

Ora bem, neste reino dos homens - dizia-lhes com a experiência que provinha do meu abundante trabalho como sacerdote -, para uma pessoa normal, o tema do sexo ocupa o quarto ou o quinto lugar. Primeiro estão as aspirações da vida espiritual, daquela que cada um tenha; logo depois, muitas questões que interessam ao homem ou à mulher normais: o pai, a mãe, o lar, os filhos. Mais tarde, a profissão. E lá em quarto ou quinto lugar, aparece o impulso sexual.

Por isso, sempre que conheci gente que convertia este ponto em argumento central das suas conversas, dos seus interesses, pareceu-me que eram anormais, pobres infelizes, talvez doentes. E acrescentava - e aqui havia um momento de riso e brincadeira entre os rapazes a quem me dirigia - que esses desventurados me causavam tanta pena como a que me causava uma criança disforme, de cabeça grande, grande, de um metro de perímetro. São indivíduos infelizes, e - além das orações por eles - brota em nós uma fraterna compaixão, porque desejamos que se curem da sua triste doença. Mas do que não há dúvida é de que não são nunca nem mais homens nem mais mulheres do que aqueles que não andam obcecados pelo sexo.

Todos arrastamos paixões conosco, todos deparamos com as mesmas dificuldades, em qualquer idade. Por isso, temos que lutar. Lembrai-vos do que escrevia São Paulo: Datus est mihi stimulus carnis meae, angelus Satanae, qui me colaphizet, rebela-se o estímulo da carne, que é como um anjo de Satanás que o esbofeteia, porque, senão, seria soberbo.

Não se pode ter uma vida limpa sem a assistência divina. Deus quer que sejamos humildes e peçamos o seu socorro. Deves suplicar confiadamente à Virgem, agora mesmo, na solidão acompanhada do teu coração, sem ruído de palavras: Minha Mãe, este meu pobre coração subleva-se bobamente… Se Tu não me proteges… E Ela há de amparar-te para que o guardes puro e percorras o caminho a que o Senhor te chamou.

Filhos: humildade, humildade. Aprendamos a ser humildes. Para guardar o Amor, precisamos de prudência, de vigiar com cuidado e de não nos deixarmos dominar pelo medo. Entre os autores clássicos de espiritualidade, muitos comparam o demônio a um cão raivoso, atado por uma corrente: se não nos aproximamos, não nos morde, ainda que ladre continuamente. Se fomentardes em vossas almas a humildade, não há dúvida de que evitareis as ocasiões, reagireis com a valentia de fugir; e procurareis diariamente o auxílio do Céu, para avançar com garbo por esta senda de enamorados.

Olhai que quem está podre, pela concupiscência da carne, espiritualmente não consegue andar, é incapaz de uma obra boa, é um aleijado que permanece jogado a um canto como um trapo. Não vistes esses pacientes com paralisia progressiva, que não conseguem valer-se nem pôr-se em pé? Às vezes, nem sequer mexem a cabeça. É o que acontece no terreno sobrenatural com os que não são humildes e se entregam covardemente à luxúria. Não vêem, nem ouvem, nem entendem nada. Estão paralíticos e como que enlouquecidos.

Cada um de nós deve invocar o Senhor, a Mãe de Deus, e suplicar que nos concedam a humildade e a decisão de aproveitar com piedade o divino remédio da Confissão. Não permitais que se aninhe na vossa alma um foco de podridão, por muito pequeno que seja. Falai. Quando a água corre, é límpida; quando se estanca, forma um charco cheio de porcaria repugnante, e de água potável converte-se em caldo de bichos.

Que a castidade é possível e que constitui uma fonte de alegria, vós o sabeis como eu; também é do vosso conhecimento que exige de vez em quando um pouco de luta. Escutemos de novo São Paulo: Deleito-me na lei de Deus segundo o homem interior, mas ao mesmo tempo vejo outra lei em meus membros, que resiste ao meu espírito e me subjuga à lei do pecado, que está nos membros do meu corpo. Como sou um homem infeliz! Quem me livrará deste corpo de morte? Grita tu mais, se precisas, mas não exageremos: Sufficit tibi gratia mea, basta-te a minha graça, responde-nos Nosso Senhor.

Já tive ocasião de perceber como brilhavam os olhos de um esportista diante dos obstáculos que devia ultrapassar. Que vitória! Observai como domina essas dificuldades! Assim nos contempla Deus Nosso Senhor, que ama a nossa luta: sempre seremos vencedores, porque Ele não nos nega nunca a onipotência da sua graça. E então pouco importa que haja contenda, porque Ele não nos abandona.

É combate, mas não renúncia. Respondemos com uma afirmação gozosa, com uma entrega livre e alegre. O teu comportamento não há de limitar-se a evitar a queda, a ocasião. Não há de reduzir-se de maneira nenhuma a uma negação fria e matemática. Já te convenceste de que a castidade é uma virtude e de que, como tal, deve crescer e aperfeiçoar-se? Não basta, insisto, sermos continentes, cada um segundo o seu estado: temos de viver castamente, com virtude heróica. Esta virtude comporta um ato positivo, pelo qual aceitamos de boa vontade o apelo divino: Praebe, fili mi, cor tuum mihi et oculi tui vias meas custodiant, entrega-me, meu filho, o teu coração, e estende o teu olhar pelos meus campos de paz.

E agora eu te pergunto: Como é que enfrentas esta peleja? Bem sabes que a luta, se a manténs desde o princípio, já está vencida. Afasta-te imediatamente do perigo, logo que percebas as primeiras chispas da paixão, e mesmo antes. Fala, além disso, imediatamente com quem dirige a tua alma; melhor antes, se for possível, porque, se abrirmos o coração de par em par, não seremos derrotados. Um ato e outro formam um hábito, uma inclinação, uma facilidade. Por isso é necessário batalhar para alcançar o hábito da virtude, o hábito da mortificação, para não repelir o Amor dos amores.

Meditai no conselho de São Paulo a Timóteo - te ipsum castum custodi, conserva-te casto -, para que também nós estejamos sempre vigilantes, decididos a guardar esse tesouro que Deus nos entregou. Ao longo da minha vida, quantas pessoas não ouvi exclamarem: Ai, se tivesse cortado logo no princípio! E diziam-no cheias de aflição e vergonha.

Preciso recordar-vos que não achareis a felicidade fora das vossas obrigações cristãs. Se as abandonásseis, ficar-vos-ia um remorso selvagem e seríeis uns infelizes. Até as coisas mais correntes que trazem um pouquinho de felicidade, e que são lícitas, podem tornar-se então amargas como o fel, azedas como o vinagre, repugnantes como o rosalgar.

Cada um de vós, e eu também, confia a Jesus: Senhor, eu me proponho lutar e sei que Tu não perdes batalhas; e compreendo que, se alguma vez as perco, é por me ter afastado de ti! Leva-me pela mão, e não te fies de mim, não me largues!

Pode algum de vós pensar: Padre, mas eu sou tão feliz! E amo a Cristo! E, embora seja de barro, desejo chegar à santidade com a ajuda de Deus e da sua Santíssima Mãe! Acredito. Só te previno com estas exortações por via das dúvidas, para o caso de vir a apresentar-se alguma dificuldade.

Ao mesmo tempo, devo repetir-te que a existência do cristão - a tua e a minha - é de Amor. O nosso coração nasceu para amar. E quando não lhe damos um afeto puro, limpo e nobre, vinga-se e inunda-se de miséria. O verdadeiro amor de Deus - a pureza de vida, portanto - acha-se tão longe da sensualidade como da insensibilidade, de qualquer sentimentalismo como da ausência ou da dureza de coração.

É uma pena não ter coração. São uns infelizes os que não aprenderam nunca a amar com ternura. Nós, os cristãos, estamos enamorados do Amor: o Senhor não nos quer secos, rígidos, como uma matéria inerte. Ele nos quer impregnados do seu carinho! Aquele que por Deus renuncia a um amor humano não é um solteirão, como essas pessoas que andam tristes, infelizes e de asa caída, porque desprezaram a generosidade de amar limpamente.

Tenho-vos explicado freqüentemente que, para cultivar a intimidade com o meu Senhor, me têm servido também - não me importo de que se saiba - essas canções populares que se referem quase sempre ao amor: agradam-me de verdade. O Senhor escolheu-nos, a mim e a alguns de vós, totalmente para Ele; e nós transferimos para o divino esse amor nobre das estrofes humanas. Assim o faz o Espírito Santo no Cântico dos Cânticos, e assim o fizeram os grandes místicos de todos os tempos.

Recordemos estes versos da Santa de Ávila: Se Vós me quereis folgando, / por amor quero folgar; / se me mandais trabalhar, / morrer quero trabalhando. / Dizei: onde, como e quando? / Dizei, doce Amor, dizei: / Que mandais fazer de mim? Ou aquela canção de São João da Cruz, que começa de um modo encantador: Um pastorinho está só e afligido, / à míngua de prazer e contentamento; / e na pastora tem posto o pensamento / e o peito de amor todo dorido.

O amor humano, quando é limpo, produz-me um imenso respeito, uma veneração indizível. Como não havemos de estimar esses carinhos santos, nobres, dos nossos pais, a quem devemos uma grande parte da nossa amizade com Deus? Eu abençôo esse amor com as duas mãos, e, quando certa vez me perguntaram por que dizia com as duas mãos, a minha resposta imediata foi: Porque não tenho quatro!

Bendito seja o amor humano! Mas o Senhor, a mim, pediu-me mais. E, como afirma a teologia católica, entregar-se por amor do Reino dos Céus só a Jesus e, por Jesus, a todos os homens, é coisa mais sublime que o amor matrimonial, ainda que o matrimônio seja um sacramento e sacramentum magnum, sacramento grande.

Mas, em qualquer caso, cada um no seu lugar, com a vocação que Deus lhe infundiu na alma - solteiro, casado, viúvo, sacerdote -, deve esforçar-se por viver delicadamente a castidade, que é virtude para todos e de todos exige luta, delicadeza, primor, rijeza, essa finura que só entendemos quando nos colocamos junto do Coração enamorado de Cristo na Cruz. Não vos preocupeis se nalgum momento sentis a tentação que vos espreita. Uma coisa é sentir e outra consentir. A tentação pode ser repelida facilmente, com a ajuda de Deus. O que não convém de modo algum é dialogar.

Vejamos com que recursos contamos sempre, nós, os cristãos, para vencer nesta luta por guardar a castidade: não como anjos, mas como mulheres e homens sadios, fortes, normais! Venero com toda a alma os anjos, e uma grande devoção me une a esse exército de Deus. Mas não gosto de me comparar a eles, porque os anjos têm uma natureza diferente da nossa e essa equiparação significaria uma desordem.

Em muitos ambientes, generalizou-se um clima de sensualidade que, unido à confusão doutrinal, leva muitos a justificar qualquer aberração ou, ao menos, a demonstrar a tolerância mais indiferente por todo o tipo de costumes licenciosos.

Temos de ser o mais limpos que pudermos, com respeito pelo corpo, sem medo, porque o sexo é coisa santa e nobre - participação no poder criador de Deus -, feito para o matrimônio. E assim, limpos e sem medo, dareis com a vossa conduta o testemunho da possibilidade e da formosura da santa pureza.

Em primeiro lugar, empenhar-nos-emos em afinar a nossa consciência, aprofundando até onde for necessário para termos a certeza de haver adquirido uma boa formação, distinguindo bem entre a consciência delicada - autêntica graça de Deus - e a consciência escrupulosa, que é coisa diferente.

Cuidai da castidade com esmero, e também dessas outras virtudes que formam o seu cortejo - a modéstia e o pudor -, que vêm a ser como que a sua salvaguarda. Não passeis com ligeireza por cima dessas normas que são tão eficazes para nos conservarmos dignos do olhar de Deus: a guarda atenta dos sentidos e do coração; a valentia - a valentia de ser covarde - para fugir das ocasiões; a freqüência dos sacramentos, de modo particular a Confissão sacramental; a sinceridade plena na direção espiritual pessoal; a dor, a contrição, a reparação depois das faltas. E tudo ungido com uma terna devoção a Nossa Senhora, para que Ela nos obtenha de Deus o dom de uma vida santa e limpa.

Se por desgraça se cai, é preciso levantar-se imediatamente. Com a ajuda de Deus, que não faltará se nos servirmos dos meios, deve chegar-se quanto antes ao arrependimento, à sinceridade humilde, à reparação, de modo que a derrota momentânea se transforme numa grande vitória de Jesus Cristo.

Acostumai-vos também a levar a luta a pontos que estejam longe dos muros capitais da fortaleza. Não se pode andar fazendo equilíbrios nas fronteiras do mal: temos de evitar com firmeza o voluntário in causa*, temos de repelir mesmo o menor desamor; e temos de fomentar as ânsias de um apostolado cristão, contínuo e fecundo, que necessita da santa pureza como alicerce e também como um dos seus frutos mais característicos. Além disso, devemos preencher as horas com um trabalho intenso e responsável, procurando a presença de Deus, porque não devemos esquecer nunca que fomos comprados por um grande preço e que somos templo do Espírito Santo.

E que outros conselhos vos sugiro? Os recursos de que sempre se valeram os cristãos que pretendiam de verdade seguir Cristo, os mesmos que empregaram aqueles primeiros que perceberam o respirar de Jesus: o trato assíduo com o Senhor através da Eucaristia, a invocação filial à Santíssima Virgem, a humildade, a temperança, a mortificação dos sentidos - porque não convém olhar para o que não é lícito desejar, advertia São Gregório Magno - e a penitência.

Dir-me-eis que tudo isso é nada menos que um resumo da vida cristã. Realmente, não é possível separar a pureza, que é amor, da essência da nossa fé, que é caridade, o renovado enamorar-se de Deus que nos criou, que nos redimiu e que nos toma continuamente pela mão, ainda que numa multidão de ocasiões não o percebamos. Ele não nos pode abandonar. Dizia Sião: O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim. Pode a mulher esquecer-se do fruto do seu ventre, não se compadecer do filho das suas entranhas? Pois ainda que ela se esquecesse, Eu não te esquecerei. Estas palavras não vos infundem um júbilo imenso?

(*) A expressão voluntário “in causa” é utilizada pela teologia moral para significar a responsabilidade por pecados que, embora não sejam diretamente queridos, decorrem como efeito de outra ação voluntária. Nestes casos, quem quer a causa é moralmente responsável pelos efeitos que ela previsivelmente podia produzir (N. do T.).

Costumo afirmar que são três os pontos que nos enchem de contentamento na terra e nos alcançam a felicidade eterna do Céu: uma fidelidade firme, delicada, alegre e indiscutida à fé, à vocação que cada um recebeu e à pureza. Quem ficar agarrado às sarças do caminho - a sensualidade, a soberba… - ficará por vontade própria e, se não retifica, será um infeliz por ter dado as costas ao Amor de Cristo.

Volto a afirmar que todos temos misérias. Mas as nossas misérias não nos deverão levar nunca a esquivar-nos do Amor de Deus, mas a acolher-nos a esse Amor, a meter-nos dentro dessa bondade divina, como os antigos guerreiros se metiam dentro da sua armadura: aquele Ecce ego, quia vocasti me - conta comigo, porque me chamaste - é a nossa defesa. Não devemos afastar-nos de Deus por termos descoberto as nossas fragilidades; temos de atacar as misérias, precisamente porque Deus confia em nós.

Como conseguiremos vencer essas ruindades? Insisto, porque é de importância capital: com humildade e com sinceridade na direção espiritual e no Sacramento da Penitência. Ide aos que orientam a vossa alma com o coração aberto; não o fecheis, porque, se se infiltra o demônio mudo, é muito difícil tirá-lo.

Perdoai a minha teima, mas julgo imprescindível que se grave a fogo nas vossas inteligências que a humildade e - sua conseqüência imediata - a sinceridade enfeixam os outros meios e se revelam como algo que estabelece as bases da eficácia para a vitória. Se o demônio mudo se introduz numa alma, deita tudo a perder; em contrapartida, se o expulsamos imediatamente, tudo corre bem, somos felizes, a vida desenvolve-se retamente. Sejamos sempre selvagemente sinceros, embora com prudente educação.

Quero que este ponto fique claro: não me preocupam tanto o coração e a carne como a soberba. Humildes. Quando pensardes que tendes toda a razão, não tendes razão nenhuma. Ide à direção espiritual com a alma aberta; não a fecheis, porque - repito - mete-se o demônio mudo, que é difícil de tirar.

Lembrai-vos daquele pobre endemoninhado que os discípulos não conseguiram libertar; só o Senhor lhe obteve a liberdade, com oração e jejum. Naquela ocasião, o Mestre fez três milagres: primeiro, que aquele homem ouvisse, porque, quando nos domina o demônio mudo, a alma nega-se a ouvir; segundo, que falasse; e terceiro, que o diabo se fosse.

Contai primeiro o que desejaríeis que não se soubesse. Abaixo o demônio mudo! De uma questão pequena, dando-lhe voltas, fazeis uma bola grande, como se faz com a neve, e vos encerrais lá dentro. Por quê? Abri a alma! Eu vos garanto a felicidade, que é fidelidade ao caminho cristão, se fordes sinceros. Clareza, simplicidade: são disposições absolutamente necessárias; temos que abrir a alma, de par em par, de modo que entre o sol de Deus e a caridade do Amor.

Para nos afastarmos da sinceridade total, não é necessária sempre uma motivação turva; às vezes, basta um erro de consciência. Algumas pessoas formaram - deformaram - de tal maneira a consciência, que o seu mutismo, a sua falta de sinceridade, lhes parece uma coisa reta: pensam que é bom calar. Isso acontece mesmo com almas que receberam uma excelente preparação, que conhecem as coisas de Deus; talvez por isso encontrem motivos para se convencerem de que convém calar. Mas estão enganadas. A sinceridade é necessária sempre; não valem as desculpas, ainda que pareçam boas.

Terminamos estes minutos de conversa, em que tu e eu fizemos a nossa oração ao nosso Pai, pedindo-lhe que nos conceda a graça de vivermos essa afirmação gozosa que é a virtude cristã da castidade.

Pedimo-lo por intercessão de Santa Maria, que é a pureza imaculada. Recorremos a Ela - tota pulchra!, toda formosa - com um conselho que eu dava há muitos anos aos que se sentiam intranqüilos na sua luta diária por serem humildes, limpos, sinceros, alegres, generosos: Todos os pecados da tua alma parecem ter-se posto de pé. - Não desanimes. - Pelo contrário, chama por tua Mãe, Santa Maria, com fé e abandono de criança. Ela trará o sossego à tua alma.

Referências da Sagrada Escritura
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