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Temos que ser exigentes conosco na vida cotidiana, para não inventar falsos problemas, necessidades artificiais que, em último termo, procedem da arrogância, do capricho, de um espírito comodista e preguiçoso. Devemos caminhar para Deus a passo rápido, sem bagagem e sem pesos mortos que dificultem a marcha. Precisamente porque o espírito de pobreza não consiste em não ter, mas em estar verdadeiramente desapegado, devemos permanecer atentos para não nos enganarmos com imaginários motivos de força maior. Buscai o suficiente, buscai o que basta. E não queirais mais. O que passa disso é aflição, não alívio; acabrunha, em vez de levantar.

Ao descer a estes conselhos, não me baseio em situações estranhas, anormais ou complicadas. Sei de alguém que, para marcar os livros, usava uns papéis em que escrevia umas jaculatórias que o ajudassem a manter a presença de Deus. E entrou-lhe o desejo de conservar com carinho aquele tesouro, até que percebeu que se estava apegando a uns papeluchos de nada. Que belo modelo de virtude! Não me importaria de vos manifestar todas as minhas misérias, se vos servisse para alguma coisa. Levantei um pouco o véu porque talvez contigo se passe outro tanto: os teus livros, a tua roupa, a tua mesa, os teus… ídolos de quinquilharia.

Em casos como esses, recomendo-vos que consulteis o vosso diretor espiritual, sem ânimo pueril nem escrupuloso. Às vezes, bastará como remédio a pequena mortificação de prescindir do uso de alguma coisa durante uma breve temporada. Ou, noutra ordem, não morre ninguém se um dia renuncias ao meio de transporte que utilizas habitualmente e entregas como esmola a quantia poupada, mesmo que seja muito pouco dinheiro. De qualquer modo, se tens espírito de desprendimento, não deixarás de descobrir contínuas ocasiões, discretas e eficazes, de praticá-lo.

Depois de vos abrir a minha alma, preciso confessar-vos também que tenho um apego a que não quereria renunciar nunca: o de amar-vos de verdade a todos vós. Aprendi-o do melhor Mestre, e gostaria de seguir fidelissimamente o seu exemplo, amando sem limites as almas, a começar pelos que me rodeiam. Não vos comove essa caridade ardente - esse carinho - de Jesus Cristo, que o Evangelista nos revela ao designar um dos discípulos? Quem diligebat Iesus, aquele a quem Jesus amava.

Referências da Sagrada Escritura
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