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Lembro-me agora - certamente algum de vós me terá ouvido este mesmo comentário em outras meditações - daquele sonho de um escritor do século de ouro castelhano. Diante dele, abrem-se dois caminhos. Um apresenta-se bem largo e transitável, fácil, pródigo em vendas e pousadas e em outros lugares amenos e regalados. Por ali avança a gente a cavalo ou em carruagens, entre músicas e risos: gargalhadas loucas; contempla-se uma multidão embriagada num deleite aparente, efêmero, porque essa rota acaba num precipício sem fundo. É a senda dos mundanos, dos eternos aburguesados: ostentam uma alegria que na realidade não têm; procuram insaciavelmente toda a espécie de comodidades e prazeres…; horroriza-os a dor, a renúncia, o sacrifício. Não querem saber nada da Cruz de Cristo; pensam que é coisa de malucos. Mas são eles os dementes. Escravos da inveja, da gula, da sensualidade, acabam sofrendo mais, e tarde caem na conta de que, por uma bagatela insípida, malbaratam a sua felicidade terrena e a eterna. Assim o faz notar o Senhor: Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, encontrá-la-á. Porque, de que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?

Por direção diferente discorre nesse sonho o outro caminho: tão estreito e empinado que não é possível percorrê-lo a lombo de cavalgadura. Todos os que o empreendem avançam pelos seus próprios pés, talvez em zigue-zague, de rosto sereno, pisando sobre abrolhos e ladeando penhascos. Em determinados pontos, deixam em farrapos as suas vestes e até a sua carne. Mas, no fim, espera-os um vergel, a felicidade para sempre, o Céu. É o caminho das almas santas que se humilham, que por amor de Jesus Cristo se sacrificam com gosto pelos outros; a rota dos que não temem subir encostas, carregando amorosamente a sua cruz, por muito que pese, porque sabem que, se o peso os afunda, poderão levantar-se e continuar a ascensão: Cristo é a força desses caminhantes.

Referências da Sagrada Escritura
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