Caráter

Que a tua vida não seja uma vida estéril. - Sê útil. - Deixa rasto. - Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor.

Apaga, com a tua vida de apóstolo, o rasto viscoso e sujo que deixaram os semeadores impuros do ódio. - E incendeia todos os caminhos da terra com o fogo de Cristo que levas no coração.

Oxalá fossem tais o teu porte e a tua conversação que todos pudessem dizer, ao ver-te ou ouvir-te falar: “Este lê a vida de Jesus Cristo”.

Gravidade. - Deixa esses meneios e trejeitos de mulherzinha ou de moleque. - Que o teu porte exterior seja o reflexo da paz e da ordem do teu espírito.

Não digas: “Eu sou assim…, são coisas do meu caráter”. São coisas da tua falta de caráter. Sê homem - “esto vir”.

Acostuma-te a dizer que não.

Vira as costas ao infame quando te sussurra ao ouvido: “Para que hás de complicar a vida?”

Não tenhas espírito de “caipira”. - Dilata o teu coração, até que seja universal, “católico”.

Não voes como ave de capoeira, quando podes subir como as águias.

Serenidade. - Por que te zangas, se zangando-te ofendes a Deus, incomodas os outros, passas tu mesmo um mau bocado… e, por fim, tens de acalmar-te?

Isso mesmo que disseste, dize-o noutro tom, sem ira, e ganhará força o teu raciocínio, e sobretudo não ofenderás a Deus.

Não repreendas quando sentes a indignação pela falta cometida. - Espera pelo dia seguinte, ou mais tempo ainda. - E depois, tranqüilo e com a intenção purificada, não deixes de repreender.

- Conseguirás mais com uma palavra afetuosa do que com três horas de briga. - Modera o teu gênio.

Vontade. - Energia. - Exemplo. - O que é preciso fazer, faz-se… Sem hesitar… Sem contemplações.

Sem isso, nem Cisneros teria sido Cisneros*, nem Teresa de Ahumada, Santa Teresa…, nem Iñigo de Loyola, Santo Inácio…

Deus e audácia! - "Regnare Christum volumus!"**

(*) Regente do trono de Espanha e confessor da Rainha Isabel, a Católica. Começou a reforma da Igreja na Espanha, antecipando-se à que seria iniciada, anos depois, pelo Concílio de Trento para toda a cristandade. Foram notórias a têmpera e a energia do seu caráter. (N. do T.)

(**)“Queremos que Cristo reine!” (N. do T.)

Cresce perante os obstáculos. - A graça do Senhor não te há de faltar: "Inter medium montium pertransibunt aquae!": - passarás através das montanhas!

Que importa que de momento tenhas de restringir a tua atividade, se em breve, como mola que foi comprimida, chegarás incomparavelmente mais longe do que nunca sonhaste?

Afasta de ti esses pensamentos inúteis que, pelo menos, te fazem perder o tempo.

Não percas as tuas energias e o teu tempo, que são de Deus, jogando pedras aos cachorros que te ladrem no caminho. Despreza-os.

Não deixes o teu trabalho para amanhã.

Perder-se na massa? Tu… da multidão?! Mas, se nasceste para líder!

- Entre nós, não há lugar para os tíbios. Humilha-te, e Cristo voltará a inflamar-te com fogos de Amor.

Não caias nessa doença do caráter que tem por sintomas a falta de firmeza para tudo, a leviandade no agir e no dizer, o estouvamento…, a frivolidade, numa palavra.

Essa frivolidade, que - não o esqueças - torna os teus planos de cada dia tão vazios (“tão cheios de vazio”), se não reages a tempo - não amanhã; agora! -, fará da tua vida um boneco de trapos morto e inútil.

Obstinas-te em ser mundano, frívolo e estouvado porque és covarde. Que é, senão covardia, esse não quereres enfrentar-te a ti próprio?

Vontade. É uma característica muito importante. Não desprezes as pequenas coisas, porque, através do contínuo exercício de negar e te negares a ti próprio nessas coisas - que nunca são futilidades nem ninharias -, fortalecerás, virilizarás, com a graça de Deus, a tua vontade, para seres, em primeiro lugar, inteiro senhor de ti mesmo.

E depois, guia, chefe, líder! - que prendas, que empurres, que arrastes, com o teu exemplo e com a tua palavra e com a tua ciência e com o teu império.

Chocas com o caráter deste ou daquele… Tem de ser assim necessariamente; não és moeda de ouro que a todos agrade.

Além disso, sem esses choques que se produzem ao lidar com o próximo, como havias de perder as pontas, as arestas e saliências - imperfeições, defeitos - do teu temperamento, para adquirires a forma cinzelada, polida e energicamente suave da caridade, da perfeição?

Se o teu caráter e o caráter dos que convivem contigo fossem adocicados e moles como gelatina, não te santificarias.

Pretextos. - Nunca te faltarão para deixares de cumprir os teus deveres. Que fartura de razões… sem razão!

Não pares a considerá-las. - Repele-as e cumpre a tua obrigação.

Sê enérgico. - Sê viril. - Sê homem. - E depois… sê anjo.

Dizes que… não podes fazer mais? - Não será que… não podes fazer menos?

Tens ambições: de saber…, de ser líder…, de ser audaz.

Muito bem. Está certo. - Mas… por Cristo, por Amor.

Não discutais. - Da discussão não costuma sair a luz, porque é apagada pela paixão.

O Matrimônio é um sacramento santo. - A seu tempo, quando tiveres de recebê-lo, que o teu Diretor ou o teu confessor te aconselhem a leitura de algum livro útil. - E estarás mais bem preparado para levar dignamente as cargas do lar.

Estás rindo porque te digo que tens “vocação matrimonial”? - Pois é verdade: isso mesmo, vocação.

Pede a São Rafael que te conduza castamente ao termo do caminho, como a Tobias.

O matrimônio é para os soldados e não para o estado-maior de Cristo. - Ao passo que comer é uma exigência de cada indivíduo, procriar é apenas uma exigência da espécie, podendo dela desinteressar-se as pessoas individualmente.

Ânsia de filhos…? Filhos, muitos filhos, e um rasto indelével de luz deixaremos, se sacrificarmos o egoísmo da carne.

A relativa e pobre felicidade do egoísta, que se encerra na sua torre de marfim, na sua própria carcaça…, não é difícil de conseguir neste mundo. - Mas a felicidade do egoísta não é duradoura.

Será que queres perder, por essa caricatura do Céu, a felicidade da Glória, que não terá fim?

És calculista! - Não me digas que és jovem. A juventude dá tudo quanto pode; dá-se a si própria sem medida.

Egoísta! - Tu, sempre atrás das “tuas coisas”. - Pareces incapaz de sentir a fraternidade de Cristo: nos outros, não vês irmãos; vês “degraus”.

Pressinto o teu fracasso rotundo. - E, quando estiveres afundado, quererás que vivam contigo a caridade que agora não queres viver.

Tu não serás líder se na massa só vires o escabelo para empoleirar-te. - Tu serás líder se tiveres a ambição de salvar todas as almas.

Não podes viver de costas para a multidão. É preciso que tenhas ânsias de torná-la feliz.

Nunca queres “esgotar a verdade”. - Umas vezes, por correção. Outras - a maioria -, para não passares um mau bocado. Algumas, para evitá-lo aos outros. E, sempre, por covardia.

Assim, com esse medo de aprofundar, jamais serás homem de critério.

Não tenhas medo à verdade, ainda que a verdade te acarrete a morte.

Não gosto de tanto eufemismo: à covardia chamais prudência. - E a vossa “prudência” é ocasião para que os inimigos de Deus, com o cérebro vazio de idéias, tomem ares de sábios e ascendam a postos a que nunca deviam ascender.

Esse abuso não é irremediável. - É falta de caráter permitir que continue, como coisa desesperada e sem possível retificação.

Não te esquives ao dever. - Cumpre-o em toda a linha, ainda que outros deixem de cumpri-lo.

Tens, como por aí se diz, “muita lábia”. - Mas, com todo o teu palavreado, não conseguirás que eu justifique (“foi providencial!”, disseste) o que não tem justificação.

Será verdade (não acredito, não acredito…) que na terra não há homens, mas “estômagos”?

“Peça que eu nunca queira deter-me no fácil”. - Já o pedi. Agora só falta que te empenhes em cumprir esse belo propósito.

Fé, alegria, otimismo. - Mas não a estupidez de fechar os olhos à realidade.

Que modo tão transcendental de viver bobagens vazias, e que maneira de chegar a ser alguém na vida - subindo, subindo - à força de “pesar pouco”, de não ter nada, nem no cérebro nem no coração!

Por que essas variações de caráter? Quando fixarás a tua vontade em alguma coisa?

- Larga esse teu gosto pelas primeiras pedras, e põe a última ao menos em um de teus projetos.

Não sejas tão… suscetível. - Magoas-te por qualquer coisinha. - Torna-se necessário medir as palavras para falar contigo do assunto mais insignificante.

Não te zangues se te digo que és… insuportável. - Enquanto não te corrigires, nunca serás útil.

Desculpa-te com a cortesia que a caridade cristã e a vida social exigem. - E, depois, para a frente! - com santa desvergonha, sem parar, até subires inteiramente a encosta do cumprimento do dever.

Por que te doem essas errôneas conjecturas que se fazem a teu respeito? - A mais baixo chegarias se Deus te abandonasse. - Persevera no bem, e encolhe os ombros.

Não achas que a igualdade, tal como a entendem, é sinônimo de injustiça?

Essa ênfase e esse ar emproado ficam-te mal; vê-se que são postiços. - Procura, pelo menos, não os empregar com o teu Deus, nem com o teu Diretor, nem com os teus irmãos. E haverá uma barreira a menos entre ti e eles.

Pouco firme é o teu caráter: que ânsia de te meteres em tudo! - Obstinas-te em ser o sal de todos os pratos… e - não te zangues se te falo claramente - tens pouca graça para ser sal; e não és capaz de desfazer-te e passar despercebido à vista, como esse condimento.

Falta-te espírito de sacrifício. E sobra-te espírito de curiosidade e de exibição.

Cala-te. - Não sejas “meninão”, caricatura de criança, bisbilhoteiro, intriguista, linguarudo. - Com as tuas histórias e mexericos, esfriaste a caridade: fizeste a pior das obras. E… se por acaso abalaste - má língua! - os muros fortes da perseverança de outros, a tua perseverança deixa de ser graça de Deus, porque é instrumento traiçoeiro do inimigo.

És curioso e bisbilhoteiro, xereta e intrometido. Não tens vergonha de ser, até nos defeitos, tão pouco masculino? - Sê homem. E esses desejos de saber da vida dos outros, troca-os por desejos e realidades de conhecimento próprio.

Teu espírito varonil, retilínio e simples, confrange-se ao sentir-se envolvido em enredos e mexericos, que não acaba de compreender e em que nunca se quis misturar. - Sofre a humilhação de andar assim em boca alheia e procura que essa dura experiência te dê mais discrição.

Por que razão, ao julgares os outros, pões na tua crítica o amargor dos teus próprios fracassos?

Esse espírito crítico (concedo-te que não é murmuração), não o deves exercer no teu apostolado, nem com teus irmãos. - Esse espírito crítico é, para o vosso empreendimento sobrenatural (perdoas-me que o diga?), um grande estorvo, porque, enquanto examinas - embora com elevada finalidade, acredito - o trabalho dos outros, sem teres nada a ver com isso, não fazes nenhuma obra positiva, e dificultas, com o teu exemplo de passividade, o bom andamento de todos.

“Então…” - perguntas, inquieto - “…esse espírito crítico, que é como que a substância do meu caráter…?”

Olha (vou tranqüilizar-te): apanha uma caneta e um papel, escreve simples e confiadamente - ah!, e com brevidade - os motivos que te torturam, entrega a nota ao superior e não penses mais nela. - Ele, que é quem vos dirige (tem graça de estado), guardará a nota… ou a jogará no cesto dos papéis. - Para ti, como o teu espírito crítico não é murmuração, e só o exerces para fins elevados, tanto faz.

Contemporizar? É palavra que só se encontra (“é preciso contemporizar!”) no léxico dos que não têm vontade de lutar - comodistas, manhosos ou covardes -, porque de antemão se sabem vencidos.

Olha, meu filho: sê um pouco menos ingênuo (ainda que sejas muito criança, e mesmo por o seres diante de Deus), e não “ponhas na berlinda”, diante de estranhos, os teus irmãos.

Referências da Sagrada Escritura
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