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Há 5 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Começar e recomeçar.

Vamos considerar por uns instantes os textos desta Missa da terça-feira da Paixão, para que saibamos distinguir o endeusamento bom do endeusamento mau. Vamos falar de humildade, porque é a virtude que nos ajuda a conhecer simultaneamente a nossa miséria e a nossa grandeza.

A nossa miséria ressalta com demasiada evidência. Não me refiro às limitações naturais: a tantas aspirações grandes com que o homem sonha e que, no entanto, não realizará nunca, até por falta de tempo. Penso no que fazemos mal, nas quedas, nos erros que se poderiam evitar e não se evitam. Experimentamos continuamente a nossa ineficácia pessoal. Mas, às vezes, é como se todas essas coisas se juntassem, como se se manifestassem aos nossos olhos com maior relevo, para que tomemos consciência do pouco que somos. Que fazer?

Expecta Dominum, espera no Senhor; vive de esperança - sugere-nos a Igreja - com amor e com fé. Viriliter age, porta-te varonilmente. Que importa que sejamos criaturas de lodo, se temos a esperança posta em Deus? E se nalgum momento uma alma sofre uma queda, um retrocesso - não é necessário que aconteça -, aplica-se-lhe o remédio, como se faz normalmente na vida corrente com a saúde do corpo. E toca a recomeçar!

Não reparastes nas famílias, quando conservam uma peça decorativa de valor e frágil - um jarrão, por exemplo -, como cuidam dele para que não se quebre? Até que um dia a criança, brincando, o joga ao chão, e aquela recordação maravilhosa se quebra em vários pedaços. O desgosto é grande, mas imediatamente vem o conserto: recompõe-se, cola-se cuidadosamente e, uma vez restaurado, acaba por ficar tão belo como antes.

Mas, quando o objeto é de louça, ou simplesmente de barro cozido, geralmente bastam uns grampos, esses arames de ferro ou de outro metal, que mantêm unidos os pedaços. E a peça, assim reparada, adquire um encanto original.

Transponhamos isto para a vida interior. À vista das nossas misérias e dos nossos pecados, dos nossos erros - ainda que, pela graça divina, sejam de pouca monta -, corramos à oração e digamos ao nosso Pai: Senhor, na minha pobreza, na minha fragilidade, neste meu barro de vaso quebrado, Senhor, coloca-me uns grampos e - com a minha dor e com o teu perdão - serei mais forte e agradável à vista do que antes! Uma oração consoladora, para que a repitamos quando este nosso pobre barro se quebrar.

Não nos há de impressionar sermos quebradiços, não nos há de chocar verificarmos que a nossa conduta se quebranta por menos que nada. Confiai no Senhor, que tem sempre preparado o auxílio: O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? A ninguém: relacionando-nos deste modo com o nosso Pai do Céu, não admitamos medo de nada nem de ninguém.

Que importância tem tropeçar, se na dor da queda encontramos a energia que nos reergue e nos impele a prosseguir com alento renovado? Não nos esqueçamos de que santo não é o que não cai, mas o que se levanta sempre, com humildade e com santa teimosia. Se no livro dos Provérbios se comenta que o justo cai sete vezes por dia, tu e eu - pobres criaturas - não devemos admirar-nos nem desanimar com as nossas misérias pessoais, com os nossos tropeços, porque continuaremos avante se procurarmos a fortaleza nAquele que nos prometeu: Vinde a mim todos os que andais fatigados com trabalhos e cargas, e eu vos aliviarei. Obrigado, Senhor, quia tu es, Deus, fortitudo mea, porque foste sempre Tu, e só Tu, meu Deus, a minha fortaleza, o meu refúgio e o meu apoio.

Se desejas verdadeiramente progredir na vida interior, sê humilde. Recorre com constância, confiadamente, à ajuda do Senhor e de sua Mãe bendita, que é também tua Mãe. Com serenidade, tranqüilo, por muito que doa a ferida ainda não cicatrizada do teu último resvalo, abraça de novo a cruz e diz: Senhor, com o teu auxílio, lutarei para não me deter, responderei fielmente aos teus apelos, sem temor às encostas empinadas, nem à aparente monotonia do trabalho habitual, nem aos cardos e aos seixos do caminho. Sei que sou assistido pela tua misericórdia e que, no fim, acharei a felicidade eterna, a alegria e o amor pelos séculos infinitos.

Depois, durante o mesmo sonho, descobria aquele escritor um terceiro itinerário: estreito, atapetado também de asperezas e de vertentes duras como o segundo. Por ali avançavam alguns no meio de mil penas, com ar solene e majestoso. No entanto, acabavam no mesmo precipício horrível a que conduzia o primeiro caminho. Esse é o trajeto dos hipócritas, dos que não têm uma intenção reta, dos que se deixam arrastar por um falso zelo, dos que pervertem as obras divinas misturando-as com egoísmos temporais. É uma estultícia abordar um empreendimento trabalhoso para ser admirado; guardar os mandamentos de Deus à custa de um esforço árduo, mas aspirar a uma recompensa terrena. Quem pretende benefícios humanos com a prática das virtudes é como aquele que desbarata um objeto precioso, vendendo-o por poucas moedas: podia conquistar o Céu e, no entanto, contenta-se com um louvor efêmero… Por isso se diz que as esperanças dos hipócritas são como a teia de aranha: tanto esforço para tecê-la e, no fim, leva-a de um sopro o vento da morte.

Misturai-vos com freqüência entre as personagens do Novo Testamento. Saboreai as cenas comoventes em que o Mestre atua com gestos divinos e humanos ou relata com modos de dizer humanos e divinos a história sublime do perdão, do Amor ininterrupto que tem pelos seus filhos. Esses traslados do Céu renovam-se agora também, na perenidade atual do Evangelho: apalpa-se, nota-se, pode-se afirmar que se toca com as mãos a proteção divina; um amparo que ganha em vigor quando continuamos em frente apesar dos tropeços, quando começamos e recomeçamos, que isto é a vida interior, vivida com a esperança em Deus.

Sem este empenho por superar os obstáculos de dentro e de fora, não nos será concedido o prêmio. Nenhum atleta será coroado, se não lutar de verdade, e não seria autêntico o combate, se faltasse o adversário a quem combater. Portanto, se não há adversário, não haverá coroa; pois não pode haver vencedor onde não há vencido.

Longe de nos desalentarem, as contrariedades têm de ser acicate que nos faça crescer como cristãos: nessa luta, santificamo-nos, e a nossa atividade apostólica adquire maior eficácia. Ao meditarmos sobre os momentos em que Jesus Cristo - no Horto das Oliveiras e, mais tarde, no abandono e ludíbrio da Cruz - aceita e ama a Vontade do Pai, enquanto sente o peso gigantesco da Paixão, devemos persuadir-nos de que, para imitar Cristo, para sermos seus discípulos, precisamos abraçar o seu conselho: Quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. É por isso que gosto de pedir a Jesus, para mim: Senhor, nenhum dia sem cruz! Assim, com a graça divina, reforçar-se-á o nosso caráter, e serviremos de apoio ao nosso Deus, a despeito das nossas misérias pessoais.

Tens de compreender: se, ao pregarmos um prego na parede, não encontramos resistência, o que é que poderemos pendurar ali? Se não nos robustecemos com o auxílio divino, por meio do sacrifício, não atingiremos a condição de instrumentos do Senhor. Pelo contrário, se nos decidimos a aproveitar com alegria as contrariedades, por amor de Deus, não nos custará exclamar, com os Apóstolos Tiago e João, diante das coisas difíceis e das desagradáveis, das duras e das incômodas: Podemos!

Esta luta do filho de Deus não anda de mãos dadas com renúncias tristes, com resignações sombrias, com privações de alegria: é a reação do apaixonado que, enquanto trabalha e enquanto descansa, enquanto se rejubila e enquanto padece, põe o seu pensamento na pessoa amada e por ela enfrenta com todo o gosto os problemas mais diversos. Além disso, no nosso caso, como Deus - insisto - não perde batalhas, nós, com Ele, nos chamaremos vencedores. Tenho a experiência de que, se me ajusto fielmente às suas instâncias, Ele me conduz a verdes prados e me leva às águas refrescantes. Recreia a minha alma, pelos caminhos retos me conduz, por amor do seu nome. Ainda que eu atravesse um vale tenebroso, nada temerei, pois estás comigo. Teu bordão e teu cajado são o meu consolo.

Nas batalhas da alma, a estratégia é muitas vezes questão de tempo, de aplicar o remédio conveniente com paciência, com teimosia. Aumentai os atos de esperança. Quero lembrar-vos que, na vida interior, sofrereis derrotas, ou passareis por altos e baixos - Deus permita que sejam imperceptíveis -, porque ninguém está livre desses percalços. Mas o Senhor, que é onipotente e misericordioso, concedeu-nos os meios idôneos para vencer. Basta que os utilizemos, como dizia antes, com a resolução de começar e recomeçar a cada instante, se for preciso.

Recorrei semanalmente - e sempre que precisardes, sem dar lugar aos escrúpulos - ao santo Sacramento da Penitência, ao sacramento do perdão divino. Revestidos da graça, passaremos através das montanhas e subiremos a encosta do cumprimento do dever cristão, sem nos determos. Utilizando esses recursos, com boa vontade, suplicando ao Senhor que nos conceda uma esperança cada vez maior, possuiremos a alegria contagiosa dos que se sabem filhos de Deus: Se Deus está conosco, quem nos poderá derrotar?

Otimismo, portanto. Impelidos pela força da esperança, lutaremos por apagar a mancha viscosa que espalham os semeadores do ódio, e redescobriremos o mundo numa perspectiva feliz, porque o mundo saiu belo e limpo das mãos de Deus, e é assim, com essa beleza, que o havemos de restituir a Ele, se aprendermos a arrepender-nos.

Referências da Sagrada Escritura
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