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Há 3 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Fraternidade.

Não vos comove que o Apóstolo João, já na velhice, empregue a maior parte de uma das suas epístolas em exortar-nos a manter uma conduta de acordo com essa doutrina divina? O amor que deve existir entre os cristãos nasce de Deus, que é Amor. Caríssimos, amemo-nos uns aosoutros, porque a caridadeprocede de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é Amor. Detém-se na caridade fraterna, pois por Cristo fomos convertidos em filhos de Deus. Considerai que amor nos manifestou o Pai em querer que fôssemos chamados filhos de Deus e que o sejamos na realidade.

E, enquanto fere energicamente as nossas consciências, para que se tornem mais sensíveis à graça divina, insiste em que recebemos uma prova maravilhosa do amor do Pai pelos homens: Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco: em que Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que por Ele tenhamos a vida. O Senhor tomou a iniciativa, vindo ao nosso encontro. Deu-nos esse exemplo para que acorramos junto com Ele a servir os outros, para que - gosto de repeti-lo - ponhamos generosamente o nosso coração no chão, de modo que os outros pisem macio e se torne mais amável a sua luta. Devemos comportar-nos assim porque fomos feitos filhos do mesmo Pai, desse Pai que não duvidou em entregar-nos o seu Filho muito amado.

De que amor se trata? A Sagrada Escritura fala-nos de dilectio - dileção -, para que se compreenda bem que não se refere apenas ao afeto sensível. Exprime antes uma determinação firme, da vontade. Dilectio deriva de electio, escolha. Eu acrescentaria que amar, em linguagem cristã, significa querer querer, decidir-se em Cristo a promover o bem das almas sem discriminações de gênero algum, conseguindo para elas, antes de mais nada, o que há de melhor: que conheçam Cristo, que se enamorem dEle.

O Senhor insta conosco: Portai-vos bem com os que vos aborrecem e orai pelos que vos perseguem e caluniam. Pode ser que não nos sintamos humanamente atraídos pelas pessoas que nos repeliriam, se delas nos aproximássemos. Mas Jesus exige que não lhes retribuamos o mal com o mal; que não desaproveitemos as ocasiões de servi-las com o coração, ainda que nos custe; que não deixemos nunca de tê-las presentes em nossas orações.

Essa dilectio, essa caridade, reveste-se de matizes mais íntimos quando se refere aos irmãos na fé, e especialmente aos que, por Deus assim o ter disposto, trabalham mais perto de nós: os pais, o marido ou a mulher, os filhos e os irmãos, os amigos e os colegas, os vizinhos. Se não existisse esse carinho, amor humano nobre e limpo, ordenado por Deus e nEle enraizado, não haveria caridade.

Uma das suas primeiras manifestações traduz-se em iniciar a alma nos caminhos da humildade. Quando sinceramente nos consideramos nada; quando compreendemos que, sem o auxílio divino, a mais débil e fraca das criaturas seria melhor que nós; quando nos reconhecemos capazes de todos os erros e de todos os horrores; quando nos sabemos pecadores, embora lutemos com empenho por afastar-nos de tantas infidelidades - como havemos de pensar mal dos outros? Como podemos alimentar no coração o fanatismo, a intolerância, a altivez presunçosa?

A humildade leva-nos como que pela mão a essa forma de tratar o próximo que é sem dúvida a melhor: a de compreender a todos, conviver com todos, desculpar a todos; a de não criar divisões nem barreiras; a de comportar-nos - sempre! - como instrumentos de unidade. Não em vão existe no fundo do homem uma aspiração forte à paz, à união com os seus semelhantes, ao mútuo respeito dos direitos da pessoa, de maneira que esse respeito se transforme em fraternidade. É o reflexo de um dos traços mais valiosos da nossa condição humana: se todos somos filhos de Deus, a fraternidade nem se reduz a um lugar-comum nem é um ideal ilusório: sobressai como meta difícil, mas real.

Em face de todos os cínicos, dos céticos, dos desamorados, dos que converteram a sua própria covardia numa mentalidade, nós, os cristãos, temos que demonstrar que esse carinho é possível. Talvez haja muitas dificuldades para nos comportarmos assim, porque o homem foi criado livre e tem o poder de desafiar inútil e amargamente o próprio Deus. Mas é algo possível e real, porque essa conduta nasce necessariamente do amor de Deus e do amor a Deus. Se tu e eu queremos, Jesus Cristo também o quer. Então compreendemos em toda a sua profundidade e em toda a sua fecundidade a dor, o sacrifício e a desinteressada entrega de nós mesmos na convivência diária.

Referências da Sagrada Escritura