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Há 3 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Sobriedade.

Talvez me digas: E por que havia eu de me esforçar? Não sou eu quem te responde, mas São Paulo: O amor de Cristo nos compele. Todo o espaço de uma existência é pouco para dilatares as fronteiras da tua caridade. Desde os primeiríssimos começos do Opus Dei, manifestei o meu grande empenho em repetir sem descanso, para as almas generosas que se decidissem a traduzi-lo em obras, aquele grito de Cristo: Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros. Conhecer-nos-ão precisamente por isso, porque a caridade é o ponto de arranque de qualquer atividade de um seguidor de Cristo.

Ele, que é a própria pureza, não garante que conheçam os seus discípulos pela limpeza da sua vida. Ele, que é a sobriedade, que nem sequer dispõe de uma pedra onde reclinar a cabeça, que passou tantos dias em jejum e em retiro, não diz aos Apóstolos: conhecer-vos-ão como

meus escolhidos por não serdes comilões nem bebedores.

A vida sem mancha de Cristo era - como foi e será em todos os tempos - um bofetão na sociedade da época, como a de agora, com freqüência tão podre. A sua sobriedade, outro látego para os que se banqueteavam continuamente e provocavam o vômito depois de se fartarem, para poderem continuar a comer, cumprindo à letra as palavras de Saulo: convertiam o seu ventre num Deus.

Temperança é espírito senhoril. Nem tudo o que experimentamos no corpo e na alma deve ser deixado à rédea solta. Nem tudo o que se pode fazer se deve fazer. É mais cômodo deixar-se arrastar pelos impulsos que chamam naturais; mas no fim de semelhante caminho encontra-se a tristeza, o isolamento na miséria própria.

Há pessoas que não querem negar nada ao estômago, aos olhos, às mãos. Recusam-se a escutar quem as aconselha a viver uma vida limpa. A faculdade de gerar - que é uma realidade nobre, participação no poder criador de Deus -, utilizam-na desordenadamente, como um instrumento a serviço do egoísmo.

Mas nunca me agradou falar de impureza. Eu quero considerar os frutos da temperança, quero ver o homem verdadeiramente homem, livre das coisas que brilham, mas não têm valor, como as bugigangas que a pêga junta no seu ninho. Esse homem sabe prescindir do que faz mal à sua alma e apercebe-se de que o sacrifício é apenas aparente, porque, ao viver assim - com sacrifício -, livra-se de muitas escravidões e no íntimo do seu coração consegue saborear todo o amor de Deus.

A vida recupera então os matizes que a intemperança esbate. Ficamos em condições de nos preocuparmos com os outros, de compartilhar com todos as coisas pessoais, de nos dedicarmos a tarefas grandes. A temperança cria a alma sóbria, modesta, compreensiva; confere-lhe um recato natural que é sempre atraente, porque se nota na conduta o império da inteligência. A temperança não supõe limitação, mas grandeza. Há muito maior privação na intemperança, porque o coração abdica de si mesmo para ir atrás do primeiro que lhe faça soar aos ouvidos o pobre ruído de uns chocalhos de lata.

Temos que ser exigentes conosco na vida cotidiana, para não inventar falsos problemas, necessidades artificiais que, em último termo, procedem da arrogância, do capricho, de um espírito comodista e preguiçoso. Devemos caminhar para Deus a passo rápido, sem bagagem e sem pesos mortos que dificultem a marcha. Precisamente porque o espírito de pobreza não consiste em não ter, mas em estar verdadeiramente desapegado, devemos permanecer atentos para não nos enganarmos com imaginários motivos de força maior. Buscai o suficiente, buscai o que basta. E não queirais mais. O que passa disso é aflição, não alívio; acabrunha, em vez de levantar.

Ao descer a estes conselhos, não me baseio em situações estranhas, anormais ou complicadas. Sei de alguém que, para marcar os livros, usava uns papéis em que escrevia umas jaculatórias que o ajudassem a manter a presença de Deus. E entrou-lhe o desejo de conservar com carinho aquele tesouro, até que percebeu que se estava apegando a uns papeluchos de nada. Que belo modelo de virtude! Não me importaria de vos manifestar todas as minhas misérias, se vos servisse para alguma coisa. Levantei um pouco o véu porque talvez contigo se passe outro tanto: os teus livros, a tua roupa, a tua mesa, os teus… ídolos de quinquilharia.

Em casos como esses, recomendo-vos que consulteis o vosso diretor espiritual, sem ânimo pueril nem escrupuloso. Às vezes, bastará como remédio a pequena mortificação de prescindir do uso de alguma coisa durante uma breve temporada. Ou, noutra ordem, não morre ninguém se um dia renuncias ao meio de transporte que utilizas habitualmente e entregas como esmola a quantia poupada, mesmo que seja muito pouco dinheiro. De qualquer modo, se tens espírito de desprendimento, não deixarás de descobrir contínuas ocasiões, discretas e eficazes, de praticá-lo.

Depois de vos abrir a minha alma, preciso confessar-vos também que tenho um apego a que não quereria renunciar nunca: o de amar-vos de verdade a todos vós. Aprendi-o do melhor Mestre, e gostaria de seguir fidelissimamente o seu exemplo, amando sem limites as almas, a começar pelos que me rodeiam. Não vos comove essa caridade ardente - esse carinho - de Jesus Cristo, que o Evangelista nos revela ao designar um dos discípulos? Quem diligebat Iesus, aquele a quem Jesus amava.