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Há 4 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Endeusamento → mau.

E o que é que impede esta humildade, este endeusamento bom? A soberba. Esse é o pecado capital que conduz ao endeusamento mau. A soberba leva-nos a seguir - mesmo nas questões mais triviais - a insinuação apresentada por Satanás aos nossos primeiros pais: Abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal. Lê-se também na Escritura que o princípio da soberba é afastar-se de Deus. Porque este vício, uma vez arraigado, influi em toda a existência do homem, até se converter no que São João chama a superbia vitae, a soberba da vida.

Soberba? De quê? A Escritura Santa estigmatiza a soberba com acentos trágicos e cômicos ao mesmo tempo: De que te ensoberbeces, pó e cinza? Já em vida vomitas as entranhas. Uma ligeira doença, e o médico sorri: o homem que hoje é rei amanhã estará morto.

Quando o orgulho se apossa da alma, não é de estranhar que venham detrás todos os vícios, como que em fila: a avareza, as intemperanças, a inveja, a injustiça. O soberbo tenta inutilmente destronar Deus - que é misericordioso para com todas as criaturas -, a fim de se instalar ele no sólio divino, ele que atua com entranhas de crueldade.

Temos de pedir ao Senhor que não nos deixe cair nesta tentação. A soberba é o pior e o mais ridículo dos pecados. Se consegue atenazar alguém com as suas múltiplas alucinações, a pessoa atacada veste-se de aparência, enche-se de vazio, empertiga-se como o sapo da fábula, que inchava o bucho, presunçosamente, até que explodiu. A soberba é desagradável, mesmo humanamente: quem se considera superior a todos e a tudo está continuamente contemplando-se a si próprio e desprezando os outros, e estes correspondem-lhe escarnecendo da sua vã fatuidade.

Ouvimos falar de soberba, e talvez imaginemos uma conduta despótica, avassaladora: grandes ruídos de vozes que aclamam, e o triunfador que passa, como um imperador romano, debaixo dos altos arcos, fazendo menção de inclinar a cabeça, porque teme que a sua fronte gloriosa toque o branco mármore.

Sejamos realistas: essa soberba só tem lugar numa imaginação tresloucada. Nós temos de lutar contra outras formas mais sutis, mais freqüentes: o orgulho de preferir a excelência própria à dos outros; a vaidade nas conversas, nos pensamentos e nos gestos; uma suscetibilidade quase enfermiça, que se sente ofendida com palavras e ações que de modo algum significam um agravo.

Tudo isto é que pode ser e é uma tentação comum. O homem considera-se a si próprio como o sol e o centro dos que estão ao seu redor. Tudo deve girar em torno dele. E, com a sua preocupação mórbida, não raramente recorre até à simulação da dor, da tristeza e da doença: para que os outros cuidem dele e o mimem.

A maioria dos conflitos em que se debate a vida interior de muita gente é fabricada pela imaginação: É que disseram…, é que podem pensar…, é que não me consideram… E essa pobre alma sofre, pela sua triste fatuidade, com suspeitas que não são reais. Nessa aventura infeliz, a sua amargura é contínua, e procura produzir desassossego nos outros: porque não sabe ser humilde, porque não aprendeu a esquecer-se de si própria para se dar generosamente ao serviço dos outros por amor a Deus.

Livra-me de tudo o que de mau e perverso existe no homem. De novo o texto da Missa nos fala do bom endeusamento. Põe em relevo diante dos nossos olhos a ruim matéria de que estamos feitos, com todas as inclinações malvadas; e depois suplica: Emitte lucem tuam, envia a tua luz e a tua verdade, que me guiaram e me trouxeram ao teu monte santo. Não me importo de vos contar que me emocionei ao recitar estas palavras do Gradual.

Como havemos de comportar-nos para adquirir esse endeusamento bom? Lemos no Evangelho que Jesus não queria ir à Judéia, porque os judeus o procuravam para matá-lo. Ele, que com um desejo da sua vontade poderia eliminar os seus inimigos, serve-se também dos meios humanos. Ele, que era Deus e só precisava de uma decisão sua para mudar as circunstâncias, deixou-nos uma lição encantadora: não foi à Judéia. Seus parentes disseram-lhe: Sai daqui e vai à Judéia, para que também os teus discípulos admirem as obras que fazes. Pretendiam que desse espetáculo. Vedes? Vedes o que é uma lição de endeusamento bom e endeusamento mau?