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Há 12 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Evangelho → cenas evangélicas .

Com o agradecimento de quem percebe a felicidade a que foi chamado, aprendemos que todas as criaturas foram tiradas do nada por Deus e para Deus: tanto as racionais, os homens, ainda que com tanta freqüência percam a razão; como as irracionais, as que calcorreiam sobre a superfície da terra, ou habitam as entranhas do mundo, ou cruzam o azul do céu, algumas delas até fitarem o sol. Mas, no meio desta maravilhosa variedade, apenas nós, os homens - não falo aqui dos anjos - nos unimos ao Criador mediante o exercício da nossa liberdade: podemos prestar ou negar ao Senhor a glória que lhe é devida como Autor de tudo o que existe.

Essa possibilidade compõe o claro-escuro da liberdade humana. O Senhor convida-nos, incita-nos - porque nos ama entranhadamente! - a escolher o bem: Considera que pus hoje diante de ti a vida e o bem, e de outra parte a morte e o mal, para que ames o Senhor teu Deus, e andes pelos seus caminhos, e guardes os seus mandamentos, decretos e preceitos, e assim vivas . Escolhe a vida para que vivas.

Queres fazer o favor de pensar - eu também faço o meu exame - se manténs imutável e firme a tua opção pela Vida? Se, ao ouvires essa voz de Deus, amabilíssima, que te estimula à santidade, respondes livremente que sim? Volvamos o olhar para o nosso Jesus, quando falava às multidões pelas cidades e campos da Palestina. Não pretende impor-se. Se queres ser perfeito…, diz Ele ao jovem rico. Aquele rapaz rejeitou a insinuação, e conta-nos o Evangelho que abiit tristis, que se retirou entristecido. Por isso cheguei certa vez a chamar-lhe ave triste: perdeu a alegria porque se negou a entregar a sua liberdade a Deus.

Penso que nos ajudará a terminar melhor estas reflexões uma passagem do Evangelho de São Lucas, no capítulo segundo. Cristo é uma criança. Que dor a de sua Mãe e a de São José, porque - no regresso de Jerusalém - não vinha entre os parentes e amigos! E que alegria quando o enxergam, já de longe, doutrinando os mestres de Israel! Mas reparemos nas palavras, aparentemente duras, que saem da boca do Filho ao responder à sua Mãe: Por que me buscáveis?

Não era razoável que o procurassem? As almas que sabem o que é perder Cristo e encontrá-lo podem compreender isto… Por que me buscáveis? Não sabíeis que devo ocupar-me nas coisas de meu Pai? Porventura não sabíeis que devo dedicar totalmente o meu tempo ao meu Pai celestial?

Se repararmos bem, entre as muitas palavras de louvor que disseram de Jesus os que contemplaram a sua vida, há uma que de certo modo compreende todas as outras. Refiro-me à exclamação, prenhe de acentos de assombro e de entusiasmo, que a multidão repetia espontaneamente ao presenciar atônita os seus milagres: Bene omnia fecit, fez tudo admiravelmente bem: os grandes prodígios e as coisas triviais, cotidianas, que a ninguém deslumbraram, mas que Cristo realizou com a plenitude de quem é perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus e homem perfeito.

Toda a vida do Senhor me enamora. Tenho, além disso, um fraco especial pelos seus trinta anos de existência oculta em Belém, no Egito e em Nazaré. Esse tempo - longo -, a que o Evangelho mal se refere, surge desprovido de significado próprio aos olhos de quem o considera superficialmente. E, no entanto, sempre sustentei que esse silêncio sobre a biografia do Mestre é bem eloqüente e encerra lições maravilhosas para o cristão. Foram anos intensos de trabalho e de oração, em que Jesus Cristo teve uma vida normal - como a nossa, se o queremos -, divina e humana ao mesmo tempo. Naquela simples e ignorada oficina de artesão, como mais tarde diante das multidões, cumpriu tudo com perfeição.

Lutai contra essa excessiva compreensão que cada um tem para consigo mesmo. Sede exigentes convosco! Às vezes, pensamos demasiado na saúde. Ou no descanso, que não deve faltar, precisamente porque é necessário para voltarmos ao trabalho com forças renovadas; mas esse descanso - assim o escrevi há tantos anos! - não é não fazer nada; é distrair-se em atividades que exigem menos esforço.

Noutras ocasiões, com falsas desculpas, somos demasiado comodistas, esquecemo-nos da bendita responsabilidade que pesa sobre os nossos ombros, conformamo-nos com o que basta para dar um jeito, deixamo-nos arrastar por razões sem razão para ficar com os braços cruzados, enquanto Satanás e os seus aliados não tiram férias. Escuta com atenção e medita o que São Paulo escrevia aos cristãos que eram servos por ofício: insistia com eles em que obedecessem aos seus amos, não os servindo só quando sob as suas vistas, como se só pensásseis em agradar aos homens, mas como servos de Jesus Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus, servindo-os com amor, tendo consciência de que servis ao Senhor e não aos homens. Que bom conselho para que tu e eu o sigamos!

Vamos pedir luz a Jesus Cristo Senhor Nosso e suplicar-lhe que nos ajude a descobrir em cada instante esse sentido divino que transforma a nossa vocação profissional no eixo sobre o qual assenta e gira a nossa chamada à santidade. Veremos no Evangelho que Jesus era conhecido como faber, filius Mariae, o operário, o filho de Maria. Pois bem, também nós, com um orgulho santo, temos que demonstrar com as nossas obras que somos trabalhadores!, homens e mulheres de trabalho!

Já que temos de comportar-nos sempre como enviados de Deus, devemos ter muito presente que não servimos o Senhor com lealdade quando abandonamos a nossa tarefa; quando não partilhamos com os outros do seu empenho e abnegação no cumprimento dos compromissos profissionais; quando nos podem apontar como ociosos, impontuais, frívolos, desordenados, preguiçosos, inúteis… Porque quem descura essas obrigações, aparentemente menos importantes, é difícil que vença nas outras da vida interior, que certamente são mais custosas. Quem é fiel no pouco, também o é no muito, e quem é injusto no pouco, também o é no muito.

Meus amados irmãos - de novo a voz de São Paulo -, sede firmes e constantes, trabalhando sempre cada vez mais na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não ficará sem recompensa diante de Deus. Estamos vendo? É toda uma trama de virtudes que se põe em jogo quando desempenhamos o nosso ofício com o propósito de santificá-lo: a fortaleza, para perseverarmos no trabalho, apesar das naturais dificuldades e sem nos deixarmos vencer nunca pelo acabrunhamento; a temperança, para nos gastarmos sem reservas e para superarmos o comodismo e o egoísmo; a justiça, para cumprirmos os nossos deveres para com Deus, para com a sociedade, para com a família, para com os colegas; a prudência, para sabermos em cada caso o que convém fazer e nos lançarmos à obra sem dilações… E tudo, insisto, por Amor, com o sentido vivo e imediato da responsabilidade do fruto do nosso trabalho e do seu alcance apostólico.

Obras é que sãoamores, não as boas razões, reza o ditado popular, e penso que não é necessário acrescentar mais nada.

Senhor, concede-nos a tua graça. Abre-nos a porta da oficina de Nazaré, para que aprendamos a contemplar-te, com a tua Mãe Santa Maria e com o Santo Patriarca José - a quem tanto amo e venero -, dedicados os três a uma vida de trabalho santo. Comover-se-ão os nossos pobres corações, iremos à tua procura e te encontraremos no trabalho cotidiano, que Tu desejas que convertamos em obra de Deus, em obra de Amor.

Conta-o São Lucas, no capítulo sétimo: Um dos fariseus rogou-lhe que fosse comer com ele. E, tendo entrado em casa do fariseu, sentou-se à mesa. Chega então uma mulher da cidade, conhecida publicamente como pecadora, e aproxima-se para lavar os pés de Jesus que, segundo os usos da época, comia reclinado. As lágrimas são a água desse comovente lavatório; e os cabelos, o pano que seca. Com bálsamo trazido num rico vaso de alabastro, unge os pés do Mestre. E beija-os.

O fariseu pensa mal. Não lhe cabe na cabeça que Jesus seja capaz de albergar tanta misericórdia em seu coração. Se este fosse um profeta - vai cismando ele -, com certeza saberia quem e qual é essa mulher que o toca. Jesus lê os seus pensamentos e esclarece-o: Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; e esta os banhou com as suas lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste o ósculo; e esta, desde que entrou, não cessou de beijar os meus pés. Não ungiste a minha cabeça com bálsamo, e esta derramou perfumes sobre os meus pés. Pelo que te digo: são-lhe perdoados muitos pecados, porque muito amou.

Não podemos considerar agora as divinas maravilhas do Coração misericordioso de Nosso Senhor. Vamos concentrar a atenção noutro aspecto da cena: no modo como Jesus nota a falta de todos esses pormenores de cortesia e de delicadeza humanas que o fariseu não foi capaz de lhe manifestar. Cristo é perfectus Deus, perfectus homo, Deus, Segunda Pessoa da Trindade Beatíssima, e homem perfeito. Traz a salvação e não a destruição da natureza. E dEle aprendemos que não é cristão comportar-se mal com o homem, pois é criatura de Deus e está feito à sua imagem e semelhança.

Continua a cena evangélica: E enviaram os seus discípulos - dos fariseus - juntamente com alguns herodianos, os quais lhe disseram: Mestre. Vede com que espírito retorcido o chamam Mestre; fingem-se seus admiradores e amigos, dispensam-lhe um tratamento que se reserva à autoridade de quem se espera receber um ensinamento. Magister, scimus quia verax es, sabemos que és veraz… Que astúcia tão infame! Já vistes maior duplicidade? Andai por este mundo com cuidado. Não sejais cautelosos, desconfiados; mas deveis sentir sobre os ombros - lembrando-vos da imagem do Bom Pastor que se vê nas catacumbas - o peso dessa ovelha que não é uma alma só, mas a Igreja inteira, a humanidade inteira.

Aceitando com garbo esta responsabilidade, sereis audazes e sereis prudentes para defender e proclamar os direitos de Deus. E então, pela integridade do vosso comportamento, haverá muitos que vos considerarão e vos chamarão mestres, sem vós o pretenderdes, já que não andamos à busca da glória terrena. Mas não vos admireis se, entre tantos que se aproximam de vós, se insinuam esses que só pretendem adular-vos. Gravai nas vossas almas o que me ouvistes repetir tantas vezes: nem as calúnias, nem as murmurações, nem os respeitos humanos, nem o que dirão, e muito menos os louvores hipócritas hão de impedir-nos jamais de cumprir o nosso dever.

Ao longo da sua vida terrena, Jesus Cristo, Nosso Senhor, foi coberto de impropérios, foi maltratado de todas as maneiras possíveis. Estais lembrados? Propalam que se comporta como um revoltoso e afirmam que está endemoninhado. Noutra ocasião, interpretam mal as manifestações do seu Amor infinito e tacham-no de amigo de pecadores.

Mais tarde, a Ele que é a penitência e a temperança, lançam-lhe em rosto que freqüenta a mesa dos ricos. Também o chamam depreciativamente fabri filius, filho do trabalhador, do carpinteiro, como se fosse uma injúria. Permite que o apostrofem como bebedor e comilão… Deixa que o acusem de tudo, menos de que não é casto. Tapou-lhes a boca nisso, porque quer que nós conservemos esse exemplo sem sombras: um modelo maravilhoso de pureza, de limpeza, de luz, de amor que sabe queimar o mundo inteiro para o purificar.

Eu gosto de me referir à santa pureza contemplando sempre a conduta de Nosso Senhor, porque pôs de manifesto uma grande delicadeza nesta virtude. Reparai no que nos relata São João quando Jesus, fatigatus ex itinere, sedebat sic supra fontem, cansado do caminho, se sentou sobre o bocal do poço.

Recolhei os olhos da alma e revivei devagar essa cena: Jesus Cristo, perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus, perfeito homem, está fatigado por causa da caminhada e do trabalho apostólico. Como talvez vos tenha acontecido alguma vez a vós, que acabais exaustos, porque não agüentais mais. É comovente observar o Mestre esgotado. Além disso, tem fome: os discípulos foram ao povoado vizinho buscar alguma coisa que comer. E tem sede.

Mas, mais do que a fadiga do corpo, consome-o a sede de almas. Por isso, quando chega a samaritana, aquela mulher pecadora, o coração sacerdotal de Cristo lança-se, diligente, a recuperar a ovelha perdida. Esquece o cansaço, a fome e a sede.

Achava-se o Senhor ocupado naquela grande obra de caridade, quando os Apóstolos voltaram da cidade e mirabantur quia cum muliere loquebatur, admiraram-se de que falasse a sós com uma mulher. Que cuidado! Que amor à virtude encantadora da santa pureza, que nos ajuda a ser mais fortes, mais rijos, mais fecundos, mais capazes de trabalhar por Deus, mais capazes de todas as coisas grandes!

O Evangelho da Santa Missa recordou-nos a cena comovente em que Jesus permanece em Jerusalém ensinando no templo. Maria e José caminharam a jornada inteira procurando-o entre os parentes e conhecidos. E, não o encontrando, voltaram a Jerusalém em busca dele. A Mãe de Deus, que buscou afanosamente o seu Filho, perdido sem culpa dEla, que experimentou a maior alegria ao encontrá-lo, ajudar-nos-á a desandar o andado, a retificar o que for preciso quando pelas nossas leviandades ou pecados não conseguirmos distinguir Cristo. Alcançaremos assim a alegria de abraçá-lo de novo, para lhe dizer que nunca mais o perderemos.

Maria é Mãe da ciência, porque com Ela se aprende a lição que mais interessa: que nada vale a pena se não estivermos junto do Senhor; que de nada servem todas as maravilhas da terra, todas as ambições satisfeitas, se não nos arde no peito a chama de amor vivo, a luz da santa esperança, que é uma antecipação do amor interminável na nossa Pátria definitiva.

Maria cooperou com a sua caridade para que nascessem na Igreja os fiéis, membros daquela Cabeça da qual Ela é efetivamente mãe segundo o corpo. Como Mãe, ensina; e, também como Mãe, as suas lições não são ruidosas. É preciso ter na alma uma base de finura, um toque de delicadeza, para compreender o que Ela nos manifesta - mais do que com promessas - com obras.

Mestra de fé. Bem-aventurada tu, que creste; assim a saúda Isabel, sua prima, quando Nossa Senhora sobe à montanha para visitá-la. Tinha sido maravilhoso aquele ato de fé de Santa Maria: Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mimsegundo a tua palavra. No nascimento do seu Filho, contempla as grandezas de Deus na terra: há um coro de anjos, e tanto os pastores como os poderosos vêm adorar o Menino. Mas depois a Sagrada Família tem que fugir para o Egito, para escapar das tentativas criminosas de Herodes. E a seguir, o silêncio: trinta longos anos de vida simples, comum, como a de um lar qualquer de uma pequena aldeia da Galiléia.

O Santo Evangelho facilita-nos brevemente o caminho para entendermos o exemplo da nossa Mãe: Maria conservava todas estas coisas dentro de si, ponderando-as no seu coração. Procuremos nós imitá-la, conversando com o Senhor, num diálogo enamorado, de tudo o que se passa conosco, até dos acontecimentos mais triviais. Não esqueçamos que temos de pesá-los, avaliá-los, vê-los com olhos de fé, para descobrir a Vontade de Deus.

Se a nossa fé for débil, recorramos a Maria. Conta São João que, devido ao milagre das bodas de Caná, que Cristo realizou a pedido de sua Mãe, os seus discípulos creram nEle. A nossa Mãe intercede sempre diante do seu Filho para que nos atenda e se nos revele de tal modo que possamos confessar: Tu és o Filho de Deus.

Ânsias de adoração, de desagravo, com sossegada suavidade e com sofrimento. Assim se tornará vida na nossa vida a afirmação de Jesus: Aqueleque não toma a sua cruz e me segue não é digno de Mim. E o Senhor se nos mostra cada vez mais exigente, pede-nos reparação e penitência, até impelir-nos a experimentar o fervente anelo de querermos viver para Deus, cravados com Cristo na cruz. Este tesouro,porém, nós o guardamos em vasos de barro frágil e quebradiço, para sabermos reconhecer que a grandeza do poder que se nota em nós é de Deus e não nossa.

Vemo-nos acossados por toda a espécie de tribulações, mas não perdemos o ânimo; encontramo-nos em grandes apertos, mas não desesperados e sem meios; somos perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não inteiramente perdidos; trazemos sempre no nosso corpo, por toda a parte, a mortificação de Jesus.

Imaginamos, além disso, que o Senhor não nos escuta, que andamos enganados, que só se ouve o monólogo da nossa voz. Sentimo-nos como que sem apoio sobre a terra e abandonados pelo céu. No entanto, é verdadeiro e prático o nosso horror ao pecado, mesmo venial. Com a teimosia da Cananéia, prostramo-nos rendidamente como ela, que o adorou implorando: Senhor, ajuda-me. Desaparecerá a escuridão, superada pela luz do Amor.

Referências da Sagrada Escritura
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