Lista de pontos

Há 3 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Igreja → prudência e fortaleza na doutrina.

Lembrai-vos da parábola do bom samaritano. Aquele homem ficou caído no caminho, ferido pelos ladrões, que lhe roubaram até o último centavo. Passa por esse lugar um sacerdote da Antiga Lei e, pouco depois, um levita; os dois continuam em frente sem se preocuparem. Passou a seguir um viandante samaritano que chegou perto dele e, vendo o que acontecia, moveu-se de compaixão. Aproximando-se, ligou-lhe as feridas, depois de as ter limpado com óleo e vinho; e, pondo-o sobre o seu jumento, levou-o a uma estalagem e cuidou dele em tudo. Reparemos que não se trata de um exemplo que o Senhor expõe apenas a poucas almas seletas, porque acrescenta imediatamente àquele que lhe fizera a pergunta, a cada um de nós: Vai e faze tu o mesmo.

Portanto, quando na nossa vida pessoal ou na dos outros percebermos alguma coisa que não está certa, alguma coisa que precisa do auxílio espiritual e humano que nós, os filhos de Deus, podemos e devemos prestar, uma das manifestações claras de prudência consistirá em aplicar o remédio conveniente, a fundo, com caridade e com fortaleza, com sinceridade. Não têm cabimento as inibições. É errado pensar que os problemas se resolvem com omissões ou com adiamentos.

A prudência exige que, sempre que a situação o requeira, se apliquem os remédios, totalmente e sem paliativos, depois de se deixar a chaga a descoberto. Ao notardes os menores sintomas do mal, sede simples, verazes, quer tenhais de curar alguém, quer se trate de receberdes vós mesmos essa assistência. Nesses casos, deve-se permitir, a quem se encontra em condições de curar em nome de Deus, que aperte de longe e depois mais de perto, e mais ainda, até que saia todo o pus e o foco de infecção fique bem limpo. Temos de proceder assim, antes de mais nada, conosco próprios e com os que temos obrigação de ajudar por justiça ou por caridade. Rezo especialmente pelos pais e pelos que se dedicam a tarefas de formação e ensino.

Que nenhuma razão hipócrita vos detenha: aplicai o remédio nítido e certo. Mas procedei com mão maternal, com a delicadeza infinita com que as nossas mães nos curavam as feridas grandes ou pequenas dos nossos jogos e tropeções infantis. Quando é preciso esperar umas horas, espera-se; nunca mais do que o imprescindível, já que outra atitude encerraria comodismo, covardia, que são coisas bem diferentes da prudência. Todos nós - e principalmente os que se encarregam de formar os outros - devemos repelir o medo de desinfetar a ferida.

É possível que um ou outro sussurre arteiramente ao ouvido dos que devem curar, e não se decidem ou não querem enfrentar a sua missão: Mestre, sabemos que és veraz… Não toleremos o elogio irônico. Os que não se esforçam por levar a cabo com diligência a sua tarefa, nem são mestres, porque não ensinam o caminho autêntico, nem são verdadeiros, porque com a sua falsa prudência tomam por exagero ou desprezam as normas claras - mil vezes comprovadas pela reta conduta, pela idade, pela ciência do bom governo, pelo conhecimento da fraqueza humana e pelo amor a cada ovelha - que impelem a falar, a intervir, a demonstrar interesse.

Aos falsos mestres, domina-os o medo de apurar a verdade; desassossega-os a simples idéia - a obrigação - de recorrer ao antídoto doloroso em determinadas circunstâncias. Numa atitude desse gênero - convencei-vos disso -, não há prudência, nem piedade, nem sensatez; essa posição denota apoucamento, falta de responsabilidade, insensatez, estupidez. São os mesmos que depois, presas do pânico à vista do desastre, pretendem atalhar o mal quando já é tarde. Não se lembram de que a virtude da prudência exige que se receba e se transmita a tempo o conselho sereno da maturidade, da experiência antiga, do olhar límpido, da língua sem liames.

Não vos oculto que, quando tenho de corrigir ou de adotar uma decisão que causará pena, sofro antes, durante e depois. E não sou um sentimental. Consola-me pensar que só os animais não choram; nós, os homens, os filhos de Deus, choramos. Penso que, em certas situações, também vós tereis que passar um mau bocado se vos esforçais por cumprir fielmente os vossos deveres. Não esqueçais que é mais cômodo - mas é um descaminho - evitar a todo o custo o sofrimento, com a desculpa de não desgostar o próximo. Freqüentemente, esconde-se nessa inibição uma vergonhosa fuga à dor própria, já que normalmente não é agradável fazer uma advertência séria. Meus filhos, lembrai-vos de que o inferno está cheio de bocas fechadas.

Escutam-me agora vários médicos. Perdoai o meu atrevimento se volto a servir-me de um exemplo da medicina; talvez me escape algum disparate, mas a comparação ascética é válida. Para curar uma ferida, primeiro limpa-se bem, também à volta, já de bastante longe. O cirurgião sabe perfeitamente que dói; mas, se omite essa operação, depois doerá mais. Além disso, aplica-se logo o desinfetante; arde - pica, como dizemos na minha terra -, mortifica, mas não há outro jeito senão usá-lo, para que a chaga não se infecte.

Se é óbvio que se devem adotar estas medidas para a saúde corporal, mesmo que se trate de escoriações de pouca importância, reparai se, nas coisas grandes da saúde da alma - nos pontos nevrálgicos da vida de um homem -, não haverá que lavar, lancetar, raspar, desinfetar, sofrer! A prudência exige que intervenhamos desse modo e não fujamos do dever, porque esquivar-nos a ele demonstraria uma falta de consideração e mesmo um atentado grave contra a justiça e contra a fortaleza.

Persuadi-vos de que um cristão, se de verdade pretende conduzir-se retamente diante de Deus e diante dos homens, precisa de todas as virtudes, pelo menos em potência. Padre, perguntar-me-eis: E que faço com as minhas fraquezas? Respondo-vos: Por acaso não cura um médico que esteja doente, ainda que o mal de que sofre seja crônico? Impede-o por acaso a sua doença de prescrever aos seus pacientes a receita adequada? Claro que não. Para curar, basta-lhe possuir a ciência conveniente e pô-la em prática, com o mesmo interesse com que combate a sua própria doença.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura