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Há 6 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Virtudes → virtudes humanas .

Na intimidade pessoal, na conduta externa, na vida de relação, no trabalho, cada um há de procurar manter-se em contínua presença de Deus, com uma conversação - um diálogo - que não se manifesta por fora; ou melhor, não se expressa geralmente com ruído de palavras, mas terá que notar-se pelo empenho e pela amorosa diligência com que procuraremos acabar bem as tarefas, tanto as importantes como as mais comuns. Se não nos comportarmos com essa firmeza, seremos pouco conseqüentes com a nossa condição de filhos de Deus, porque teremos desperdiçado os recursos que o Senhor colocou providencialmente ao nosso alcance, para que arribemos ao estado do varão perfeito, à medida da idade perfeita segundo Cristo.

Durante a última guerra espanhola, viajava eu com freqüência, para atender sacerdotalmente muitos rapazes que se encontravam nas frentes de batalha. E certa vez escutei numa trincheira um diálogo que me ficou muito gravado. Perto de Teruel, um soldado moço dizia de outro, pelos vistos um pouco indeciso, pusilânime: Esse não é homem de uma só peça! Causar-me-ia uma enorme tristeza que de qualquer um de nós se pudesse afirmar, com fundamento, que é inconseqüente, homem que assegura querer ser autenticamente cristão, santo, mas que despreza os meios adequados, já que no cumprimento das suas obrigações não manifesta continuamente a Deus o seu carinho e o seu amor filial. Se a nossa atuação se desenhasse nesses termos, também nem tu nem eu seríamos cristãos de uma só peça.

Conta-o São Lucas, no capítulo sétimo: Um dos fariseus rogou-lhe que fosse comer com ele. E, tendo entrado em casa do fariseu, sentou-se à mesa. Chega então uma mulher da cidade, conhecida publicamente como pecadora, e aproxima-se para lavar os pés de Jesus que, segundo os usos da época, comia reclinado. As lágrimas são a água desse comovente lavatório; e os cabelos, o pano que seca. Com bálsamo trazido num rico vaso de alabastro, unge os pés do Mestre. E beija-os.

O fariseu pensa mal. Não lhe cabe na cabeça que Jesus seja capaz de albergar tanta misericórdia em seu coração. Se este fosse um profeta - vai cismando ele -, com certeza saberia quem e qual é essa mulher que o toca. Jesus lê os seus pensamentos e esclarece-o: Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; e esta os banhou com as suas lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste o ósculo; e esta, desde que entrou, não cessou de beijar os meus pés. Não ungiste a minha cabeça com bálsamo, e esta derramou perfumes sobre os meus pés. Pelo que te digo: são-lhe perdoados muitos pecados, porque muito amou.

Não podemos considerar agora as divinas maravilhas do Coração misericordioso de Nosso Senhor. Vamos concentrar a atenção noutro aspecto da cena: no modo como Jesus nota a falta de todos esses pormenores de cortesia e de delicadeza humanas que o fariseu não foi capaz de lhe manifestar. Cristo é perfectus Deus, perfectus homo, Deus, Segunda Pessoa da Trindade Beatíssima, e homem perfeito. Traz a salvação e não a destruição da natureza. E dEle aprendemos que não é cristão comportar-se mal com o homem, pois é criatura de Deus e está feito à sua imagem e semelhança.

Certa mentalidade laicista e outras maneiras de pensar que poderíamos chamar pietistas, coincidem em não considerar o cristão como homem íntegro e pleno. Para os primeiros, as exigências do Evangelho sufocariam as qualidades humanas; para os outros, a natureza decaída poria em perigo a pureza da fé. O resultado é o mesmo: desconhecem a profundidade da Encarnação de Cristo, ignoram que oVerbo se fez carne, homem, e habitou entre nós.

A minha experiência de homem, de cristão e de sacerdote ensina-me precisamente o contrário: não existe coração, por muito mergulhado que esteja no pecado, que não esconda, como rescaldo no meio das cinzas, um lume de nobreza. E quando bati à porta desses corações, a sós e com a palavra de Cristo, sempre corresponderam.

Neste mundo, muitos não privam com Deus. São criaturas que talvez não tenham tido ocasião de ouvir a palavra divina ou que talvez a tenham esquecido. Mas as suas disposições são humanamente sinceras, leais, compassivas, honradas. E eu me atrevo a afirmar que quem reúne essas condições está prestes a ser generoso com Deus, porque as virtudes humanas compõem o fundamento das sobrenaturais.

É verdade que não basta essa capacidade pessoal, pois ninguém se salva sem a graça de Cristo. Mas se o indivíduo conserva e cultiva um princípio de retidão, Deus há de aplainar-lhe o caminho; e poderá ser santo, porque soube viver como homem de bem.

E talvez tenhamos observado outros casos, de certo modo contrapostos: tantos e tantos que se dizem cristãos - por terem sido batizados e por receberem outros Sacramentos -, mas que se mostram desleais, mentirosos, insinceros, soberbos… E caem de repente. Parecem estrelas que brilham por um instante no céu e, de súbito, precipitam-se irremediavelmente.

Se aceitamos a nossa responsabilidade de filhos de Deus, devemos ter em conta que Ele nos quer muito humanos. Que a cabeça toque o céu, mas os pés assentem com toda a firmeza na terra. O preço de vivermos cristãmente não é nem deixarmos de ser homens nem abdicarmos do esforço por adquirir essas virtudes que alguns têm, mesmo sem conhecerem Cristo. O preço de cada cristão é o Sangue redentor de Nosso Senhor, que nos quer - insisto - muito humanos e muito divinos, diariamente empenhados em imitá-lo, pois Ele é perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus, perfeito homem.

A naturalidade e a simplicidade são duas maravilhosas virtudes humanas, que tornam o homem capaz de receber a mensagem de Cristo. Em contrapartida, tudo o que é emaranhado, complicado, as voltas e mais voltas em torno de nós mesmos, tudo isso constrói um muro que com freqüência impede de ouvir a voz do Senhor. Lembremo-nos das acusações que Cristo lança em rosto aos fariseus: meteram-se num mundo retorcido, que exige que se paguem os dízimos da hortelã, do endro e do cominho, e abandonaram as obrigações mais essenciais da lei, a justiça e a fé. Esmeram-se em coar tudo o que bebem, para não deixar passar um mosquito, mas tragam um camelo.

Não. Nem a nobre vida humana daquele que - sem culpa - não conhece Cristo, nem a vida do cristão hão de ser esquisitas e estranhas. Estas virtudes humanas que estamos considerando hoje levam todas à mesma conclusão: é verdadeiramente homem aquele que se empenha em ser veraz, leal, sincero, forte, temperado, generoso, sereno, justo, laborioso, paciente. Ter esse comportamento pode ser difícil, mas nunca causará estranheza. Se alguém se admirasse, seria por olhar as coisas com olhos turvos, enevoados por uma secreta covardia, que é falta de rijeza.

E depois, quem foi que disse que, para falar de Cristo, para difundir a sua doutrina, é preciso fazer coisas esquisitas, estranhas? Faze a tua vida normal; trabalha onde estás, procurando cumprir os deveres do teu estado, acabar bem as tarefas da tua profissão ou do teu ofício, superando-te, melhorando dia a dia. Sê leal, compreensivo com os outros e exigente contigo mesmo. Sê mortificado e alegre. Esse será o teu apostolado. E sem saberes por quê, dada a tua pobre miséria, os que te rodeiam virão ter contigo e, numa conversa natural, simples - à saída do trabalho, numa reunião familiar, no ônibus, ao dar um passeio, em qualquer parte -, falareis de inquietações que existem na alma de todos, embora às vezes alguns não as queiram reconhecer: irão entendendo-as melhor quando começarem a procurar Deus a sério.

Pede a Maria, Regina apostolorum, Rainha dos Apóstolos, que te decidas a participar nas ânsias desementeira e de pesca que palpitam no Coração do seu Filho. Eu te asseguro que, se começares, verás a barca repleta, como os pescadores da Galiléia. E Cristo na margem, à tua espera. Porque a pesca é dEle.

Referências da Sagrada Escritura
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