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Há 5 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Magistério da Igreja.

Tive ocasião, Monsenhor, de escutar suas respostas às perguntas que lhe fazia um público de mais de 2.000 pessoas, reunidas há um ano e meio em Pamplona. Insistia então o Senhor na necessidade de que os católicos se comportassem como cidadãos responsáveis e livres, e que "não vivessem de ser católicos". Que importância e que projeção dá a essa idéia?

Nunca deixou de me incomodar a atitude daqueles que fazem de chamar-se católicos uma profissão, como a dos que querem negar o princípio da responsabilidade pessoal, sobre a qual se baseia a moral cristã.

O espírito da Obra e o de seus sócios é servir a Igreja e a todas as criaturas, sem se servir da Igreja. Gosto de que o católico traga Cristo, não no nome, mas na conduta, dando testemunho real de vida cristã. Repugna-me o clericalismo e compreendo que — ao lado de um anticlericalismo mau — haja também um anticlericalismo bom, que procede do amor ao sacerdócio, que se opõe a que o simples fiel ou o sacerdote usem de uma missão sagrada para fins terrenos.

Mas não pense que com isso me declaro contra quem quer que seja. Não existe na nossa Obra nenhum propósito exclusivista, mas o desejo de colaborar com todos os que trabalham por Cristo e com todos os que, cristãos ou não, fazem de sua vida uma esplêndida realidade de serviço.

De resto, o importante não é apenas a projeção que dei a estas idéias, especialmente desde 1928, mas a que lhe dá o Magistério da Igreja. E não há muito tempo — com uma emoção, para este pobre sacerdote, que é difícil explicar —, o Concílio recordava a todos os cristãos, na Constituição Dogmática De ecclesia, que devem sentir-se plenamente cidadãos da cidade terrena, trabalhando em todas as atividades humanas com competência profissional e com amor a todos os homens, procurando a perfeição cristã, a que são chamados pelo simples fato de terem recebido o Batismo.

O Opus Dei ocupa um lugar de primeira plana no processo moderno de evolução do laicato; quereríamos, por isso, perguntar-lhe antes de mais, quais são, em seu entender, as características mais notáveis deste processo.

Sempre pensei que a característica fundamental do processo de evolução do laicato é a consciencialização da dignidade da vocação cristã. O chamado de Deus, o caráter batismal e a graça, fazem que cada cristão possa e deva encarnar plenamente a fé. Cada cristão deve ser alter Christus, ipse Christus — outro Cristo, o próprio Cristo —, presente entre os homens. Disse-o o Santo Padre em termos inequívocos: "É necessário voltar a dar toda a sua importância ao fato de o cristão haver recebido o santo batismo, isto é, ao fato de ter sido enxertado, mediante esse sacramento, no corpo místico de Cristo, que é a Igreja… O fato de ser cristão, de se haver recebido o batismo, não deve ser considerado como indiferente ou sem valor, antes deve marcar profunda e ditosamente a consciência de todo o batizado" (Ecclesiam suam, I).

Muitos casais vêem-se desorientados a respeito do número de filhos, pelos conselhos que recebem, inclusive de alguns sacerdotes. Em presença de tanta confusão, o que aconselharia o senhor aos casais?

Os que perturbam dessa maneira as consciências esquecem que a vida é sagrada e tornam-se merecedores das duras censuras do Senhor contra os cegos que guiam outros cegos, contra os que não querem entrar no Reino dos Céus e não deixam sequer entrar os outros. Não julgo as intenções deles e até estou certo de que muitos dão tais conselhos guiados pela compaixão e pelo desejo de solucionar situações difíceis; mas não posso ocultar o profundo desgosto que me causa esse trabalho destruidor — em muitos casos, diabólico — de quem não só não dá boa doutrina, mas também a corrompe.

Não esqueçam os esposos, ao ouvirem conselhos e recomendações nessa matéria, que o que importa é conhecer o que Deus quer. Quando há sinceridade — retidão — e um mínimo de formação cristã, a consciência sabe descobrir a vontade de Deus, nisto como em tudo o mais. Por que pode suceder que se esteja procurando um conselho que favoreça o próprio egoísmo, que silencie, precisamente, com a sua pretensa autoridade, o clamor da própria alma e, inclusive, que se vá mudando de conselheiro, até achar o mais benévolo. Além do mais, isto é uma atitude farisaica, indigna de um filho de Deus.

O conselho de outro cristão, e especialmente — em questões morais ou de fé — o conselho do sacerdote, é uma ajuda poderosa para reconhecer o que Deus nos pede numa circunstância determinada; mas o conselho não elimina a responsabilidade pessoal. Cada um de nós é que tem de decidir em última análise, e é pessoalmente que havemos de dar contas a Deus das nossas decisões.

Acima dos conselhos privados está a lei de Deus contida na Sagrada Escritura e que o Magistério da Igreja — assistido pelo Espírito Santo — guarda e propõe. Quando os conselhos particulares contradizem a Palavra de Deus tal como o Magistério a ensina, temos que afastar-nos decididamente desses conselhos errôneos. A quem proceder com essa retidão, Deus ajudará com a sua graça, inspirando-lhe o que deve fazer e, quando o necessitar, levando-o a encontrar um sacerdote que saiba conduzir a sua alma por caminhos retos e limpos, ainda que algumas vezes sejam difíceis.

O exercício da direção espiritual não deve orientar-se no sentido de fabricar criaturas carecidas de juízo próprio, que se limitam a executar materialmente o que outrem lhe disse; Pelo contrário, a direção espiritual deve tender a formar pessoas de critério. E o critério implica maturidade, firmeza de convicções, conhecimento suficiente da doutrina, delicadeza de espírito, educação da vontade.

É importante que os esposos adquiram o sentido claro da dignidade de sua vocação, sabendo que foram chamados por Deus para atingir também o amor divino através do amor humano: que foram escolhidos, desde a eternidade, para cooperar com o poder criador de Deus, pela procriação e depois pela educação dos filhos; que o Senhor lhes pede que façam, do seu lar e da vida familiar inteira, um testemunho de todas as virtudes cristãs.

O matrimônio — nunca me cansarei de o repetir, é um caminho divino, grande e maravilhoso, e, como tudo o que é divino em nós, tem manifestações concretas de correspondência à graça, de generosidade, de entrega, de serviço. O egoísmo, em qualquer das suas formas, opõe-se a esse amor de Deus que deve imperar em nossa vida. Este é um ponto fundamental que cumpre ter muito presente ao considerar o matrimônio e o número de filhos.

Há mulheres que, tendo já bastante filhos, não se atrevem a comunicar a chegada de mais um a seus parentes e amigos. Temem as críticas daqueles que sabendo existir a "pílula", pensam que a família numerosa é um atraso. Evidentemente, nas circunstâncias atuais, pode-se tornar difícil manter uma família com muitos filhos. Que nos pode dizer sobre isso?

Abençôo os pais que recebendo com alegria a missão que Deus lhes confia, têm muitos filhos. Convido os casais a não estancarem as fontes da vida, a terem senso sobrenatural e coragem para manter uma família numerosa, se Deus a envia.

Quando louvo a família numerosa, não me refiro àquela que é conseqüência de relações meramente fisiológicas, mas à que é fruto do exercício das virtudes cristãs, que tem um alto sentido da dignidade da pessoa e sabe que dar filhos a Deus não consiste só em gerá-los para a vida natural, exigindo também uma longa tarefa educadora: dar-lhes a vida é a primeira coisa, mas não é tudo.

Pode haver casos concretos em que a vontade de Deus — manifestada pelos meios ordinários — esteja precisamente em que uma família seja pequena. Mas são criminosas, anti-cristãs e infra-humanas, as teorias que fazem da limitação da natalidade um ideal ou um dever universal ou simplesmente geral.

Querer apoiar-se num pretenso espírito pós conciliar para ir contra a família numerosa seria adulterar e perverter a doutrina cristã. O Concílio Vaticano II proclamou que "entre os cônjuges, que assim cumprem a missão que lhes foi confiada por Deus, são dignos de menção muito especial os que, de comum acordo e refletidamente, se decidem com magnanimidade a aceitar e a educar dignamente uma prole numerosa" (Const. past. Gaudium et Spes, no 50). E Paulo VI, numa alocução pronunciada em 12 de Fevereiro de 1966, comentava: Que o Concílio Vaticano II, recentemente concluído, difunda entre os e esposos cristãos o espírito de generosidade para dilatarem o novo Povo de Deus… Recordem sempre que essa dilatação d o Reino de Deus e as possibilidades de penetração da Igreja na humanidade para levar a salvação — a eterna e a terrena — estão confiadas também à sua generosidade.

O número, por si só, não é decisivo: ter muitos ou poucos filhos não é suficiente para que uma família seja mais ou menos cristã. O que importa é a retidão com que se vive a vida matrimonial. O verdadeiro amor mútuo transcende a comunidade de marido e mulher e estende-se aos seus frutos naturais, os filhos. O egoísmo, pelo contrário, acaba rebaixando esse amor à simples satisfação do instinto, e destrói a relação que une pais e filhos. Dificilmente haverá quem se sinta bom filho — verdadeiro filho — de seus pais, se puder vir a pensar que veio ao mundo contra a vontade deles: que não nasceu de um amor limpo, mas de uma imprevisão ou de um erro de cálculo.

Dizia eu que, por si só, o número de filhos não é determinante. Contudo, vejo com clareza que os ataques às famílias numerosas provêm da falta de fé; são produto de um ambiente social incapaz de compreender a generosidade, um ambiente que tende a encobrir o egoísmo e certas práticas inconfessáveis com motivos aparentemente altruístas. Dá-se o paradoxo de que os países onde se faz mais propaganda do controle da natalidade — e a partir dos quais se impõe a sua prática a outros países — são precisamente aqueles que atingiram um nível de vida mais elevado. Talvez se pudessem tomar a sério seus argumentos de caráter econômico e social, se esses mesmos argumentos os movessem a renunciar a uma parte dos bens opulentos de que gozam, a favor dessas pessoas necessitadas. Enquanto não o fizerem, torna-se difícil não pensar que, na realidade, o que determina esses argumentos é o hedonismo e uma ambição de domínio político e de neocolonialismo demográfico.

Não ignoro os grandes problemas que afligem a humanidade, nem as dificuldades concretas com que pode deparar uma família determinada. Penso nisto com freqüência e enche-se de piedade meu coração de pai que, como cristão e como sacerdote, tenho obrigação de ter. Mas não é lícito procurar a solução por esses caminhos.

Não compreendo que haja católicos — e muito menos sacerdotes — que há anos, com tranqüilidade de consciência, aconselhem o uso da pílula para evitarem a concepção, porque não se podem desconhecer, com uma triste sem-cerimônia, os ensinamentos pontifícios. Nem devem alegar — como fazem com incrível leviandade — que o Papa, quando não fala ex cathedra, é um simples doutor privado sujeito a erro. É já arrogância desmedida julgarem que o Papa se engana e eles não. Mas esquecem, além disso, que o Romano Pontífice não é só doutor — infalível quando expressamente o declara — , mas também o Supremo Legislador. E, neste caso, o que o atual Pontífice Paulo VI dispôs de maneira inequívoca foi que, em assunto tão delicado, devem ser seguidas obrigatoriamente — porque continuam de pé — todas as disposições do Santo Pontífice Pio XII, de veneranda memória; e que Pio XII só permitiu alguns processos naturais — não a pílula — para evitar a concepção em casos isolados e difíceis. Aconselhar o contrário é, portanto, uma desobediência grave ao Santo Padre, em matéria grave.

Poderia escrever um grosso volume sobre as conseqüências desastrosas e de toda a ordem que arrasta consigo o uso desses ou de outros meios contra a concepção: destruição do amor conjugal — o marido e a mulher não se olham como esposos, mas como cúmplices — , infelicidade, infidelidades, desequilíbrios espirituais e mentais, prejuízos sem conta para os filhos, perda da paz matrimonial… Mas não o considero necessário. Prefiro limitar-me a obedecer o Papa. Se alguma vez o Sumo Pontífice dissesse que o uso de um determinado medicamento para evitar a concepção era lícito, eu me acomodaria a tudo o que o Santo Padre dissesse e, segundo as normas pontificiais e as da teologia moral, examinando em cada caso os perigos evidentes a que acabo de aludir, daria a cada um, em consciência, o meu conselho.

E havia de ter sempre em conta que quem há de salvar este mundo não são os que pretendem narcotizar a vida do espírito e reduzir tudo a questões econômicas ou de bem estar material: são os que sabem que a norma moral está em função do destino eterno do homem; os que têm fé em Deus e arrostam generosamente com as exigências dessa fé, difundindo entre aqueles que o rodeiam o sentido transcendente de nossa vida na terra.

É esta certeza que deve levar, não a fomentar a evasão, mas a procurar com a eficácia que todos tenham os meios materiais convenientes, que haja trabalho para todos, que ninguém se encontre injustamente limitado em sua vida familiar e social.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura