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Há 4 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Amor de Deus → correspondência ao amor de Deus.

Desde há muitos anos que vem dizendo e escrevendo que a vocação dos leigos consiste em três coisas: "santificar o trabalho, santificar-se no trabalho e santificar os outros com o trabalho". Poderia precisar-nos o que entende por "santificar o trabalho"?

É difícil explicá-lo em poucas palavras, porque nessa expressão se acham implicados conceitos fundamentais da própria teologia da Criação. O que sempre ensinei — desde há quarenta anos — é que todo o trabalho humano honesto, intelectual ou manual, deve ser realizado pelo cristão com a maior perfeição possível: com perfeição humana (competência profissional) e com perfeição cristã (por amor à vontade de Deus e a serviço dos homens). Porque, feito assim, esse trabalho humano, por mais humilde e insignificante que pareça, contribui para a ordenação cristã das realidades temporais — a manifestação de sua dimensão divina — e é assumido e integrado na obra prodigiosa da Criação e da Redenção do mundo: eleva-se assim o trabalho à ordem da graça , santificando-se, converte-se em obra de Deus, operatio Dei, opus Dei.

Ao recordar aos cristãos as palavras maravilhosas do Gênesis — que Deus criou o homem para que trabalhasse —, fixamo-nos no exemplo de Cristo, que passou a quase totalidade da sua vida terrena trabalhando numa aldeia como artesão. Amamos esse trabalho humano que Ele abraçou como condição de vida, cultivou e santificou. Vemos no trabalho — na nobre fadiga criadora dos homens — não só um dos mais altos valores humanos, meio imprescindível para o progresso da sociedade e para o ordenamento cada vez mais justo das relações entre os homens, mas também um sinal do amor de Deus para com as suas criaturas e do amor dos homens entre si e para com Deus: um meio de perfeição, um caminho de santificação.

Por isso, o único objetivo do Opus Dei sempre foi este: contribuir para que no meio do mundo, das realidades e afãs seculares, homens e mulheres de todas as raças e de todas as condições sociais procurassem amar e servir a Deus e a todos os demais, em seu trabalho ordinário e através dele.

Um grande problema feminino é o das mulheres solteiras. Referimo-nos àquelas que, embora com vocação matrimonial, não chegam a casar-se. Como não o conseguem, perguntam-se: para que estamos nós no mundo? Que lhes responderia?

Para que estamos no mundo? Para amar a Deus com todo o nosso coração e com toda a nossa alma, e para estender esse amor a todas as criaturas. Ou será que isto parece pouco? Deus não deixa nenhuma alma abandonada a um destino cego; para todas tem um desígnio, a todas chama com uma vocação pessoalíssima, intransferível.

O matrimônio é caminho divino, é vocação. mas não é o único caminho, nem a única vocação. Os planos de Deus para cada mulher não estão necessariamente ligados ao matrimônio. Têm vocação e não chegar a casar-se? Em algum caso, talvez seja assim; ou, quem sabe, talvez tenha sido o egoísmo ou o amor próprio que impediu que esse chamado de Deus se cumprisse. Mas, outras vezes a maioria mesmo, isso pode ser um sinal de que o Senhor não lhes deu vocação matrimonial. Sim, gostam de crianças, sentem que seriam boas mães, que entregariam seu coração fielmente ao marido e aos filhos. Mas isso é normal em todas as mulheres, também naquelas que, por vocação divina, não se casam — podendo fazê-lo — para se ocuparem no serviço de Deus e das almas.

Não se casaram? Pois bem: que continuem, como até agora, amando a vontade de Deus, vivendo na intimidade desse Coração amabilíssimo de Jesus, que não abandona ninguém, que é sempre fiel, que vai olhando por nós ao longo desta vida, para se dar a nós desde agora e para sempre.

Além disso, a mulher pode cumprir a sua missão — como mulher, com todas as suas características femininas , incluindo as características afetivas da maternidade — em círculos diferentes da própria família; em outras famílias, na escola, em obras assistenciais, em mil lugares. A sociedade é, às vezes, muito dura — com grande injustiça — para com aquelas a quem chamam de solteirona. Mas há mulheres solteiras que difundem à sua volta alegria, paz, eficácia, que sabem entregar-se nobremente ao serviço dos outros e ser mães, em profundidade espiritual, com mais realidade do que muitas que são mães apenas fisiologicamente.

Esta doutrina da Sagrada Escritura, que se encontra — como sabem — no próprio cerne do espírito do Opus Dei, deve levar-nos a realizar o trabalho com perfeição, a amar a Deus e aos homens pondo amor nas pequenas coisas da jornada habitual, descobrindo esse algo divino que se encerra nos detalhes. Que bem ficam aqui aqueles versos do poeta de Castela!: Despacito, y buena letra: el hacer las cosas bien importa más que el hacerlas1.

Eu lhes asseguro, meus filhos, que quando um cristão desempenha com amor a mais intranscendente das ações diárias, está desempenhando algo donde transborda a transcendência de Deus. Por isso tenho repetido, com insistente martelar, que a vocação cristã consiste em transformar em poesia heróica a prosa de cada dia. Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não: onde de verdade se juntam é no coração, quando se vive santamente a vida diária…

Viver santamente a vida diária, como acabo de dizer. E com estas palavras me refiro a todo o programa dos afazeres cristãos. Portanto, deixem-se de sonhos, de falsos idealismos, de fantasias, disso que costumo chamar de mística do oxalá: oxalá não me tivesse casado, oxalá não tivesse esta profissão, oxalá tivesse mais saúde, oxalá fosse jovem, oxalá fosse velho…; e atenham-se, pelo contrário, sobriamente, à realidade mais material e imediata, que é onde o Senhor está: olhai minhas mãos e meus pés — disse Jesus ressuscitado — , sou eu mesmo.Apalpaie vede que um espírito não tem carne e ossos, como vedes que eu tenho.

São muitos os aspectos do ambiente secular que se iluminam a partir destas verdades. Pensem, por exemplo, na atuação que têm como cidadãos na vida civil. Um homem ciente de que o mundo — e não só o templo — é o lugar do seu encontro com Cristo, ama este mundo, procura adquirir um bom preparo intelectual e profissional, vai formando — com plena liberdade — seus próprios critérios sobre os problemas do meio em que se desenvolve; e, por conseqüência, toma suas próprias decisões, as quais, por serem decisões de um cristão, procedem além disso de uma reflexão pessoal, que tenta humildemente captar a vontade de Deus nesses detalhes pequenos e grandes da vida.

Tenho que terminar, meus filhos. Disse no começo que minhas palavras pretendiam anunciar alguma coisa da grandeza e da misericórdia de Deus. Penso tê-lo feito, falando de viver santamente a vida ordinária: porque uma vida santa em meio da realidade secular — sem ruído, com simplicidade, com veracidade — , não será, porventura a manifestação mais comovente das magnalia Dei, dessas portentosas misericórdias que Deus sempre exerceu, e não deixa de exercer, para salvar o mundo?

Agora peço que se unam com o salmista à minha oração e ao meu louvor: magnificate Dominum mecum, et extollamus nomen eius simul; engrandecei o Senhor comigo, e enalteçamos seu nome todos juntos. Quer dizer, meus filhos: vivamos de fé.

Tomemos o escudo da fé, o elmo da salvação e a espada do espírito, que é a Palavra de Deus. Assim nos anima o Apóstolo São Paulo na Epístola aos de Éfeso, que faz um instante se proclamava liturgicamente.

Fé, virtude que nós, os cristãos, tanto necessitamos, de modo especial neste ano da Fé promulgado por nosso amadíssimo Santo Padre o Papa Paulo VI: porque, sem a fé, falta o próprio fundamento para a santificação da vida ordinária.

Fé viva neste momento, porque nos abeiramos do mysterium fidei, da Sagrada Eucaristia; porque vamos tomar parte nesta Páscoa do Senhor, que resume e realiza as misericórdias de Deus para com os homens.

Fé, meus filhos, para confessar que, dentro de uns instantes, sobre esta ara, vai-se renovar a obra de nossa Redenção. Fé para saborear o Credo e experimentar, em torno deste altar e desta Assembléia, a presença de Cristo, que nos faz cor unum et anima una, um só coração e uma só alma; e nos converte em família, em igreja, una, santa, católica, apostólica e romana, que para nós é o mesmo que universal.

Fé, finalmente, filhas e filhos queridíssimos, para demonstrar ao mundo que tudo isso não são cerimônias e palavras, mas uma realidade divina, apresentando aos homens o testemunho de uma vida ordinária santificada, em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e de Santa Maria.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
1

Devagarinho,, e boa letra; que fazer as coisas bem, importa mais que fazê-las. A. Machado, Poesias Completas, CLXI. — Proverbios y cantares, XXIV. Espasa Calpe, Madrid, 1940. (N. do T.)

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