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Há 3 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Humildade → sacrifício e serviço aos demais.

A infecundidade matrimonial — pelo que pode implicar de frustração — é fonte, por vezes, de desavenças e incompreensões. Qual é, em sua opinião, o sentido que devem dar ao matrimônio os esposos cristãos que não têm descendência?

Em primeiro lugar, eu lhes direi que não devem dar-se por vencidos com demasiada facilidade. É preciso pedir a Deus que lhes conceda descendência, que os abençoe — se for essa a sua vontade — como abençoou os patriarcas do Antigo Testamento. Depois, é conveniente que recorram a um bom médico, elas e eles. Se apesar de tudo, o Senhor não lhes der filhos, não devem ver nisso nenhuma frustração; devem ficar satisfeitos — descobrindo nesse fato precisamente a Vontade de Deus em relação a eles. Muitas vezes o Senhor não dá filhos porque pede mais. Pede que se tenha o mesmo esforço e a mesma entrega delicada ajudando o próximo, sem o júbilo bem humano de ter filhos. Não há, pois, motivo para se sentirem fracassados nem para darem lugar à tristeza.

Se os esposos têm vida interior, compreenderão que Deus os insta, impelindo-os a fazer de sua vida um generoso serviço cristão, um apostolado diferente do que realizariam com seus filhos, mas igualmente maravilhoso.

Se olham à sua volta, descobrirão imediatamente pessoas que necessitam de ajuda, de caridade e de carinho. Há, além disso, ocupações apostólicas em que podem trabalhar. E, se souberem pôr o coração nessa tarefa, se souberem dar-se generosamente aos outros, esquecendo-se de si próprios, terão uma fecundidade esplêndida, uma paternidade espiritual que encherá a sua alma de verdadeira paz.

As soluções concretas podem ser diferentes em cada caso; mas, no fundo, todos se reduzem a ocupar-se dos outros com afãs de servir, com amor. Deus recompensa sempre aqueles que têm a generosa humildade de não pensarem em si mesmos, dando às suas almas uma profunda alegria.

Há casais em que a mulher — por qualquer razão — se encontra separada do marido, em situações degradantes e insustentáveis. Nesses casos, torna-se difícil para ela aceitar a indissolubilidade do vínculo matrimonial. Estas mulheres separadas do marido lamentam que lhes seja negada a possibilidade de construir um novo lar. Que resposta daria a estas situações?

Compreendendo seu sofrimento, diria eu a essas mulheres que também podem ver nessa situação a Vontade de Deus, que nunca é cruel, porque Deus é pai amoroso. É possível que por algum tempo a situação seja especialmente difícil; mas, se recorrerem ao Senhor e à sua Mãe bendita, não lhes faltará a ajuda da graça.

A indissolubilidade do matrimônio não é um capricho da Igreja e nem sequer uma mera lei positiva eclesiástica; é de lei natural, de direito divino, e corresponde perfeitamente à nossa natureza e à ordem sobrenatural da graça. Por isso, na imensa maioria dos casos, é condição indispensável de felicidade para os cônjuges, e de segurança, mesmo espiritual, para os filhos. E — inclusive nesses casos dolorosos de que falamos — a aceitação rendida da vontade de Deus traz sempre consigo uma profunda satisfação, que nada pode substituir. Não é um recurso, não é uma simples consolação ; é a essência da vida cristã.

Se essas mulheres já têm filhos a seu cargo, devem ver nisso uma exigência contínua de entrega amorosa, maternal, aí especialmente necessária para suprir nessas almas as deficiências de um lar dividido. E devem entender generosamente que essa indissolubilidade, que para elas implica sacrifício, é para a maior parte das famílias uma defesa da sua integridade, algo que enobrece o amor dos esposos e impede o desamparo dos filhos.

Este assombro em face da aparente dureza do preceito cristão da indissolubilidade não é novo. Os Apóstolos estranharam quando Jesus o confirmou. Pode parecer uma carga, um jugo; mas o próprio Cristo disse que o seu jugo é suave e a sua carga leve.

Por outro lado, reconhecendo muito embora a inevitável dureza de bastantes situações — , situações que, em não poucos casos, poderiam e deveriam ter sido evitadas — é necessário não dramatizar demasiado. A vida de uma mulher nessas condições será realmente mais dura do que a de outra mulher maltratada, ou do que a vida de quem padece algum dos outros grandes sofrimentos físicos ou morais que a existência traz consigo?

O que verdadeiramente torna uma pessoa infeliz — e até uma sociedade inteira — é essa busca ansiosa de bem-estar. A vida apresenta mil facetas, situações diversíssimas, umas árduas, outras fáceis, talvez apenas na aparência. Cada uma delas tem a sua própria graça, é um chamado original de Deus, uma ocasião inédita para trabalhar, para dar o testemunho divino da caridade. A quem sentir a angústia de uma situação difícil, eu aconselharia que procurasse também esquecer-se um pouco de seus próprios problemas, para se preocupar com os problemas dos outros. Fazendo isso, terá mais paz e, sobretudo, se santificará.

Pondo de lado as dificuldades que possam surgir entre pais e filhos, também são correntes entre marido e mulher desentendimentos, que às vezes chegam a comprometer seriamente a paz familiar. Que conselho daria aos casais?

Que se amem. Saibam que ao longo da vida haverá desentendimentos e dificuldades que, resolvidos com naturalidade, contribuirão até para tornar o amor mais profundo.

Cada um de nós tem seu feitio, seus gostos pessoais, seu gênio — seu mau gênio, por vezes — e seus defeitos. Cada um tem também coisas agradáveis em sua personalidade, e, por isso, e por muitas mais razões, pode ser amado. O convívio é possível quando todos se empenham em corrigir as deficiências próprias e procurar passar por alto as faltas dos outros; isto é, quando há amor que anule e supere tudo o que falsamente poderia ser motivo de separação ou de divergência. Pelo contrário, se dramatizamos os pequenos contrastes e mutuamente começamos a lançar em rosto uns aos outros os defeitos e os erros, então acaba a paz e corremos o risco de matar o amor.

Os casais têm graça de estado — a graça do sacramento — para viverem todas as virtudes humanas e cristãs da convivência: a compreensão, o bom humor, a paciência; o perdão, a delicadeza no comportamento recíproco. O que importa é não se descontrolarem, não se deixarem dominar pelo nervosismo, pelo orgulho ou pelas manias pessoais. Para tanto, o marido e a mulher devem crescer em vida interior e aprender da Sagrada Família a viver com delicadeza — por um motivo humano e sobrenatural ao mesmo tempo — as virtudes do lar cristão. Repito: a graça de Deus não lhes falta.

Se alguém diz que não pode agüentar isto ou aquilo, que lhe é impossível calar-se, está exagerando para se justificar. É preciso pedir a Deus força para saber dominar o capricho, graça para ter o domínio de si próprio, porque os perigos de uma zanga são estes: perde-se o controle e as palavras se enchem de amargura, chegando a ofender e, embora sem querê-lo, a ferir e a causar mal.

É necessário aprender a calar, a esperar e a dizer as coisas de modo positivo, otimista. Quando ele se zanga, é o momento de ela ser especialmente paciente, até chegar de novo a serenidade; e vice-versa. Se há afeto sincero e preocupação por aumentá-lo, é muito difícil que os dois se deixem dominar pelo mau-humor no mesmo instante…

Outra coisa muito importante: devemos acostumar-nos a pensar que nunca temos toda a razão. Pode-se dizer, inclusive que , em assuntos desses, ordinariamente tão opináveis, quanto mais de certeza temos de possuir toda a razão, tanto mais certo é que não a temos. Discorrendo deste modo, torna-se depois mais fácil retificar e, se for preciso, pedir perdão, que é a melhor maneira de acabar com uma zanga. Assim se chega à paz e à ternura. Não animo ninguém a brigar, mas é natural que briguemos algumas vezes com aqueles de quem mais gostamos, porque são os que habitualmente vivem conosco. Afinal não se briga com o Preste João das Índias4. Portanto, essas pequenas zangas entre os esposos, se não são freqüentes — e é preciso procurar que não o sejam — , não demonstram falta de amor e podem mesmo ajudar a aumentá-lo.

Um último conselho: não briguem nunca diante dos filhos. Para conseguir isso, basta porem-se de acordo com um olhar, com um gesto. Depois discutirão, com mais serenidade, se não forem capazes de evitá-lo. A paz conjugal deve ser o ambiente da família, porque é condição necessária para uma educação profunda e eficaz. Que os filhos vejam em seus pais um exemplo de entrega, de amor sincero, de ajuda mútua, de compreensão, e que as ninharias da vida diária não lhes ocultem a realidade de um afeto que é capaz de superar seja o que for.

Às vezes nos tomamos muito a sério. Todos nos aborrecemos de quando em quando: umas vezes porque é necessário, outras porque nos falta espírito de mortificação. O que importa é demonstrar que esses aborrecimentos não quebram o afeto, e restabelecer a intimidade familiar com um sorriso. Numa palavra: que marido e mulher vivam amando-se um ao outro e amando os filhos, pois assim amam a Deus.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
4

O preste João das Índias é o nome atribuído desde a Idade Média a um rei ou sacerdote lendário, que os diplomatas e aventureiros europeus andaram procurando desde o século XI. ,O seu nome ficou como símbolo de personagem irreal, conservando-se na língua espanhola como sinônimo de “ninguém”. No texto, por conseguinte, o autor quer dizer: “afinal, é preciso alguém para brigar”... (N. do T.)