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Há 4 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Desagravo.

Não me afasto da mais rigorosa verdade se digo que Jesus continua ainda hoje a buscar pousada no nosso coração. Temos que lhe pedir perdão pela nossa cegueira pessoal, pela nossa ingratidão. Temos que lhe pedir a graça de nunca mais lhe fecharmos a porta de nossas almas.

O Senhor não nos oculta que a obediência rendida à Vontade de Deus exige renúncia e entrega, porque o amor não reclama direitos; quer servir. Ele percorreu primeiro o caminho. Jesus: como foi que obedeceste? Usque ad mortem, mortem autem crucis, até à morte, e morte de Cruz. Temos que sair de nós mesmos, complicar a vida, perdê-la por amor de Deus e das almas… Tu querias viver, e que nada te acontecesse; mas Deus quis outra coisa… Existem duas vontades: a tua vontade deve ser corrigida para se identificar com a Vontade de Deus, e não a de Deus torcida para se acomodar à tua.

Tenho visto, com alegria, muitas almas jogarem a vida - como Tu, Senhor, usque ad mortem! - para cumprir o que a vontade de Deus lhes pedia, dedicando seus esforços e seu trabalho profissional ao serviço da Igreja, pelo bem de todos os homens.

Aprendamos a obedecer, aprendamos a servir. Não há maior fidalguia do que entregar-se voluntariamente a servir os outros. Quando sentimos o orgulho que referve dentro de nós, a soberba que nos leva a pensar que somos super-homens, é o momento de dizer não, de dizer que o nosso único triunfo há de ser o da humildade. Assim nos identificaremos com Cristo na Cruz, sem nos sentirmos aborrecidos ou inquietos, nem com mau humor, mas alegres, porque essa alegria, o esquecimento de nós mesmos, é a melhor prova de amor.

Como se explica esta oração confiante, esta certeza de que não pereceremos no combate? É um convencimento que parte de uma realidade que nunca me cansarei de admirar: a nossa filiação divina. O Senhor, que nesta Quaresma pede que nos convertamos, não é um Dominador tirânico, nem um Juiz rígido e implacável: é nosso Pai. Fala-nos dos nossos pecados, dos nossos erros, da nossa falta de generosidade; mas é para nos livrar de tudo isso, para nos prometer a sua Amizade e o seu Amor. A consciência da nossa filiação divina dá alegria à nossa conversão: diz-nos que estamos voltando para a casa do Pai.

A filiação divina é o fundamento do espírito do Opus Dei. Todos os homens são filhos de Deus. Mas um filho pode reagir de muitas maneiras diante de seu pai. Temos de nos esforçar por ser dos que procuram perceber que, ao querer-nos como filhos, o Senhor fez com que vivêssemos em sua casa no meio deste mundo, que fôssemos da sua família, que as suas coisas fossem nossas e as nossas suas, que tivéssemos essa familiaridade e confiança com Ele que nos faz pedir, como uma criança, a própria lua!

Um filho de Deus trata o Senhor como Pai. Não como quem presta um obséquio servil, nem com uma reverência protocolar, de mera cortesia, mas com plena sinceridade e confiança. Deus não se escandaliza dos homens. Deus não se cansa com as nossas infidelidades. Nosso Pai do Céu perdoa qualquer ofensa quando o filho volta de novo para Ele, quando se arrepende e pede perdão. Nosso Senhor é de tal modo Pai, que prevê os nossos desejos de sermos perdoados e a eles se antecipa, abrindo-nos os braços com a sua graça.

Não estou inventando nada. Recordemos a parábola que o Filho de Deus nos contou para que entendêssemos o amor do Pai que está nos céus: a parábola do filho pródigo.

Quando ainda estava longe, diz a Escritura, viu-o seu pai e enterneceram-se-lhe as entranhas; e, correndo ao seu encontro, lançou-lhe os braços ao pescoço e cobriu-o de beijos. Estas são as palavras do livro sagrado: cobriu-o de beijos, comia-o a beijos. Pode-se falar com mais calor humano? Pode-se descrever de maneira mais gráfica o amor paternal de Deus pelos homens?

Perante um Deus que corre ao nosso encontro, não nos podemos calar, e temos que dizer-lhe com São Paulo: Abba, Pater! , Pai, meu Pai!, porque, sendo Ele o Criador do universo, não se importa de que não o tratemos com títulos altissonantes, nem reclama a devida confissão do seu poder. Quer que lhe chamemos Pai, que saboreemos essa palavra, deixando a alma inundar-se de alegria.

De certo modo, a vida humana é um constante retorno à casa do nosso Pai. Retorno mediante a contrição, mediante a conversão do coração, que se traduz no desejo de mudar, na decisão firme de melhorar de vida, e que, portanto, se manifesta em obras de sacrifício e de doação. Retorno à casa do Pai por meio desse sacramento do perdão em que, ao confessarmos os nossos pecados, nos revestimos de Cristo e nos tornamos assim seus irmãos, membros da família de Deus.

Deus espera-nos como o pai da parábola, de braços estendidos, ainda que não o mereçamos. O que menos importa é a nossa dívida. Como no caso do filho pródigo, basta simplesmente abrirmos o coração, termos saudades do lar paterno, maravilhar-nos e alegrar-nos perante o dom divino de nos podermos chamar e ser verdadeiramente filhos de Deus, apesar de tanta falta de correspondência da nossa parte.

Mas não quero deixar de propor ainda uma outra consideração: temos que lutar sem esmorecimento por fazer o bem, precisamente por sabermos como é difícil que nós, os homens, nos decidamos seriamente a praticar a justiça - e ainda falta muito para que a convivência terrena se inspire no amor, e não no ódio ou na indiferença. Não ignoramos também que, embora se consiga atingir uma razoável distribuição dos bens e uma harmoniosa organização da sociedade, jamais desaparecerá a dor da doença, da incompreensão ou da solidão, da morte das pessoas que amamos, da experiência das nossas limitações.

Diante desses pesares, o cristão só tem uma resposta autêntica, uma resposta que é definitiva: Cristo na Cruz, Deus que sofre e que morre, Deus que nos entrega o seu coração, aberto por uma lança, por amor a todos. Nosso Senhor abomina as injustiças e condena quem as comete. Mas respeita a liberdade de cada indivíduo e por isso permite que elas existam. Deus Nosso Senhor não causa a dor das criaturas, mas tolera-a porque - depois do pecado original - ela faz parte da condição humana. Contudo, seu Coração cheio de Amor pelos homens levou-o a carregar, juntamente com a Cruz, todos esses tormentos: o nosso sofrimento, a nossa tristeza, a nossa angústia, a nossa fome e sede de justiça.

A doutrina cristã sobre a dor não é um programa de consolos fáceis. É, em primeiro lugar, uma doutrina de aceitação do sofrimento, que é de fato inseparável de toda a vida humana. Não posso ocultar - com alegria, porque sempre preguei e procurei viver que onde está a Cruz está Cristo, o Amor - que a dor tem aparecido freqüentemente em minha vida; e mais de uma vez tive vontade de chorar. Em outras ocasiões, senti que crescia o meu desgosto perante a injustiça e o mal. E provei o dissabor de ver que não podia fazer nada, que, apesar dos meus desejos e dos meus esforços, não conseguia melhorar certas situações iníquas.

Quando falo de dor, não falo apenas de teorias. Nem me limito a registrar experiências alheias quando confirmo que, se alguma vez sentimos vacilar a alma perante a realidade do sofrimento, o remédio é olhar para Cristo. A cena do Calvário proclama a todos que as aflições devem ser santificadas, se vivemos unidos à Cruz.

Porque as nossas tribulações, cristãmente vividas, se convertem em reparação, em desagravo, em participação no destino e na vida de Jesus, que voluntariamente experimentou, por Amor aos homens, toda a gama da dor, todo o gênero de tormentos. Nasceu, viveu e morreu pobre; foi atacado, insultado, difamado, caluniado e condenado injustamente; conheceu a traição e o abandono dos discípulos; experimentou a solidão e as amarguras do suplício e da morte. Ainda hoje Cristo continua a sofrer nos seus membros, na humanidade inteira que povoa a terra, e da qual Ele é a Cabeça, o Primogênito e o Redentor.

A dor tem um lugar nos planos de Deus. Esta é a realidade, ainda que nos custe entendê-la. O próprio Jesus Cristo, como homem, teve dificuldade em suportá-la: Pai, se é possível, afasta de mim este cálice; não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua. Nesta tensão entre o suplício e a aceitação da vontade do Pai, Jesus vai para a morte serenamente, perdoando aos que o crucificam.

Mas precisamente essa aceitação sobrenatural da dor representa, ao mesmo tempo, a maior conquista. Morrendo na Cruz, Jesus venceu a morte: da morte, Deus tira a vida. A atitude de um filho de Deus não é a de quem se resigna à sua trágica desventura; é antes a satisfação de quem saboreia antecipadamente a vitória. Em nome desse amor vitorioso de Cristo, os cristãos devem lançar-se por todos os caminhos da terra, para serem semeadores de paz e de alegria, com a sua palavra e com as suas obras. Temos de lutar - é uma luta de paz - contra o mal, contra a injustiça, contra o pecado, para proclamar assim que a atual condição humana não é a definitiva, que o amor de Deus, manifestado no Coração de Cristo, alcançará o glorioso triunfo espiritual dos homens.

Termina o ano litúrgico, e no Santo Sacrifício do Altar renovamos ao Pai o oferecimento da Vítima, Cristo, Rei de santidade e de graça, Rei de justiça, de amor e de paz, como dentro de pouco leremos no Prefácio. Todos sentimos na alma uma imensa alegria ao considerarmos a santa Humanidade de Nosso Senhor: um rei com coração de carne, como o nosso; que é o autor do universo e de cada uma das criaturas, e que não se impõe com atitudes de domínio, mas mendiga um pouco de amor, mostrando-nos em silêncio as suas mãos chagadas.

Como é possível, então, que tantos o ignorem? Por que se ouve ainda esse protesto cruel: Nolumus hunc regnare super nos , não queremos que Ele reine sobre nós? Há na terra milhões de homens que se defrontam assim com Jesus Cristo, ou melhor, com a sombra de Jesus Cristo, porque, na realidade, o verdadeiro Cristo, não o conhecem, nem viram a beleza do seu rosto, nem perceberam a maravilha da sua doutrina.

Diante desse triste espetáculo, sinto-me inclinado a desagravar o Senhor. Ao escutar esse clamor que não cessa, e que se compõe não tanto de palavras como de obras pouco nobres, experimento a necessidade de gritar bem alto: Oportet illum regnare! , convém que Ele reine.

Muitos não suportam que Cristo reine. Opõem-se a Ele de mil formas: nas estruturas gerais do mundo e da convivência humana; nos costumes, na ciência, na arte. Até mesmo na própria vida da Igreja! Eu não falo - escreve Santo Agostinho - dos malvados que blasfemam contra Cristo. São raros, com efeito, os que blasfemam com a língua, mas são muitos os que blasfemam com a conduta.

Alguns incomodam-se até mesmo com a expressão Cristo-Rei: por uma superficial questão de palavras, como se o reinado de Cristo pudesse confundir-se com fórmulas políticas; ou porque a confissão da realeza do Senhor os levaria a admitir uma lei. E não toleram a lei, nem mesmo a do entranhável preceito da caridade, porque não querem aproximar-se do amor de Deus: são os que ambicionam servir apenas o seu próprio egoísmo.

O Senhor impeliu-me a repetir, desde há muito tempo, um grito silencioso: Serviam!, servirei. Que Ele nos aumente as ânsias de entrega, de fidelidade à sua chamada divina - com naturalidade, sem ostentação, sem ruído -, no meio da rua. Agradeçamos-Lhe do fundo do coração. Elevemos uma oração de súditos, de filhos!, e a nossa língua e o nosso paladar experimentarão o gosto do leite e do mel, e nos saberá a favo cuidar do reino de Deus, que é um reino de liberdade, da liberdade que Ele nos conquistou.

Referências da Sagrada Escritura
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