Lista de pontos

Há 3 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Sabedoria.

Ao narrar estas cenas no seu Evangelho, São Mateus salienta constantemente a fidelidade de José, que cumpre sem hesitações os mandatos de Deus, mesmo que algumas vezes o sentido desses mandatos lhe possa parecer obscuro ou sem conexão com o resto dos planos divinos.

Freqüentes vezes, os Padres da Igreja e os autores espirituais ressaltam esta firmeza da fé de São José. Referindo-se às palavras do Anjo, que o manda fugir de Herodes e refugiar-se no Egito , o Crisóstomo comenta: Ao ouvir isto, José não se escandalizou nem disse: isto parece um enigma. Ainda há pouco me davas a conhecer que Ele salvaria o seu povo, e agora não só não é capaz de se salvar a si mesmo, como somos nós que temos de fugir, de empreender uma viagem e sofrer uma longa mudança: isso é contrário à tua promessa. José não raciocina desse modo, porque é um varão fiel. Também não pergunta pela data de regresso, apesar de o Anjo a ter deixado indeterminada, posto que lhe tinha dito: permanece lá - no Egito - até que eu te avise. Nem por isso levanta dificuldades, mas obedece, e crê, e suporta todas as provas alegremente.

A fé de José não vacila, sua obediência é sempre estrita e rápida. Para compreendermos melhor esta lição que aqui nos dá o Santo Patriarca, cumpre considerarmos que a sua fé é ativa e que a sua docilidade não se assemelha à obediência de quem se deixa arrastar pelos acontecimentos. Porque a fé cristã é o que há de mais oposto ao conformismo ou à passividade e à apatia interiores.

José abandonou-se sem reservas nas mãos de Deus, mas nunca se recusou a refletir sobre os acontecimentos, e assim pôde alcançar do Senhor esse grau de compreensão das obras de Deus que é a verdadeira sabedoria. Desse modo, aprendeu pouco a pouco que os planos sobrenaturais têm uma coerência divina, embora às vezes estejam em contradição com os planos humanos.

Nas diversas circunstâncias de sua vida, o Patriarca não renuncia a pensar nem desiste da sua responsabilidade. Pelo contrário, coloca toda a sua experiência humana a serviço da fé. Quando volta do Egito, ouvindo que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá. Aprendeu a mover-se dentro do plano divino e, como confirmação de que seus pensamentos vão ao encontro do que Deus realmente quer, recebe a indicação de se retirar para a Galiléia.

Assim foi a fé de José: plena, confiante, íntegra, manifestada numa entrega eficaz à vontade de Deus, numa obediência inteligente. E, junto com a fé, a caridade, o amor. Sua fé funde-se com o Amor: com o Amor a um Deus que estava cumprindo as promessas feitas a Abraão, a Jacó, a Moisés; com o carinho de esposo para com Maria, e com o carinho de pai para com Jesus. Fé e amor na esperança da grande missão que Deus, servindo-se dele também - um carpinteiro da Galiléia -, estava iniciando no mundo: a redenção dos homens.

Entre os dons do Espírito Santo, diria que há um de que todos nós, cristãos, necessitamos especialmente: o dom da sabedoria, que nos faz conhecer e saborear Deus, e nos coloca assim em condições de poder avaliar com verdade as situações e as coisas desta vida. Se fôssemos conseqüentes com a nossa fé, ao olharmos à nossa volta e contemplarmos o espetáculo da história e do mundo, não poderíamos deixar de sentir crescer em nossos corações os mesmos sentimentos que animaram o de Jesus Cristo: Ao ver aquelas multidões, compadeceu-se delas, porque estavam desamparadas e abatidas, como ovelhas sem pastor.

Não é que o cristão não enxergue tudo o que há de bom na humanidade, que não aprecie as alegrias puras, que não participe dos anseios e ideais terrenos. Pelo contrário, sente tudo isso no mais recôndito da sua alma e de tudo partilha e tudo vive com especial profundidade, já que conhece melhor que qualquer homem os arcanos do espírito humano.

A fé cristã não amesquinha o animo nem cerceia os impulsos nobres da alma, posto que os engrandece ao revelar o seu verdadeiro e mais autêntico sentido: não estamos destinados a uma felicidade qualquer, pois fomos chamados a penetrar na intimidade divina, a conhecer e a amar Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo e, na Trindade e na Unidade de Deus, todos os anjos e todos os homens.

Esta é a grande ousadia da fé cristã: proclamar o valor e a dignidade da natureza humana e afirmar que, mediante a graça, que nos eleva à ordem sobrenatural, fomos criados para alcançar a dignidade de filhos de Deus. Ousadia certamente incrível, se não se baseasse no decreto salvador de Deus Pai e não tivesse sido confirmada pelo sangue de Cristo e reafirmada e tornada possível pela ação constante do Espírito Santo.

Temos que viver de fé, crescer na fé, até que se possa dizer de cada um de nós, de cada cristão, o que escrevia há muitos séculos um dos grandes Doutores da Igreja Oriental: Assim como os corpos transparentes e nítidos, ao receberem os raios da luz, se tornam resplandecentes e irradiam brilho, assim também as almas que são conduzidas e ilustradas pelo Espírito Santo se tornam espirituais e levam aos outros a luz da graça. Do Espírito Santo provém o conhecimento das coisas futuras, a inteligência dos mistérios, a compreensão das verdades ocultas, a distribuição dos dons, a cidadania celeste, a conversação com os anjos. DEle a alegria que nunca termina, a perseverança em Deus, a semelhança com Deus, e o que de mais sublime se pode conceber: o fazer-se Deus.

A consciência da magnitude da dignidade humana - de modo eminente e inefável, pois fomos constituídos filhos de Deus pela graça - forma no cristão uma só coisa com a humildade, pois o que nos salva e dá vida não são as nossas forças, mas o favor divino. É uma verdade que não se pode esquecer nunca, porque de outro modo o endeusamento se perverteria e se transformaria em presunção, em soberba e, mais cedo ou mais tarde, em desmoronamento espiritual ante a experiência da própria fraqueza e miséria.

Atrever-me-ei a dizer que sou santo? - interrogava-se Santo Agostinho. Se dissesse santo como sinônimo de santificador e não necessitado de ninguém que me santificasse, seria soberbo e mentiroso. Mas se por santo entendemos o santificado, conforme o que se lê no Levítico: sede santos, porque Eu, Deus, sou santo, então também o corpo de Cristo, até o último homem situado nos confins da terra, em união com a sua Cabeça e sob a sua Cabeça, diga audazmente: sou santo!

Amemos a Terceira Pessoa da Trindade Beatíssima; escutemos na intimidade do nosso ser as moções divinas - esses alentos, essas censuras -, caminhemos pela terra dentro da luz derramada em nossas almas; e o Deus da esperança nos cumulará de toda a sorte de paz, para que essa esperança cresça em nós cada vez mais e mais, pela virtude do Espírito Santo.

Jesus na Cruz, com o coração trespassado de Amor pelos homens, é uma resposta eloqüente - as palavras são desnecessárias - à pergunta sobre o valor das coisas e das pessoas. Valem tanto os homens, a sua vida e a sua felicidade, que o próprio Filho de Deus se entrega para os redimir, para os purificar, para os elevar. Quem não amará o seu Coração tão ferido?,perguntava uma alma contemplativa, ao aperceber-se disso. E continuava perguntando: Quem não retribuirá o amor com amor? Quem não abraçará um Coração tão puro? Nós, que somos de carne, pagaremos amor com amor, abraçaremos o nosso Ferido, a quem os ímpios atravessaram as mãos e os pés, o lado e o Coração. Peçamos que se digne prender nosso coração com o vínculo do seu amor e feri-lo com uma lança, pois é ainda duro e impenitente.

São pensamentos, afetos, colóquios que as almas enamoradas entretiveram com Jesus desde sempre. Mas, para entender esta linguagem, para saber de verdade o que é o coração humano, e o Coração de Cristo, e o amor de Deus, é preciso ter fé e humildade. Foi com fé e humildade que Santo Agostinho nos deixou estas palavras universalmente famosas: Para Ti nos criaste, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto em Ti não descansar.

Quando descura a humildade, o homem passa a querer apropriar-se de Deus, não daquela maneira divina que o próprio Cristo tornou possível quando disse: Tomai e comei: isto é o meu corpo , mas tentando reduzir a grandeza divina aos limites humanos. A razão, essa razão fria e cega - que não é a inteligência nascida da fé, nem sequer a inteligência reta da criatura capaz de saborear e amar as coisas -, converte-se na sem-razão de quem tudo submete às suas pobres experiências habituais, que amesquinham a verdade sobrenatural e recobrem o coração humano de uma crosta insensível às moções do Espírito Santo. Nossa pobre inteligência estaria perdida se não fosse o poder misericordioso de Deus, que rasga as fronteiras da nossa miséria: Dar-vos-ei um coração novo e revestir-vos-ei de um novo espírito; tirarei o vosso coração de pedra e dar-vos-ei em seu lugar um coração de carne.E a alma recupera a luz e enche-se de alegria ante as promessas da Escritura Santa.

Eu tenho pensamentos de paz e não de aflição , declarou Deus por boca do profeta Jeremias. A liturgia aplica essas palavras a Jesus, porque nEle se manifesta claramente que é assim que Deus nos ama. Não vem condenar-nos, não vem lançar-nos em rosto a nossa indigência ou a nossa mesquinhez: vem salvar-nos, perdoar-nos, desculpar-nos, trazer-nos a paz e a alegria. Se reconhecermos esta maravilhosa relação do Senhor com seus filhos, nossos corações mudarão necessariamente, e veremos abrir-se diante dos nossos olhos um panorama absolutamente novo, cheio de relevo, de profundidade e de luz.