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Há 5 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Apostolado → colaborar para a santificação dos homens.

Tenhamos presente que a Redenção, que se consumou quando Jesus morreu na vergonha e na glória da Cruz - escândalo para os judeus, loucura para os gentios -, continuará a realizar-se por vontade de Deus até que chegue a hora do Senhor. Não são coisas compatíveis viver segundo o Coração de Jesus Cristo e não nos sentirmos enviados, como Ele, peccatores salvos facere , a salvar todos os pecadores, convencidos de que nós mesmos necessitamos de confiar cada vez mais na misericórdia de Deus. Daí o desejo veemente de nos considerarmos co-redentores com Cristo, de salvar com Ele todas as almas, porque somos, queremos ser ipse Christus, o próprio Jesus Cristo; e Ele deu-se a si mesmo em resgate por todos.

Temos à nossa frente uma grande tarefa. Não é possível permanecermos passivos, porque o Senhor nos declarou expressamente: Negociai até que eu volte.Enquanto esperamos o regresso do Senhor, que voltará para tomar posse plena do seu Reino, não podemos estar de braços cruzados. A propagação do Reino de Deus não é apenas tarefa oficial dos membros da Igreja, que representam Cristo por terem recebido dEle os poderes sagrados. Vos autem estis corpus Christi : vós também sois corpo de Cristo - frisa o Apóstolo -, com mandato específico de negociar até o fim.

Ainda há tanto que fazer! Mas será que em vinte séculos não se fez nada? Em vinte séculos trabalhou-se muito. Não me parece nem objetiva nem honesta a persistência com que alguns se empenham em menosprezar a tarefa dos que nos precederam. Em vinte séculos realizou-se um grande trabalho e, com freqüência, realizou-se muito bem. Em certas épocas, houve desacertos, recuos, como também hoje há retrocessos, medo, timidez, ao mesmo tempo que não faltam atitudes de valentia e generosidade. Mas a família humana renova-se constantemente; em cada geração é necessário continuar com o empenho de ajudar o homem a descobrir a grandeza da sua vocação de filho de Deus, e inculcar-lhe o mandamento do amor ao Criador e ao próximo.

Que fazer? Disse que não procurava descrever crises sociais ou políticas, derrocadas ou mazelas culturais. Sob a perspectiva da fé cristã, venho-me referindo ao mal no sentido preciso de ofensa a Deus. O apostolado cristão não é um programa político nem uma alternativa cultural: consiste na difusão do bem, no contágio do desejo de amar, numa semeadura concreta de paz e de alegria. E desse apostolado derivarão sem dúvida benefícios espirituais para todos: mais justiça, mais compreensão, mais respeito do homem pelo homem.

Há muitas almas à nossa volta; e não temos o direito de ser obstáculo ao seu bem eterno. Estamos obrigados a ser plenamente cristãos, a ser santos, a não defraudar Deus nem todos aqueles que esperam do cristão o exemplo e a doutrina.

O nosso apostolado deve basear-se na compreensão. Insisto novamente: a caridade, mais do que em dar, consiste em compreender. Não escondo que aprendi na minha própria carne quanto custa não ser compreendido. Sempre me esforcei por fazer-me compreender, mas há quem se empenhe em não me compreender: eis outra razão, prática e viva, para que deseje compreender a todos. Mas não há de ser um impulso circunstancial o que nos obrigue a ter esse coração amplo, universal, católico. O espírito de compreensão é expressão da caridade cristã do bom filho de Deus: porque o Senhor quer que estejamos presentes em todos os caminhos retos da terra, para espalhar a semente da fraternidade - não a do joio -, da desculpa, do perdão, da caridade, da paz. Nunca nos sintamos inimigos de ninguém.

O cristão tem que se mostrar sempre disposto a conviver com todos, a dar a todos - com o seu trato - a possibilidade de se aproximarem de Cristo Jesus. Há de sacrificar-se de bom grado por todos, sem estabelecer distinções, sem dividir as almas em compartimentos estanques, sem lhes aplicar rótulos, como se fossem mercadorias ou insetos dissecados. Não pode o cristão separar-se dos outros, porque então a sua vida seria miserável e egoísta: deve fazer-se tudo para todos, para salvar a todos.

Quem dera que vivêssemos assim, que soubéssemos impregnar a nossa conduta desta semeadura de generosidade, deste desejo de convivência, de paz! Desse modo, fomentar-se-ia a legítima independência pessoal dos homens e cada um assumiria a sua responsabilidade pelas tarefas que lhe incumbem na ordem temporal. O cristão saberia defender acima de tudo a liberdade alheia, para poder depois defender a sua própria. Teria a caridade de aceitar os outros como são - porque não há ninguém que não arraste consigo uma cauda de misérias e não cometa erros -, ajudando-os com a graça de Deus e com delicadeza humana a vencer o mal, a arrancar o joio, a fim de que todos possamos mutuamente amparar-nos e viver com dignidade a nossa condição de homens e de cristãos.

Vejo todos os acontecimentos da vida - os de cada existência individual e, de algum modo, os das grandes encruzilhadas da História - como outras tantas chamadas que Deus dirige aos homens para que encarem de frente a verdade; e como ocasiões que se oferecem aos cristãos para que anunciem com suas próprias obras e palavras, ajudados pela graça, o Espírito a que pertencem.

Cada geração de cristãos tem que redimir e santificar o seu próprio tempo: para isso, precisa compreender e compartilhar os anseios dos outros homens, seus iguais, a fim de lhes dar a conhecer, com dom de línguas, como devem corresponder à ação do Espírito Santo, à efusão permanente das riquezas do Coração divino. Compete-nos a nós, cristãos, anunciar nestes dias, a esse mundo a que pertencemos e em que vivemos, a mensagem antiga e nova do Evangelho.

Não é verdade que toda a gente de hoje - assim, em geral e em bloco - esteja fechada ou permaneça indiferente ao que a fé cristã ensina sobre o destino e o ser do homem; não é verdade que os homens destes tempos se ocupem só das coisas da terra e se desinteressem de olhar para o céu. Ainda que não faltem ideologias - e pessoas a sustentá-las - que permanecem fechadas, há em nossa época anseios elevados de mistura com atitudes rasteiras, heroísmos a par de covardias, idealismos ao lado de desilusões; criaturas que sonham com um mundo novo mais justo e mais humano, embora outras, decepcionadas talvez com o fracasso dos seus primitivos ideais, se refugiem no egoísmo de cuidar apenas da sua própria tranqüilidade ou de permanecer imersas no erro.

A todos esses homens e a todas essas mulheres, estejam onde estiverem, em seus momentos de exaltação ou em suas crises e derrotas, temos que fazer chegar o anúncio solene e firme de São Pedro, durante os dias que se seguiram ao Pentecostes: Jesus é a pedra angular, o Redentor, a totalidade da nossa vida, porque fora dEle não foi dado aos homens outro nome debaixo do céu pelo qual possamos ser salvos.

Mas vejamos bem: Deus não nos declara que, em lugar do coração, nos dará uma vontade de puro espírito. Não. Dá-nos um coração, e um coração de carne, como o de Cristo. Eu não disponho de um coração para amar a Deus, e de outro para amar as pessoas da terra. Com o mesmo coração com que amei os meus pais e estimo os meus amigos, com esse mesmo coração amo a Cristo, e o Pai, e o Espírito Santo, e Santa Maria. Não me cansarei de repeti-lo: temos que ser muito humanos; porque, de outro modo, também não poderemos ser divinos.

O amor humano, o amor aqui em baixo na terra, quando é verdadeiro, ajuda-nos a saborear o amor divino. E assim entrevemos o amor com que chegaremos a gozar de Deus e aquele que nos há de unir uns aos outros, lá no céu, quando o Senhor for tudo em todas as coisas. E ao começarmos a entender o que é o amor divino, seremos impelidos a mostrar-nos habitualmente mais compassivos com os outros, mais generosos, mais dedicados.

Temos que dar o que recebemos, ensinar o que aprendemos. Sem arrogância, com simplicidade, temos que fazer os outros participarem desse conhecimento do amor de Cristo. Ao realizar o seu trabalho, ao exercer a profissão na sociedade, cada um pode e deve converter as suas ocupações numa tarefa de serviço. O trabalho bem acabado - que progride e faz progredir, que tem em conta os avanços da cultura e da técnica - desempenha uma grande função, que será sempre útil à humanidade inteira, desde que tenha por motivo a generosidade, não o egoísmo; o bem de todos, não o proveito próprio: desde que esteja impregnado de sentido cristão da vida.

É no âmbito desse trabalho, na própria trama das relações humanas, que devemos manifestar a caridade de Cristo e seus resultados concretos de amizade, de compreensão, de afeto humano, de paz. Assim como Cristo passou fazendo o bem por todos os caminhos da Palestina, assim temos nós que desenvolver uma grande sementeira de paz pelos caminhos humanos da família, da sociedade civil, das relações profissionais, da cultura e do descanso. Será a melhor prova de que nos chegou ao coração o reino de Deus: Nós sabemos que fomos transferidos da morte para a vida - escreve o Apóstolo São João - porque amamos os nossos irmãos.

Mas ninguém pode viver esse amor se não se formar na escola do Coração de Jesus. Só se olharmos e contemplarmos o Coração de Cristo, é que conseguiremos que o nosso se livre do ódio e da indiferença; somente assim saberemos reagir cristãmente perante os sofrimentos alheios e perante a dor.

Recordemos a cena relatada por São Lucas, quando Cristo andava pelas proximidades da cidade de Naim. Jesus vê a angústia daquelas pessoas com quem se cruzou ocasionalmente. Podia ter passado ao largo, ou esperar por um chamado, por um pedido. Mas nem se afasta nem espera. Toma Ele próprio a iniciativa, movido pela aflição de uma viúva que havia perdido tudo o que lhe restava: o filho.

O evangelista explica que Jesus se compadeceu: talvez se tivesse emocionado externamente, como por ocasião da morte de Lázaro. Jesus Cristo não era nem é insensível ao sofrimento que nasce do amor, nem se compraz em separar os filhos de seus pais: passa além da morte para dar a vida, para que estejam perto os que se amam, embora exija antes e ao mesmo tempo a proeminência do Amor divino, que deve informar a autêntica existência cristã.

Cristo tem consciência de estar rodeado de uma multidão que ficará atônita perante o milagre e irá apregoando o acontecido por toda a região. Mas o Senhor não se comporta artificialmente, não pretende realizar um grande gesto: sente-se simplesmente afetado pelo sofrimento daquela mulher e não pode deixar de a consolar. Aproximou-se dela e disse-lhe: Não chores. Foi como se lhe dissesse: não te quero ver em lágrimas, porque eu vim trazer a alegria e a paz à terra. A seguir, vem o milagre, manifestação do poder de Cristo-Deus. Mas antes tivera lugar a comoção de sua alma, manifestação evidente da ternura do coração de Cristo-Homem.

Se não aprendermos de Jesus, não amaremos nunca. Se pensarmos, como alguns, que conservar o coração limpo, digno de Deus, significa não misturá-lo, não contaminá-lo com afetos humanos, então o resultado lógico será tornarmo-nos insensíveis à dor dos outros. Só seremos capazes de uma caridade oficial, seca e sem alma; não da verdadeira caridade de Jesus Cristo, que é ternura, calor humano. Com isto não dou pé a falsas teorias, que são tristes desculpas para desviar os corações de Deus e levá-los a más ocasiões e à perdição.

Na festa de hoje, temos de pedir ao Senhor que nos conceda um coração bom, capaz de se compadecer das penas das criaturas, capaz de compreender que, para remediar os tormentos que acompanham e não poucas vezes angustiam as almas neste mundo, o verdadeiro bálsamo é o amor, a caridade: todos os outros consolos apenas servem para distrair por um momento, e deixar mais tarde um saldo de amargura e desespero.

Se queremos ajudar os outros, temos que amá-los - insisto - com um amor que seja compreensão e entrega, afeto e voluntária humildade. Assim entenderemos por que o Senhor decidiu resumir toda a Lei nesse duplo mandamento que é na realidade um só: o amor a Deus e o amor ao próximo, com todo o coração.

Talvez pensemos agora que, às vezes, nós os cristãos - não os outros: tu e eu - nos esquecemos das aplicações mais elementares desse dever. Talvez pensemos em tantas injustiças que não se remedeiam, em abusos que não se corrigem, em situações de discriminação que se transmitem de geração em geração sem que se comece a pôr em prática uma solução de fundo.

Não posso nem me compete propor a forma concreta de resolver esses problemas. Mas, como sacerdote de Cristo, é meu dever recordar o que diz a Escritura Santa. Meditemos na cena do Juízo descrita pelo próprio Jesus: Afastai-vos de num, malditos, e ide para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; fui peregrino e não me recebestes; nu, e não me cobristes; enfermo e encarcerado, e não me visitastes.

Um homem e uma sociedade que não reajam perante as tribulações ou as injustiças, e não se esforcem por aliviá-las, não são nem homem nem sociedade à medida do amor do Coração de Cristo. Os cristãos - conservando sempre a mais ampla liberdade à hora de estudar e de aplicar as diversas soluções, e, portanto, com um lógico pluralismo - devem identificar-se no mesmo empenho em servir a humanidade. De outro modo, o seu cristianismo não será a Palavra e a Vida de Jesus: será um disfarce, um logro perante Deus e perante os homens.