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Há 5 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Esperança → virtude teologal .

Nada mais vos queria dizer neste primeiro Domingo do Advento, em que já começamos a contar os dias que nos faltam para o Natal do Salvador. Vimos a realidade da vocação cristã, como o Senhor confiou em nós para levar almas à santidade, para aproximá-las dEle, para uni-las à Igreja e estender o reino de Deus a todos os corações. O Senhor nos quer entregues, fiéis, delicados. Ele nos quer santos, muito seus.

Por um lado, a soberba, a sensualidade e o tédio, o egoísmo; por outro, o amor, a dedicação, a misericórdia, a humildade, o sacrifício, a alegria. Temos que escolher. Fomos chamados a uma vida de fé, de esperança e de caridade. Não podemos cruzar os braços e deixar-nos ficar num medíocre isolamento.

Certa vez, vi uma águia encerrada numa gaiola de ferro. Estava suja, meio depenada; tinha entre as garras um pedaço de carne podre. Ocorreu-me pensar no que seria de mim se abandonasse a vocação recebida de Deus. Fiquei com pena daquele animal solitário, enjaulado, que tinha nascido para voar muito alto e olhar o sol de frente. Podemos remontar até às humildes alturas do amor de Deus, do serviço a todos os homens. Mas para isso é preciso que não haja recantos escondidos na alma, onde não possa entrar o sol de Jesus Cristo. Temos que jogar fora todas as preocupações que nos afastem dEle; e assim Cristo em tua inteligência, Cristo em teus lábios, Cristo em teu coração, Cristo em tuas obras. Toda a vida, o coração e as obras, a inteligência e as palavras, saturadas de Deus.

Olhai e levantai a cabeça, porque está próxima a vossa redenção,lemos no Evangelho. O tempo de Advento é tempo de esperança. Todo o panorama da nossa vocação cristã, essa unidade de vida que tem como nervo a presença de Deus, nosso Pai, pode e deve ser uma realidade diária.

Pede-a comigo a Nossa Senhora, imaginando como Ela passaria aqueles meses à espera do Filho que ia nascer. E Nossa Senhora, Santa Maria, fará com que sejas alter Christus, ipse Christus,outro Cristo, o próprio Cristo!

Entramos no tempo da Quaresma: tempo de penitência, de purificação, de conversão. Não é tarefa fácil. O cristianismo não é um caminho cômodo: não basta estar na Igreja e deixar que os anos passem. Na nossa vida, na vida dos cristãos, a primeira conversão - esse momento único, que cada um de nós recorda, e em que se percebe claramente tudo o que o Senhor nos pede - é importante; mas ainda mais importantes, e mais difíceis, são as sucessivas conversões. E para facilitar o trabalho da graça divina com estas conversões sucessivas, é preciso conservar a alma jovem, invocar o Senhor, saber escutar, descobrir o que vai mal, pedir perdão.

Invocabit me et ego exaudiam eum, lemos na liturgia deste Domingo : se me invocardes, eu vos escutarei, diz o Senhor. Devemos considerar esta maravilha que são os cuidados que Deus tem conosco, sempre disposto a ouvir-nos, atento em cada instante à palavra do homem. Seja em que tempo for - mas agora de um modo especial, porque o nosso coração está bem disposto, decidido a purificar-se -, Ele nos escuta, e não deixará de atender às súplicas de um coração contrito e humilhado.

O Senhor escuta-nos para intervir, para penetrar na nossa vida, para nos livrar do mal e cumular-nos de bem. Eripiam eum et glorificabo eum , eu o livrarei e o glorificarei, diz do homem. Portanto, esperança de glória. E aqui temos, como em outras ocasiões, o começo desse movimento íntimo que é a vida espiritual. A esperança dessa glorificação acentua a nossa fé e estimula a nossa caridade. E deste modo se põem em movimento as três virtudes teologais, virtudes divinas que nos assemelham ao nosso Pai-Deus.

Haverá melhor maneira de começarmos a Quaresma? Renovamos a fé, a esperança, a caridade. Esta é a fonte do espírito de penitência, do desejo de purificação. A Quaresma não é apenas uma ocasião de intensificarmos as nossas práticas externas de mortificação; se pensássemos que é apenas isso, escapar-nos-ia o seu sentido mais profundo na vida cristã, porque esses atos externos - repito - são fruto da fé, da esperança e do amor.

Instaurare omnia in Christo, é o lema que São Paulo dá aos cristãos de Éfeso informar o mundo inteiro com o espírito de Jesus, colocar Cristo na entranha de todas as coisas. Si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum , quando for levantado ao alto sobre a terra, tudo atrairei a mim. Cristo, com a sua encarnação, com a sua vida de trabalho em Nazaré, com a sua pregação e milagres pelas terras da Judéia e da Galiléia, com a sua morte na Cruz, com a sua Ressurreição, é o centro da Criação, Primogênito e Senhor de toda a criatura.

Nossa missão de cristãos é proclamar essa realeza de Cristo, anunciá-la com a nossa palavra e as nossas obras. O Senhor quer os seus em todas as encruzilhadas da terra. Chama alguns ao deserto, para que se desentendam dos avatares da sociedade dos homens e com o seu testemunho recordem aos demais que Deus existe. Confia a outros o ministério sacerdotal. Mas quer a grande maioria dos homens no meio do mundo, nas ocupações terrenas. Estes cristãos devem, pois, levar Cristo a todos os ambientes em que desenvolvem as suas tarefas humanas: à fábrica, ao laboratório, ao cultivo da terra, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e aos caminhos de montanha.

Gosto de recordar a este propósito o episódio da conversa de Cristo com os discípulos de Emaús. Jesus caminha ao lado daqueles dois homens que perderam quase toda a esperança, a tal ponto que a vida começa a parecer-lhes sem sentido. Compreende a sua dor, penetra em seus corações, comunica-lhes um pouco da vida que nEle habita. Quando, ao chegarem à aldeia, Jesus faz menção de continuar viagem, os dois discípulos detêm-no e quase o obrigam a ficar com eles. Reconhecem-no depois, ao partir o pão; o Senhor, exclamam, esteve conosco. Então disseram um para o outro: Não é verdade que sentíamos o coração abrasar-se dentro de nós, enquanto nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?. Cada cristão deve tornar Cristo presente entre os homens; deve viver de tal modo que à sua volta se perceba o bonus odor Christi , o bom odor de Cristo; deve agir de tal modo que, através das ações do discípulo, se possa descobrir o rosto do Mestre.

A festa da Ascensão do Senhor sugere-nos também outra realidade: esse Cristo que nos anima a empreender esta tarefa no mundo espera-nos no céu. Por outras palavras: a vida na terra, que nós amamos, não é a realidade definitiva; pois não temos aqui cidade permanente, mas andamos em busca da futura cidade imutável.

Cuidemos, porém, de não interpretar a Palavra de Deus dentro dos limites de horizontes estreitos. O Senhor não nos incita a ser infelizes enquanto caminhamos, esperando a consolação apenas no mais além. Deus nos quer felizes também aqui, se bem que anelando pelo cumprimento definitivo dessa outra felicidade, que só Ele pode consumar plenamente.

Nesta terra, a contemplação das realidades sobrenaturais, a ação da graça em nossas almas, o amor ao próximo como fruto saboroso do amor a Deus, representam já uma antecipação do céu, uma incoação destinada a crescer de dia para dia. Nós, os cristãos, não suportamos uma vida dupla: mantemos uma unidade de vida, simples e forte, em que se fundamentam e se compenetram todas as nossas ações.

Cristo espera-nos. Vivemos já como cidadãos do céu ,sendo plenamente cidadãos da terra, no meio das dificuldades, das injustiças, das incompreensões, mas também no meio da alegria e da serenidade que nos dá saber-nos filhos amados de Deus. Perseveremos no serviço do nosso Deus, e veremos como aumenta em número e em santidade este exército cristão de paz, este povo de co-redenção. Sejamos almas contemplativas, absorvidas num diálogo constante com Deus, procurando a intimidade com o Senhor a toda a hora: desde o primeiro pensamento do dia até o último da noite; pondo continuamente o nosso coração em Jesus Cristo, Nosso Senhor; achegando-nos a Ele por Nossa Mãe, Santa Maria, e por Ele, ao Pai e ao Espírito Santo.

E se, apesar de tudo, a subida de Jesus aos céus nos deixar na alma um travo de tristeza, acudamos à sua Mãe, como fizeram os Apóstolos: Tornaram então a Jerusalém… e oravam unanimemente… com Maria, a Mãe de Jesus.

O melhor caminho para não perdermos nunca a audácia apostólica, a fome eficaz de servir a todos os homens, não é outro senão a plenitude da vida de fé, de esperança e de amor; numa palavra, a santidade. Não encontro outra receita além dessa: santidade pessoal.

Hoje, em união com a Igreja, celebramos o triunfo da Mãe, Filha e Esposa de Deus. E assim como nos sentíamos felizes no tempo da Páscoa da Ressurreição, três dias após a morte do Senhor, agora nos sentimos alegres porque Maria, depois de acompanhar Jesus de Belém até à Cruz, está junto dEle em corpo e alma, gozando da glória por toda a eternidade. Esta é a misteriosa economia divina: Nossa Senhora, que teve a graça de participar plenamente na obra da nossa salvação, tinha que seguir de perto os passos do seu Filho: a pobreza de Belém, a vida oculta de trabalho em Nazaré, a manifestação da divindade em Caná da Galiléia, as afrontas da Paixão e o Sacrifício divino da Cruz, a bem-aventurança eterna do Paraíso.

Tudo isso nos diz respeito diretamente, porque esse itinerário sobrenatural deve ser também o nosso caminho. Maria mostra-nos que essa senda é acessível, que é segura. Ela nos precedeu no caminho da imitação de Cristo, e a glorificação da Nossa Mãe é a firme esperança da nossa própria salvação; por isso a chamamos spes nostra e causa nostrae laetitiae,nossa esperança e causa da nossa felicidade.

Não podemos perder nunca a esperança de chegar a ser santos, de aceitar os convites de Deus, de perseverar até o fim. Deus, que começou em nós a obra da santificação, levá-la-á a cabo. Porque se o Senhor é por nós, quem será contra nós? Ele, que não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou à morte por todos nós, como deixará de nos dar com Ele qualquer outra coisa?

Nesta festa, tudo convida à alegria. A firme esperança na nossa santificação pessoal é um dom de Deus; mas o homem não pode permanecer passivo. Recordemos as palavras de Cristo: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me. Estamos vendo? A cruz, cada dia. Nulla dies sine cruce!, nenhum dia sem cruz: nenhum dia em que não carreguemos a cruz do Senhor, em que não aceitemos o seu jugo. Por isso não quis deixar de recordar aqui que a alegria da ressurreição é conseqüência da dor da Cruz.

Mas nada havemos de temer, porque o próprio Senhor nos disse: Vinde a mim, vós que estais sobrecarregados com trabalhos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis repouso para vossas almas; porque o meu jugo é suave e o meu fardo leve. Vinde - comenta São João Crisóstomo -, não para prestar contas, mas para serdes libertados dos vossos pecados; vinde porque eu não tenho necessidade da glória que podeis proporcionar-me; tenho necessidade da vossa salvação… Não temais ao ouvir falar de jugo, porque é suave; não temais se falo de carga, porque é ligeira.

O caminho da nossa santificação pessoal passa diariamente pela Cruz; e não é um caminho infeliz, porque o próprio Cristo vem em nossa ajuda, e com Ele não há lugar para a tristeza. In laetitia, nulla dies sine cruce!, gosto de repetir; com a alma trespassada de alegria, nenhum dia sem Cruz.