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Há 4 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Mundo → a santidade no meio do mundo.

Para se santificar, o simples cristão - que não é um religioso, que não se separa do mundo, porque o mundo é o lugar do seu encontro com Cristo - não precisa de hábito externo nem de sinais distintivos. Seus sinais são internos: a presença de Deus constante e o espírito de mortificação. Na realidade, uma coisa só, porque a mortificação nada mais é que a oração dos sentidos.

A vocação cristã é vocação de sacrifício, de penitência, de expiação. Temos que reparar por nossos pecados - quantas vezes não teremos virado a cara para não vermos Deus! - e por todos os pecados dos homens. Temos que seguir de perto os passos de Cristo: trazendo sempre em nosso corpo a mortificação,a abnegação de Cristo, seu abatimento na Cruz, para que também em nossos corpos se manifeste a vida de Jesus.O nosso caminho é de imolação, e essa renúncia nos trará o gaudium cum pace,a alegria e a paz.

Não contemplamos o mundo com gesto triste. Têm prestado um fraco serviço à catequese, talvez involuntariamente, esses biógrafos de santos que queriam descobrir a todo o custo coisas extraordinárias nos servos de Deus, já desde os primeiros vagidos. E contam de alguns deles que em sua infância não choravam, e às sextas-feiras não mamavam, por mortificação… Vós e eu nascemos chorando, como Deus manda; e nos prendíamos ao peito de nossa mãe sem nos preocuparmos com Quaresmas nem com Têmporas.

Agora, com o auxílio de Deus, aprendemos a descobrir ao longo dos dias - aparentemente sempre iguais - spatium verae poenitentiae,um tempo de verdadeira penitência; e nesses instantes fazemos propósitos de emendatio vitae,de melhorar a nossa vida. Este é o caminho para sabermos acolher a graça e as inspirações do Espírito Santo na alma. E com essa graça - repito - vem o gaudium cum pace,a alegria, a paz e a perseverança no caminho.

A mortificação é o sal da nossa vida. E a melhor mortificação é a que combate - em pequenos detalhes, durante o dia todo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Mortificações que não mortifiquem os outros, que nos tornem mais delicados, mais compreensivos, mais abertos a todos. Não seremos mortificados se formos suscetíveis, se estivermos preocupados apenas com os nossos egoísmos, se esmagarmos os outros, se não nos soubermos privar do supérfluo e, às vezes, do necessário; se nos entristecermos quando as coisas não correm como tínhamos previsto. Pelo contrário, seremos mortificados se nos soubermos fazer tudo para todos, para salvar a todos.

Non est abbreviata manus Domini, não se tornou mais curta a mão de Deus : Deus não é hoje menos poderoso do que em outras épocas, nem é menos verdadeiro seu amor pelos homens. A nossa fé ensina que a criação inteira, o movimento da terra e dos astros, as ações retas das criaturas e tudo quanto há de positivo no curso da história, tudo, numa palavra, veio de Deus e para Deus se ordena.

A ação do Espírito Santo pode passar-nos despercebida, porque Deus não nos dá a conhecer seus planos e porque o pecado do homem turva e obscurece os dons divinos. Mas a fé recorda-nos que o Senhor atua constantemente: foi Ele que nos criou e nos conserva o ser; é Ele quem, com a sua graça, conduz a criação inteira para a liberdade da glória dos filhos de Deus.

Por isso, a tradição cristã resumiu num só conceito a atitude que devemos adotar perante o Espírito Santo: docilidade. Temos que ser sensíveis àquilo que o Espírito divino promove à nossa volta e em nós mesmos: aos carismas que distribui, aos movimentos e instituições que suscita, aos efeitos e decisões que nos faz nascer no coração. O Espírito Santo realiza no mundo as obras de Deus: como diz o hino litúrgico, Ele é dador de graças, luz dos corações, hóspede da alma, descanso no trabalho, consolo no pranto. Sem a sua ajuda, nada há no homem que seja inocente e valioso, pois é Ele quem lava o que está manchado, cura o que está enfermo, aquece o que está frio, reconduz o extraviado e encaminha os homens até o porto da salvação e da felicidade eterna.

Mas nossa fé no Espírito Santo deve ser plena e completa: não é uma crença vaga na sua presença no mundo; é uma aceitação agradecida dos sinais e realidades a que Ele quis vincular especialmente a sua força. Quando vier o Espírito de Verdade - anunciou Jesus -, Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará.O Espírito Santo é o Espírito enviado por Cristo para realizar em nós a santificação que Ele nos mereceu na terra.

É por isso que não pode haver fé no Espírito Santo se não houver fé em Cristo, na doutrina de Cristo, nos sacramentos de Cristo, na Igreja de Cristo. Não é coerente com a fé cristã, não crê verdadeiramente no Espírito Santo quem não ama a Igreja, quem não tem confiança nEla, quem só se compraz em apontar as deficiências e as limitações dos que a representam, quem a julga de fora e é incapaz de se sentir seu filho. E sou levado a considerar também como é extraordinariamente importante e abundantíssima a ação do Divino Paráclito durante a celebração da Santa Missa nos nossos altares, enquanto o sacerdote renova o sacrifício do Calvário.

Talvez se possa perguntar como transmitir esse conhecimento às pessoas. E respondo: com naturalidade, com simplicidade, vivendo cada qual como vive, no meio do mundo, entregue ao seu trabalho profissional e ao cuidado da família, participando das aspirações nobres dos homens, respeitando a legítima liberdade de cada um.

Há já quase trinta anos, Deus pôs em meu coração o anseio de fazer compreender às pessoas de qualquer estado, condição ou ofício, esta doutrina: a vida corrente pode ser santa e plena de Deus; o Senhor chama-nos a santificar as ocupações habituais, porque também nelas se encontra a perfeição do cristão. Consideremo-lo uma vez mais, contemplando a vida de Maria.

Não esqueçamos que a quase totalidade dos dias que Nossa Senhora passou na terra decorreram de forma muito parecida à de milhões de outras mulheres, ocupadas em cuidar da família, em educar os filhos, em levar a cabo as tarefas do lar. Maria santifica as coisas mais pequenas, aquelas que muitos consideram erroneamente como intranscendentes e sem valor: o trabalho de cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e visitas por motivos de parentesco ou de amizade. Bendita normalidade, que pode estar repassada de tanto amor de Deus!

Porque é isso o que explica a vida de Maria: o seu amor. Um amor levado até ao extremo, até ao esquecimento completo de si mesma, feliz de estar onde Deus a quer, cumprindo com esmero a vontade divina. Isso é o que faz com que o menor de seus gestos não seja nunca banal, mas cheio de conteúdo. Maria, nossa Mãe, é para nós exemplo e caminho. Temos que procurar ser como Ela, nas circunstâncias concretas em que Deus quis que vivêssemos.

Se procedermos assim, daremos aos que nos rodeiam o testemunho de uma vida simples e normal, com as limitações e os defeitos próprios da nossa condição humana, mas coerente. E ao perceberem que somos iguais a eles em todas as coisas, os outros sentir-se-ão impelidos a perguntar-nos: Como se explica a vossa alegria? Donde vos vêm as forças para vencer o egoísmo e o comodismo? Quem vos ensina a viver a compreensão, a reta convivência e a entrega, o serviço aos outros?

É então o momento de lhes manifestar o segredo divino da existência cristã, de lhes falar de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, de Maria; o momento de procurar transmitir, através das nossas pobres palavras, a loucura do amor a Deus que a graça derramou em nossos corações.

O Senhor ter-nos-á feito descobrir muitos outros traços da correspondência fiel da Santíssima Virgem, que de per si nos convidam a tomá-los como modelo: sua pureza, sua humildade, sua firmeza de caráter, sua generosidade, sua fidelidade… Mas eu gostaria de falar de um aspecto que abrange todos os outros, porque é o clima do progresso espiritual: a vida de oração.

Para aproveitarmos a graça que nossa Mãe nos traz no dia de hoje, e para secundarmos em qualquer momento as inspirações do Espírito Santo, pastor de nossas almas, devemos estar comprometidos seriamente numa atividade de íntima relação com Deus. Não nos podemos esconder no anonimato: se não for um encontro pessoal com Deus, a vida interior não existe. A superficialidade não é cristã. Admitir a rotina na conduta ascética equivale a assinar o atestado de óbito da alma contemplativa. Deus nos procura um por um; e temos que responder-lhe um por um: Aqui estou, Senhor, porque me chamaste.

Oração - todos o sabemos - é falar com Deus. Mas podemos perguntar-nos: falar, de quê? De que há de ser, senão das coisas de Deus e das que preenchem os nossos dias? Do nascimento de Jesus, do seu caminhar por este mundo, do seu ocultamento e da sua pregação, dos seus milagres, da sua Paixão Redentora, da sua Cruz e da sua Ressurreição. E na presença do Deus Uno e Trino, tendo por Medianeira Santa Maria e por advogado São José, Nosso Pai e Senhor - a quem tanto amo e venero -, falaremos do nosso trabalho de todos os dias, da família, das relações de amizade, dos grandes projetos e das pequenas mesquinharias.

O tema da minha oração é o tema da minha vida. Eu faço assim. E à vista desta situação em que me encontro, surge naturalmente o propósito, determinado e firme, de mudar, de melhorar, de ser mais dócil ao amor de Deus. Um propósito sincero, concreto. E não pode faltar o pedido urgente, mas confiado, de que o Espírito Santo não nos abandone, porque tu és, Senhor, a minha fortaleza.

Somos cristãos comuns, trabalhamos em campos muito diferentes; toda a nossa atividade corre pelos trilhos da normalidade; tudo se desenvolve a um ritmo previsível. Os dias parecem iguais, até monótonos… Pois bem: esse programa, aparentemente tão comum, tem um valor divino: é algo que interessa a Deus, porque Cristo quer encarnar-se nos nossos afazeres, animando por dentro as ações mais humildes.

Este pensamento é uma realidade sobrenatural, límpida, inequívoca; não é uma consideração destinada a consolar, a confortar aqueles que, como nós, não conseguirão gravar seus nomes no livro de ouro da história. Cristo está interessado nesse trabalho que temos que realizar - uma e mil vezes - no escritório, na fábrica, na oficina, na escola, no campo, no exercício da profissão manual ou intelectual; como está interessado no sacrifício escondido que representa não derramarmos sobre os outros o fel do nosso mau humor.

Repassemos na oração estas considerações, sirvamo-nos delas precisamente para dizer a Jesus que o adoramos, e estaremos sendo contemplativos no meio do mundo, no meio do ruído da rua: em todos os lugares. Esta é a primeira lição, na escola da vida de relação com Jesus Cristo. Dessa escola, Maria é a melhor mestra, porque a Virgem manteve sempre essa atitude de fé, de visão sobrenatural, perante tudo o que acontecia à sua volta: Conservava todas essas coisas, ponderando-as em seu coração.

Supliquemos hoje a Santa Maria que nos torne contemplativos, que nos ensine a compreender as chamadas contínuas que o Senhor nos dirige, batendo à porta do nosso coração. Peçamos-lhe: Mãe nossa, tu, que trouxeste à terra Jesus, por quem nos é revelado o amor do nosso Pai-Deus, ajuda-nos a reconhecê-lo no meio das ocupações de cada dia; remove a nossa inteligência e a nossa vontade, para que saibamos escutar a voz de Deus, o impulso da graça.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura