Lista de pontos

Há 3 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Virtudes humanas  → naturalidade.

Permiti-me que volte de novo à naturalidade, à simplicidade da vida de Jesus, que já vos tenho feito considerar tantas vezes. Esses anos ocultos do Senhor não são coisa sem significado, ou uma simples preparação dos anos que viriam depois, os anos da sua vida pública. Desde 1928, compreendi claramente que Deus desejava que os cristãos tomassem por exemplo toda a vida do Senhor. Entendi especialmente a sua vida escondida, a sua vida de trabalho comum entre os homens: o Senhor quer que muitas almas encontrem o seu caminho nesses anos de vida silenciosa e sem brilho. Obedecer à vontade de Deus, portanto, é sempre abandonar o egoísmo; mas não é necessário que se reduza predominantemente a um afastamento das circunstâncias habituais que rodeiam a vida dos homens, iguais a nós pelo seu estado, pela sua profissão, pela sua situação na sociedade.

Sonho - e o sonho já se tornou realidade - com multidões de filhos de Deus santificando-se na sua vida de cidadãos comuns, compartilhando ideais, anseios e esforços com as demais pessoas. Preciso gritar-lhes esta verdade divina: se permaneceis no meio do mundo, não é porque Deus se tenha esquecido de vós, não é porque o Senhor não vos tenha chamado. Deus vos convidou a permanecer nas ocupações e nas ansiedades da terra, porque vos fez saber que a vossa vocação humana, a vossa profissão, as vossas qualidades não só não são alheias aos seus desígnios divinos, mas foram santificadas por Ele como oferenda gratíssima ao Pai!

Já falamos muito deste tema em outras ocasiões, mas permito-me insistir de novo na naturalidade e na simplicidade da vida de São José, que não se distanciava de seus vizinhos nem levantava barreiras desnecessárias.

Por isso, embora em alguns momentos ou situações isso possa ser conveniente, normalmente não gosto de falar de operários católicos, de engenheiros católicos, de médicos católicos, etc., como se se tratasse de uma espécie dentro de um gênero, como se os católicos formassem um grupinho separado dos outros, dando assim a sensação de que existe um fosso entre os cristãos e o resto da humanidade. Respeito a opinião contrária, mas penso que é muito mais correto falar de operários que são católicos, ou de católicos que são operários; de engenheiros que são católicos, ou de católicos que são engenheiros: porque o homem que tem fé e que exerce uma profissão intelectual, técnica ou manual, é e sente-se unido aos outros, igual aos outros, com os mesmos direitos e obrigações, com o mesmo desejo de progredir, com o mesmo anseio de enfrentar os problemas comuns e de encontrar solução para eles.

Assumindo todos esses aspectos, o católico saberá fazer da sua vida diária um testemunho de fé, de esperança e de caridade; testemunho simples, normal, sem necessidade de manifestações espetaculares, pondo de manifesto - com a coerência da sua vida - a presença constante da Igreja no mundo, já que todos os católicos são eles mesmos Igreja, são membros, com pleno direito, do único Povo de Deus.

Talvez se possa perguntar como transmitir esse conhecimento às pessoas. E respondo: com naturalidade, com simplicidade, vivendo cada qual como vive, no meio do mundo, entregue ao seu trabalho profissional e ao cuidado da família, participando das aspirações nobres dos homens, respeitando a legítima liberdade de cada um.

Há já quase trinta anos, Deus pôs em meu coração o anseio de fazer compreender às pessoas de qualquer estado, condição ou ofício, esta doutrina: a vida corrente pode ser santa e plena de Deus; o Senhor chama-nos a santificar as ocupações habituais, porque também nelas se encontra a perfeição do cristão. Consideremo-lo uma vez mais, contemplando a vida de Maria.

Não esqueçamos que a quase totalidade dos dias que Nossa Senhora passou na terra decorreram de forma muito parecida à de milhões de outras mulheres, ocupadas em cuidar da família, em educar os filhos, em levar a cabo as tarefas do lar. Maria santifica as coisas mais pequenas, aquelas que muitos consideram erroneamente como intranscendentes e sem valor: o trabalho de cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e visitas por motivos de parentesco ou de amizade. Bendita normalidade, que pode estar repassada de tanto amor de Deus!

Porque é isso o que explica a vida de Maria: o seu amor. Um amor levado até ao extremo, até ao esquecimento completo de si mesma, feliz de estar onde Deus a quer, cumprindo com esmero a vontade divina. Isso é o que faz com que o menor de seus gestos não seja nunca banal, mas cheio de conteúdo. Maria, nossa Mãe, é para nós exemplo e caminho. Temos que procurar ser como Ela, nas circunstâncias concretas em que Deus quis que vivêssemos.

Se procedermos assim, daremos aos que nos rodeiam o testemunho de uma vida simples e normal, com as limitações e os defeitos próprios da nossa condição humana, mas coerente. E ao perceberem que somos iguais a eles em todas as coisas, os outros sentir-se-ão impelidos a perguntar-nos: Como se explica a vossa alegria? Donde vos vêm as forças para vencer o egoísmo e o comodismo? Quem vos ensina a viver a compreensão, a reta convivência e a entrega, o serviço aos outros?

É então o momento de lhes manifestar o segredo divino da existência cristã, de lhes falar de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, de Maria; o momento de procurar transmitir, através das nossas pobres palavras, a loucura do amor a Deus que a graça derramou em nossos corações.