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A liturgia da Quaresma ganha às vezes acentos trágicos, quando se medita no que supõe para o homem o seu afastamento de Deus. Mas essa conclusão não é a última palavra. A última palavra é Deus quem a pronuncia, e é a palavra do seu amor salvador e misericordioso e, portanto, a palavra da nossa filiação divina. Por isso repito hoje com São João: Vede que amor teve o Pai para conosco, querendo que nos chamássemos filhos de Deus e que o fôssemos de verdade. Filhos de Deus, irmãos do Verbo feito carne, dAquele de quem foi dito: nEle estava a vida, e a vida era a luz dos homens.Filhos da Luz, irmãos da Luz: é o que nós somos! Portadores da única chama capaz de abrasar os corações feitos de carne.

Calo-me agora para prosseguir a Santa Missa. Mas cada um deve pensar no que o Senhor lhe pede, nos propósitos, nas decisões que a ação da graça quer promover dentro de si.

E, ao percebermos essas exigências sobrenaturais e humanas de entrega e de luta, lembremo-nos de que Jesus Cristo é o nosso modelo, de que Jesus, sendo Deus, permitiu que o tentassem, para que assim nos enchêssemos de coragem e estivéssemos certos da vitória. Porque Ele não perde batalhas, e nós, se estivermos unidos a Ele, nunca seremos vencidos, mas poderemos chamar-nos e ser realmente vencedores: bons filhos de Deus.

Vivamos contentes. Eu estou contente. Não o deveria estar, olhando para a minha vida, fazendo esse exame pessoal de consciência que este tempo litúrgico da Quaresma nos pede. Mas sinto-me contente porque vejo que o Senhor me procura uma vez mais, que o Senhor continua a ser meu Pai. Sei que vós e eu, decididamente, com o resplendor e a ajuda da graça, veremos que coisas temos que queimar, e as queimaremos; que coisas temos que arrancar, e as arrancaremos; que coisas temos que entregar, e as entregaremos.

A tarefa não é fácil. Mas contamos com um ponto de referência claro, com uma realidade de que não devemos nem podemos prescindir: somos amados por Deus, e deixaremos que o Espírito Santo atue em nós e nos purifique, para podermos assim abraçar o Filho de Deus na Cruz, ressuscitando depois com Ele, porque a alegria da Ressurreição tem as suas raízes na Cruz.

Maria, nossa Mãe, auxilium christianorum, refugium peccatorum: intercede junto de teu Filho para que nos envie o Espírito Santo, que desperte em nossos corações a decisão de caminharmos com passo firme e seguro, fazendo ressoar no mais íntimo da nossa alma a chamada que encheu de paz o martírio de um dos primeiros cristãos: Veni ad Patrem , vem, volta para teu Pai, que te espera.

Referências da Sagrada Escritura
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