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A guerra do cristão é incessante, porque na vida interior se verifica um perpétuo começar e recomeçar, que nos impede de orgulhosamente nos imaginarmos perfeitos. É inevitável que haja muitas dificuldades no nosso caminho; se não encontrássemos obstáculos, não seríamos criaturas de carne e osso. Sempre teremos paixões que nos puxem para baixo, e sempre precisaremos defender-nos contra esses delírios mais ou menos veementes.

Perceber no corpo e na alma o aguilhão da soberba, da sensualidade, da inveja, da preguiça, do desejo de subjugar os outros, não deveria representar uma descoberta. É um mal antigo, sistematicamente confirmado pela nossa experiência pessoal; é o ponto de partida e o ambiente habitual do nosso esforço por ganhar, num íntimo desporto, a nossa corrida para a casa do Pai. Por isso nos ensina São Paulo: Quanto a mim, corro, não como que à aventura; luto, não como quem açoita o ar; mas castigo o meu corpo e conservo-o na escravidão, não suceda que, tendo pregado aos outros, venha eu a ser condenado.

Para iniciar ou sustentar esta contenda, o cristão não deve esperar por manifestações exteriores ou sentimentos favoráveis. A vida interior não é questão de sentimentos, mas de graça divina e de vontade, de amor. Todos os discípulos foram capazes de seguir Cristo no seu dia de triunfo em Jerusalém, mas quase todos o abandonaram à hora do opróbrio da Cruz

Para amar de verdade, precisamos ser fortes, leais, com o coração firmemente ancorado na fé, na esperança e na caridade. Só a ligeireza insubstancial muda caprichosamente de objeto em seus amores, que não são amores, mas compensações egoístas. Quando há amor, há integridade: capacidade de entrega, de sacrifício, de renúncia. E, no meio da entrega, do sacrifício e da renúncia - com o suplício da contradição -, a felicidade e a alegria. Uma alegria que nada nem ninguém nos poderá tirar.

Neste torneio de amor, não nos devem entristecer as nossas quedas, nem mesmo as quedas graves, se recorremos a Deus com dor e bom propósito, mediante o sacramento da Penitência. O cristão não é nenhum colecionador maníaco de uma folha de serviços imaculada. Jesus Cristo Nosso Senhor não só se comove com a inocência e a fidelidade de João, como se enternece com o arrependimento de Pedro depois da queda. Jesus compreende a nossa debilidade e atrai-nos a Si como que por um plano inclinado, desejando que saibamos insistir no esforço de subir um pouco, dia após dia. Procura-nos como procurou os discípulos de Emaús, indo ao seu encontro; como procurou Tomé e lhe mostrou as chagas abertas nas mãos e no lado, fazendo com que as tocasse com seus dedos. Jesus Cristo está sempre à espera de que voltemos para Ele, precisamente porque conhece a nossa fraqueza.

Referências da Sagrada Escritura
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