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Ser cristão não é título de mera satisfação pessoal: tem nome - substância - de missão. Já antes recordávamos que o Senhor convida todos os cristãos a serem sal e luz do mundo. Fazendo-se eco desse preceito, e com textos tirados do Antigo Testamento, São Pedro escreve umas palavras que definem muito claramente essa missão: Vós sois linhagem escolhida, sacerdócio real, gente santa, povo de conquista, para anunciar as grandezas dAquele que vos arrancou das trevas para a sua luz admirável.

Ser cristão não é algo de acidental; é uma divina realidade que se insere nas entranhas da nossa vida, dando-nos uma visão límpida e uma vontade decidida de agir como Deus quer. Aprende-se assim que a peregrinação do cristão pelo mundo tem que se converter num contínuo serviço, prestado de modos muito diversos, conforme as circunstancias pessoais, mas sempre por amor a Deus e ao próximo. Ser cristão é agir sem pensar nas pequenas metas do prestígio ou da ambição, nem em outras finalidades aparentemente mais nobres, como a filantropia ou a compaixão perante as desgraças alheias; é avançar em direção ao termo último e radical do amor que Jesus Cristo manifestou ao morrer por nós.

Observam-se, por vezes, certas atitudes que são o resultado de não se saber captar esse mistério de Jesus. Por exemplo, a mentalidade dos que encaram o cristianismo como um conjunto de práticas ou atos de piedade, sem perceberem a sua relação com as situações da vida de todos os dias, com a urgência de atender às necessidades dos outros e de esforçar-se por remediar as injustiças.

Eu diria que os que têm essa mentalidade ainda não compreenderam o que significa que o Filho de Deus se tenha encarnado, que tenha assumido corpo, alma e voz de homem, que tenha participado do nosso destino até experimentar o despedaçamento supremo da morte. Talvez involuntariamente, certas pessoas consideram Cristo como um estranho no ambiente dos homens.

Outros, por sua vez, tendem a imaginar que, para poderem ser humanos, têm que pôr em surdina alguns aspectos centrais do dogma cristão, e comportam-se como se a vida de oração, a relação contínua com Deus, constituísse uma fuga às responsabilidades e um abandono do mundo. Esquecem que foi o próprio Jesus quem nos deu a conhecer até que extremo se devem levar o amor e o serviço. Só se procurarmos compreender o arcano do amor de Deus, desse amor que chega até à morte, é que seremos capazes de entregar-nos totalmente aos outros, sem nos deixarmos vencer pelas dificuldades ou pela indiferença.

Referências da Sagrada Escritura
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