O Grande Desconhecido

Ao narrarem os acontecimentos daquele dia de Pentecostes, em que o Espírito Santo desceu em forma de línguas de fogo sobre os discípulos de Nosso Senhor, os Atos dos Apóstolos fazem-nos assistir à grande manifestação do poder de Deus com que a Igreja iniciou a sua caminhada entre as nações. A vitória que Cristo - pela sua obediência, pela sua imolação na Cruz e pela sua Ressurreição - havia obtido sobre a morte e o pecado, revelou-se então em todo o seu divino esplendor.

Os discípulos, que já eram testemunhas da glória do Ressuscitado, experimentam agora a força do Espírito Santo: suas inteligências e corações abrem-se a uma nova luz. Tinham seguido Cristo e acolhido com fé os seus ensinamentos, mas nem sempre haviam conseguido penetrar totalmente o seu sentido: era necessário que chegasse o Espírito de Verdade, para lhes fazer compreender todas as coisas. Sabiam que só em Jesus podiam encontrar palavras de vida eterna, e estavam dispostos a segui-lo e a dar a vida por Ele; mas eram fracos e, quando chegou a hora da prova, fugiram, deixaram-no só. No dia de Pentecostes, tudo isso passou: o Espírito Santo, que é espírito de fortaleza, tornou-os firmes, seguros, audazes. A palavra dos Apóstolos ressoa agora com energia e ímpeto pelas ruas e praças de Jerusalém.

Os homens e mulheres que tinham afluído das mais diversas regiões e povoavam naqueles dias a cidade, escutam assombrados. Partos, medos e elamitas, e os que habitam a Mesopotâmia, a Judéia e a Capadócia, o Ponto e a Ásia, a Frígia e a Panfília, o Egito e a Líbia vizinha de Cirene, e os que vieram de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, todos ouvimos falar das maravilhas de Deus em nossas próprias línguas.Estes prodígios que se realizam diante dos seus olhos levam-nos a prestar atenção à pregação apostólica. O mesmo Espírito Santo que atuava nos discípulos do Senhor tocou-lhes também o coração e conduziu-os à fé.

Conta-nos São Lucas que, depois de São Pedro ter falado, proclamando a Ressurreição de Cristo, muitos dos que o rodeavam se aproximaram perguntando: O que devemos fazer, irmãos? O Apóstolo respondeu-lhes: Fazei penitência e seja batizado cada um de vós em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo. E o texto sagrado conclui dizendo que, naquele dia, ingressaram na Igreja cerca de três mil pessoas.

A vinda solene do Espírito Santo no dia de Pentecostes não foi um acontecimento isolado. Não há quase nenhuma página dos Atos dos Apóstolos em que não se fale dEle e da ação com que guia, dirige e anima a vida e as obras da primitiva comunidade cristã: é Ele quem inspira a pregação de São Pedro , quem confirma os discípulos na fé , quem sela com a sua presença a chamada dirigida aos gentios , quem envia Saulo e Barnabé a terras distantes para abrirem novos caminhos à doutrina de Jesus. Numa palavra, sua presença e sua ação dominam tudo.

Esta realidade profunda que o texto da Escritura Santa nos dá a conhecer não é uma recordação do passado, uma idade de ouro da Igreja que tenha ficado para trás, na história. Elevando-se acima das misérias e dos pecados de cada um de nós, é também a realidade da Igreja de hoje e da Igreja de todos os tempos. Eu rogarei ao Pai - anunciou o Senhor aos seus discípulos - e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco eternamente. Jesus manteve as suas promessas: ressuscitou, subiu aos céus e, em união com o Pai Eterno, envia-nos o Espírito Santo para que nos santifique e nos dê a vida.

A força e o poder de Deus iluminam a face da terra. O Espírito Santo continua assistindo a Igreja de Cristo, para que seja - sempre e em tudo - o sinal erguido diante das nações para anunciar à humanidade a benevolência e o amor de Deus. Por maiores que sejam as nossas limitações, nós, os homens, podemos olhar com confiança para os céus e sentir-nos cheios de alegria: Deus nos ama e nos livra dos nossos pecados. A presença e a ação do Espírito Santo na Igreja são o penhor e a antecipação da felicidade eterna, dessa alegria e dessa paz que Deus nos proporciona.

Como aqueles primeiros que se aproximaram de São Pedro no dia de Pentecostes, também nós fomos batizados. E através do Batismo, nosso Pai-Deus tomou posse das nossas vidas, incorporou-nos à vida de Cristo e enviou-nos o Espírito Santo. O Senhor, diz a Escritura Santa, salvou-nos fazendo-nos renascer pelo batismo, renovando-nos pelo Espírito Santo, que Ele derramou copiosamente sobre nós por Jesus Cristo Salvador nosso, para que, justificados pela graça, cheguemos a ser herdeiros da vida eterna conforme a esperança que temos.

A experiência da nossa fragilidade e dos nossos erros, a desedificação que pode causar o espetáculo doloroso da pequenez ou até da mesquinhez de alguns que se chamam cristãos, o aparente fracasso ou a desorientação de alguns movimentos apostólicos, tudo isso - que é comprovar a realidade do pecado e das limitações humanas - pode, no entanto, constituir uma prova para a nossa fé e fazer com que se insinuem a tentação e a dúvida: onde estão a força e o poder de Deus? É o momento de reagir, de pormos em prática com mais pureza e energia a nossa esperança e, portanto, de procurarmos que seja mais firme a nossa fidelidade.

Gostaria de relatar um episódio da minha vida pessoal, ocorrido há muitos anos. Um dia, um amigo de bom coração, mas que não tinha fé, disse-me, apontando para um mapa-mundi: Veja! De norte a sul e de leste a oeste! Que quer que veja?, perguntei-lhe. Respondeu-me: O fracasso de Cristo. Tantos séculos procurando introduzir a sua doutrina na vida dos homens, e veia os resultados. Num primeiro momento, enchi-me de tristeza: é uma grande dor, com efeito, considerar que são muitos os que ainda não conhecem o Senhor e que, dentre os que o conhecem, são muitos também os que vivem como se não o conhecessem.

Mas essa sensação durou apenas um instante, para dar lugar ao amor e ao agradecimento, porque Jesus quis fazer de cada homem um cooperador livre da sua obra redentora. Não fracassou: a sua doutrina e a sua vida estão fecundando continuamente o mundo. A redenção que Ele levou a cabo é suficiente e superabundante.

Deus não quer escravos, mas filhos, e portanto respeita a nossa liberdade. A salvação prossegue, e nós participamos dela: é vontade de Cristo que - segundo a expressão forte de São Paulo - cumpramos na nossa carne, na nossa vida, aquilo que falta à sua paixão, pro Corpore eius, quod est Ecclesia, em benefício do seu Corpo, que é a Igreja.

Vale a pena jogar a vida, entregar-se por inteiro, para corresponder ao amor e à confiança que Deus deposita em nós. Vale a pena, acima de tudo, decidir-se a tomar a sério a fé cristã. Quando recitamos o Credo, professamos crer em Deus Pai, Todo-Poderoso; em seu Filho Jesus Cristo, que morreu e foi ressuscitado; no Espírito Santo, Senhor e fonte da vida. Confessamos que a Igreja, una, santa, católica e apostólica, é o Corpo de Cristo, animado pelo Espírito Santo. Alegramo-nos ante a remissão dos pecados e a esperança da ressurreição futura. Mas essas verdades penetram até o fundo do coração, ou ficam talvez nos lábios? A mensagem divina de vitória, de alegria e de paz do Pentecostes deve ser o fundamento inquebrantável do modo de pensar, reagir e viver de todo o cristão.

Non est abbreviata manus Domini, não se tornou mais curta a mão de Deus : Deus não é hoje menos poderoso do que em outras épocas, nem é menos verdadeiro seu amor pelos homens. A nossa fé ensina que a criação inteira, o movimento da terra e dos astros, as ações retas das criaturas e tudo quanto há de positivo no curso da história, tudo, numa palavra, veio de Deus e para Deus se ordena.

A ação do Espírito Santo pode passar-nos despercebida, porque Deus não nos dá a conhecer seus planos e porque o pecado do homem turva e obscurece os dons divinos. Mas a fé recorda-nos que o Senhor atua constantemente: foi Ele que nos criou e nos conserva o ser; é Ele quem, com a sua graça, conduz a criação inteira para a liberdade da glória dos filhos de Deus.

Por isso, a tradição cristã resumiu num só conceito a atitude que devemos adotar perante o Espírito Santo: docilidade. Temos que ser sensíveis àquilo que o Espírito divino promove à nossa volta e em nós mesmos: aos carismas que distribui, aos movimentos e instituições que suscita, aos efeitos e decisões que nos faz nascer no coração. O Espírito Santo realiza no mundo as obras de Deus: como diz o hino litúrgico, Ele é dador de graças, luz dos corações, hóspede da alma, descanso no trabalho, consolo no pranto. Sem a sua ajuda, nada há no homem que seja inocente e valioso, pois é Ele quem lava o que está manchado, cura o que está enfermo, aquece o que está frio, reconduz o extraviado e encaminha os homens até o porto da salvação e da felicidade eterna.

Mas nossa fé no Espírito Santo deve ser plena e completa: não é uma crença vaga na sua presença no mundo; é uma aceitação agradecida dos sinais e realidades a que Ele quis vincular especialmente a sua força. Quando vier o Espírito de Verdade - anunciou Jesus -, Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará.O Espírito Santo é o Espírito enviado por Cristo para realizar em nós a santificação que Ele nos mereceu na terra.

É por isso que não pode haver fé no Espírito Santo se não houver fé em Cristo, na doutrina de Cristo, nos sacramentos de Cristo, na Igreja de Cristo. Não é coerente com a fé cristã, não crê verdadeiramente no Espírito Santo quem não ama a Igreja, quem não tem confiança nEla, quem só se compraz em apontar as deficiências e as limitações dos que a representam, quem a julga de fora e é incapaz de se sentir seu filho. E sou levado a considerar também como é extraordinariamente importante e abundantíssima a ação do Divino Paráclito durante a celebração da Santa Missa nos nossos altares, enquanto o sacerdote renova o sacrifício do Calvário.

Nós, os cristãos, trazemos os grandes tesouros da graça em vasos de barro ; Deus confiou seus dons à frágil e débil liberdade humana e, embora sejamos sem dúvida assistidos pela força do Senhor, a nossa concupiscência, o nosso comodismo e o nosso orgulho repelem por vezes essa assistência e levam-nos a cair em pecado. Há mais de um quarto de século, ao recitar o Credo e afirmar minha fé na divindade da Igreja, una, santa, católica e apostólica, em muitas ocasiões acrescento: apesar dos pesares. Quando uma vez por outra comento este costume e alguém me pergunta a que me quero referir, respondo: aos teus pecados e aos meus.

Tudo isso é certo, mas não autoriza de modo algum a julgar a Igreja com critérios humanos, sem fé teologal, atendendo apenas à maior ou menor qualidade de certos eclesiásticos ou de certos cristãos. Proceder assim é permanecer na superfície. O mais importante na Igreja não é ver como nós, os homens, correspondemos, mas ver o que Deus realiza. A Igreja é nem mais nem menos Cristo presente entre nós, Deus que vem até à humanidade para salvá-la, chamando-nos com a sua Revelação, santificando-nos com a sua graça, sustentando-nos com a sua ajuda constante, nos pequenos e nos grandes combates da vida diária.

Podemos chegar a desconfiar dos homens, e cada um deve desconfiar pessoalmente de si mesmo e coroar seus dias com um mea culpa, com um ato de contrição profundo e sincero.

Mas não temos o direito de duvidar de Deus. E duvidar da Igreja, da sua origem divina, da eficácia salvadora da sua pregação e dos seus sacramentos é duvidar do próprio Deus, é não crer plenamente na realidade da vinda do Espírito Santo.

Antes que Cristo fosse crucificado - escreve São João Crisóstomo -, não havia nenhuma reconciliação. E enquanto não houve reconciliação, não foi enviado o Espírito Santo… A ausência do Espírito Santo era sinal da ira divina. Agora que o vês enviado em plenitude, não duvides da reconciliação. Mas, se perguntarem: Onde está agora o Espírito Santo? Podia-se falar da sua presença quando havia milagres, quando eram ressuscitados os mortos e curados os leprosos. Porém, como saber agora que está verdadeiramente presente? Não vos preocupeis. Demonstrar-vos-ei que o Espírito Santo está também agora entre nós…

Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos dizer: Senhor Jesus, pois ninguém pode invocar Jesus como Senhor, a não ser no Espírito Santo (1 Cor XII, 3). Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos orar com confiança. Com efeito, ao rezar, dizemos: Pai nosso, que estais nos céus (Mt VI, 9). Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos chamar Pai a Deus. E como sabemos isso? Porque o Apóstolo nos ensina: E por sermos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai! (Gal IV, 6).

Portanto, quando invocares Deus Pai, lembra-te de que foi o Espírito Santo que, ao mover a tua alma, te deu essa oração. Se não existisse o Espírito Santo, não haveria na Igreja palavra alguma de sabedoria ou de ciência, porque está escrito: dada pelo Espírito a palavra da sabedoria (1 Cor XII, 8)… Se o Espírito Santo não estivesse presente, a Igreja não existiria. Mas se a Igreja existe, não há dúvida de que o Espírito Santo não falta.

Acima das deficiências e limitações humanas, insisto, a Igreja é precisamente o sinal e, de certo modo - não no sentido estrito em que se definiu dogmaticamente a essência dos sete sacramentos da Nova Aliança -, o sacramento universal da presença de Deus no mundo. Ser cristão é ter sido regenerado por Deus e enviado aos homens para lhes anunciar a salvação. Se tivéssemos uma fé firme e experimentada, e se déssemos a conhecer Cristo com audácia, veríamos como continuam a realizar-se diante dos nossos olhos milagres como os da era apostólica.

Porque também hoje se devolve a vista aos cegos, que haviam perdido a capacidade de olhar para o céu e contemplar as maravilhas de Deus; também hoje se dá liberdade aos coxos e entrevados, que se achavam tolhidos por suas paixões e já não tinham um coração que soubesse amar; também hoje se dá ouvido aos surdos, que não desejavam ter notícia de Deus; e se consegue que falem os mudos, que tinham amordaçada a língua por não quererem confessar suas derrotas; também hoje se ressuscitam mortos, em quem o pecado havia destruído a vida. Mais uma vez se verifica que a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes. E, tal como os primeiros fiéis cristãos, também nós nos alegramos ao admirar a força do Espírito Santo e sua ação sobre a inteligência e a vontade de suas criaturas.

Vejo todos os acontecimentos da vida - os de cada existência individual e, de algum modo, os das grandes encruzilhadas da História - como outras tantas chamadas que Deus dirige aos homens para que encarem de frente a verdade; e como ocasiões que se oferecem aos cristãos para que anunciem com suas próprias obras e palavras, ajudados pela graça, o Espírito a que pertencem.

Cada geração de cristãos tem que redimir e santificar o seu próprio tempo: para isso, precisa compreender e compartilhar os anseios dos outros homens, seus iguais, a fim de lhes dar a conhecer, com dom de línguas, como devem corresponder à ação do Espírito Santo, à efusão permanente das riquezas do Coração divino. Compete-nos a nós, cristãos, anunciar nestes dias, a esse mundo a que pertencemos e em que vivemos, a mensagem antiga e nova do Evangelho.

Não é verdade que toda a gente de hoje - assim, em geral e em bloco - esteja fechada ou permaneça indiferente ao que a fé cristã ensina sobre o destino e o ser do homem; não é verdade que os homens destes tempos se ocupem só das coisas da terra e se desinteressem de olhar para o céu. Ainda que não faltem ideologias - e pessoas a sustentá-las - que permanecem fechadas, há em nossa época anseios elevados de mistura com atitudes rasteiras, heroísmos a par de covardias, idealismos ao lado de desilusões; criaturas que sonham com um mundo novo mais justo e mais humano, embora outras, decepcionadas talvez com o fracasso dos seus primitivos ideais, se refugiem no egoísmo de cuidar apenas da sua própria tranqüilidade ou de permanecer imersas no erro.

A todos esses homens e a todas essas mulheres, estejam onde estiverem, em seus momentos de exaltação ou em suas crises e derrotas, temos que fazer chegar o anúncio solene e firme de São Pedro, durante os dias que se seguiram ao Pentecostes: Jesus é a pedra angular, o Redentor, a totalidade da nossa vida, porque fora dEle não foi dado aos homens outro nome debaixo do céu pelo qual possamos ser salvos.

Entre os dons do Espírito Santo, diria que há um de que todos nós, cristãos, necessitamos especialmente: o dom da sabedoria, que nos faz conhecer e saborear Deus, e nos coloca assim em condições de poder avaliar com verdade as situações e as coisas desta vida. Se fôssemos conseqüentes com a nossa fé, ao olharmos à nossa volta e contemplarmos o espetáculo da história e do mundo, não poderíamos deixar de sentir crescer em nossos corações os mesmos sentimentos que animaram o de Jesus Cristo: Ao ver aquelas multidões, compadeceu-se delas, porque estavam desamparadas e abatidas, como ovelhas sem pastor.

Não é que o cristão não enxergue tudo o que há de bom na humanidade, que não aprecie as alegrias puras, que não participe dos anseios e ideais terrenos. Pelo contrário, sente tudo isso no mais recôndito da sua alma e de tudo partilha e tudo vive com especial profundidade, já que conhece melhor que qualquer homem os arcanos do espírito humano.

A fé cristã não amesquinha o animo nem cerceia os impulsos nobres da alma, posto que os engrandece ao revelar o seu verdadeiro e mais autêntico sentido: não estamos destinados a uma felicidade qualquer, pois fomos chamados a penetrar na intimidade divina, a conhecer e a amar Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo e, na Trindade e na Unidade de Deus, todos os anjos e todos os homens.

Esta é a grande ousadia da fé cristã: proclamar o valor e a dignidade da natureza humana e afirmar que, mediante a graça, que nos eleva à ordem sobrenatural, fomos criados para alcançar a dignidade de filhos de Deus. Ousadia certamente incrível, se não se baseasse no decreto salvador de Deus Pai e não tivesse sido confirmada pelo sangue de Cristo e reafirmada e tornada possível pela ação constante do Espírito Santo.

Temos que viver de fé, crescer na fé, até que se possa dizer de cada um de nós, de cada cristão, o que escrevia há muitos séculos um dos grandes Doutores da Igreja Oriental: Assim como os corpos transparentes e nítidos, ao receberem os raios da luz, se tornam resplandecentes e irradiam brilho, assim também as almas que são conduzidas e ilustradas pelo Espírito Santo se tornam espirituais e levam aos outros a luz da graça. Do Espírito Santo provém o conhecimento das coisas futuras, a inteligência dos mistérios, a compreensão das verdades ocultas, a distribuição dos dons, a cidadania celeste, a conversação com os anjos. DEle a alegria que nunca termina, a perseverança em Deus, a semelhança com Deus, e o que de mais sublime se pode conceber: o fazer-se Deus.

A consciência da magnitude da dignidade humana - de modo eminente e inefável, pois fomos constituídos filhos de Deus pela graça - forma no cristão uma só coisa com a humildade, pois o que nos salva e dá vida não são as nossas forças, mas o favor divino. É uma verdade que não se pode esquecer nunca, porque de outro modo o endeusamento se perverteria e se transformaria em presunção, em soberba e, mais cedo ou mais tarde, em desmoronamento espiritual ante a experiência da própria fraqueza e miséria.

Atrever-me-ei a dizer que sou santo? - interrogava-se Santo Agostinho. Se dissesse santo como sinônimo de santificador e não necessitado de ninguém que me santificasse, seria soberbo e mentiroso. Mas se por santo entendemos o santificado, conforme o que se lê no Levítico: sede santos, porque Eu, Deus, sou santo, então também o corpo de Cristo, até o último homem situado nos confins da terra, em união com a sua Cabeça e sob a sua Cabeça, diga audazmente: sou santo!

Amemos a Terceira Pessoa da Trindade Beatíssima; escutemos na intimidade do nosso ser as moções divinas - esses alentos, essas censuras -, caminhemos pela terra dentro da luz derramada em nossas almas; e o Deus da esperança nos cumulará de toda a sorte de paz, para que essa esperança cresça em nós cada vez mais e mais, pela virtude do Espírito Santo.

Viver segundo o Espírito Santo é viver de fé, de esperança, de caridade: é deixar que Deus tome posse de nós e mude pela raiz os nossos corações, para os moldar à sua medida. Uma vida cristã amadurecida, profunda e rija, não é coisa que se improvise, porque é fruto do crescimento da graça de Deus em nós. Nos Atos dos Apóstolos, descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã numa frase breve, mas cheia de sentido: Perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, na participação da fração do pão e na oração.

Foi assim que viveram os primeiros cristãos, e é assim que devemos nós viver: a meditação da doutrina da fé, até a fazermos própria; o encontro com Cristo na Eucaristia; o diálogo pessoal - a oração sem anonimato - face a face com Deus, devem constituir como que a substância última da nossa conduta. Se isso faltar, talvez haja reflexão erudita, atividade mais ou menos intensa, devoções e práticas de piedade. Mas não haverá existência cristã autêntica, porque faltará a compenetração com Cristo, a participação real na obra divina da salvação.

É uma doutrina que se aplica a qualquer cristão, porque todos fomos igualmente chamados à santidade. Não há cristãos de segunda categoria, obrigados a pôr em prática apenas uma versão reduzida do Evangelho: todos recebemos o mesmo Batismo e, se bem que exista uma ampla diversidade de carismas e de situações humanas, um só é o Espírito que distribui os dons divinos, uma só a fé, a esperança, a caridade.

Podemos, pois, tomar como dirigida a nós a pergunta do Apóstolo: Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? , e recebê-la como convite para uma relação mais pessoal e direta com Deus. Infelizmente, para alguns cristãos, o Paráclito é o Grande Desconhecido: um nome que se pronuncia, mas que não é Alguém - uma das três Pessoas do único Deus -, com quem se fala e de quem se vive.

Ora, é preciso que procuremos a sua intimidade com assídua simplicidade e com confiança, como a Igreja nos ensina a fazê-lo através da Liturgia. Assim conheceremos melhor a Deus e ao mesmo tempo compreenderemos mais plenamente o imenso dom que significa chamar-se cristão: compreenderemos toda a grandeza e toda a verdade desse endeusamento, dessa participação na vida divina a que antes me referia.

Porque o Espírito Santo não é um artista que desenhe em nós a divina substância, como se fosse alheio a ela; não é assim que nos conduz à semelhança divina. Sendo Deus e procedendo de Deus, Ele mesmo se imprime nos corações que o recebem, como o selo sobre a cera e, dessa forma, pela comunicação de si mesmo e pela semelhança, restabelece a natureza consoante a beleza do modelo divino e restitui ao homem a imagem de Deus.

Para determinarmos, mesmo de uma maneira muito geral, um estilo de vida que nos anime a procurar o convívio com o Espírito Santo - e, ao mesmo tempo, com o Pai e o Filho - e a ter familiaridade com o Paráclito, podemos atentar para três realidades fundamentais: docilidade - repito -, vida de oração e união com a Cruz.

Em primeiro lugar, docilidade, porque é o Espírito Santo quem, com suas inspirações, vai dando tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e obras. É Ele quem nos impele a aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la com profundidade; quem nos dá luz para tomarmos consciência da nossa vocação pessoal e força para realizarmos tudo o que Deus espera de nós. Se formos dóceis ao Espírito Santo, a imagem de Cristo ir-se-á formando cada vez mais em nós e assim nos iremos aproximando cada dia mais de Deus Pai. Os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.

Se nos deixarmos guiar por esse princípio de vida presente em nós, que é o Espírito Santo, a nossa vitalidade espiritual irá crescendo e abandonar-nos-emos nas mãos do nosso Pai-Deus com a mesma espontaneidade e confiança com que uma criança se lança nos braços de seu pai. Se não vos fizerdes semelhantes às crianças, não entrareis no reino dos céus, disse o Senhor. Velho caminho interior de infância, sempre atual, que não é mimalhice nem falta de maturidade humana: é maturidade sobrenatural, que nos leva a aprofundar nas maravilhas do amor divino, a reconhecer a nossa pequenez e a identificar plenamente a nossa vontade com a de Deus.

Em segundo lugar, vida de oração, porque a entrega, a obediência, a mansidão do cristão nascem do amor e para o amor se orientam. E o amor leva à vida de relação, à conversa assídua, à amizade. A vida cristã requer um diálogo constante com Deus Uno e Trino, e é a essa intimidade que o Espírito Santo nos conduz. Quem sabe das coisas do homem, senão o espírito do homem, que está dentro dele? Assim, as coisas de Deus, ninguém as conheceu a não ser o Espírito de Deus.Se mantivermos uma relação assídua com o Espírito Santo, também nós nos faremos espirituais, nos sentiremos irmãos de Cristo e filhos de Deus, e saberemos invocá-lo sem hesitação, como Pai que é de cada um de nós.

Acostumemo-nos a procurar o convívio com o Espírito Santo, que é quem nos há de santificar; a confiar nEle, a pedir sua ajuda, a senti-lo perto de nós. Assim se irá dilatando o nosso pobre coração, teremos mais ânsias de amar a Deus e, por Ele, a todas as criaturas. E reproduzir-se-á em nossas vidas aquela visão final do Apocalipse: o Espírito e a Esposa, o Espírito Santo e a Igreja - e cada cristão -, que se dirigem a Jesus, a Cristo, e lhe pedem que venha, que fique conosco para sempre.

União com a Cruz, finalmente, porque, na vida de Cristo, o Calvário precedeu a Ressurreição e o Pentecostes, e esse mesmo processo se deve reproduzir na vida de cada cristão: Somos - diz São Paulo - co-herdeiros com Jesus Cristo, contanto que soframos com Ele, a fim de sermos com Ele glorificados. O Espírito Santo é fruto da Cruz, da entrega total a Deus, da procura exclusiva da sua glória e da completa renúncia a nós mesmos. Só quando o homem, fiel à graça, decide colocar no centro da sua alma a Cruz, negando-se a si mesmo por amor de Deus, desprendendo-se realmente do egoísmo e de toda a falsa segurança humana, quer dizer, só quando vive verdadeiramente de fé, só então é que recebe com plenitude o grande fogo, a grande consolação do Espírito Santo.

É então que chegam também à alma aquela paz e aquela liberdade que Cristo nos conquistou , e que nos são comunicadas com a graça do Espírito Santo. Os frutos do Espírito Santo são caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade, mansidão, fé, modéstia, continência, castidade ; e onde está o Espírito do Senhor, lá está a liberdade.

No meio das limitações inseparáveis da nossa situação presente - porque o pecado ainda habita de algum modo em nós -, o cristão percebe com nova claridade toda a riqueza da sua filiação divina, na medida em que se reconhece plenamente livre por trabalhar nas coisas do Pai, e se sente possuído de uma alegria que se torna constante, por nada ser capaz de destruir a sua esperança.

Além disso, é também nessa hora que se torna capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da terra, de apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de viver o amor com toda a inteireza e toda a pureza para que foi criado o coração humano. É nessa altura que a sua dor perante o pecado não degenera nunca em reação amarga, desesperada ou arrogante, porque a compunção e o reconhecimento da fraqueza humana o levam a identificar-se de novo com as ânsias redentoras de Cristo e a sentir mais profundamente a solidariedade com todos os homens. É então, enfim, que o cristão experimenta em si, com segurança, a força do Espírito Santo, de maneira que nem as suas próprias quedas o abatem: porque são um convite para que recomece e para que continue a ser testemunha fiel de Cristo em todas as encruzilhadas da terra, apesar das suas misérias pessoais; misérias que, nestes casos, costumam ser faltas leves e mal turvam a sua alma, ou, se são graves, encontram no Sacramento da Penitência, procurado com compunção, o meio de fazê-lo retomar à paz de Deus e de convertê-lo novamente em boa testemunha das misericórdias divinas.

Assim é, em breve resumo que mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a riqueza da fé, a vida do cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo. Por isso, só posso concluir tomando minha a súplica contida num dos hinos litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da oração incessante de toda a Igreja: Vem, Espírito Criador, visita as inteligências dos teus, enche de graça celeste os corações que criaste. Em tua escola, faz-nos conhecer o Pai, como também o Filho; faz, enfim, que acreditemos eternamente em Ti, Espírito que procedes de Um e Outro.

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