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Talvez me digam que são poucos os que querem ouvir estas coisas e menos ainda os que desejam pô-las em prática. Consta-me que a liberdade é uma planta forte e sã, que se aclimata mal entre as pedras e os espinhos, ou nos caminhos calcados pelos homens. Já o sabíamos antes de Cristo ter vindo à terra.

Lembremo-nos do Salmo II: Por que se amotinaram as nações, e os povos traçaram planos vãos? Sublevaram-se os reis da terra e os príncipes coligaram-se contra o Senhor e contra o seu Cristo.Como vemos, nada de novo. Opunham-se a Cristo antes de Ele ter nascido; a Ele se opuseram enquanto seus pés pacíficos percorriam os caminhos da Palestina; perseguiram-no depois e agora, atacando os membros do seu Corpo místico e real. Por quê tanto ódio, por quê este encarniçar-se contra a cândida simplicidade, por quê este universal esmagamento da liberdade de cada consciência?

Quebremos as suas cadeias e sacudamos de nós o seu jugo. Quebram o jugo suave, sacodem das costas a sua carga, maravilhosa carga de santidade e justiça, de graça, de amor e paz. Enfurecem-se diante do amor, riem-se da bondade inerme de um Deus que renuncia ao uso das suas legiões de anjos para se defender. Se o Senhor admitisse a barganha, se sacrificasse um punhado de inocentes para satisfazer uma maioria de culpados, ainda poderiam tentar um entendimento com Ele. Mas não é essa a lógica de Deus. Nosso Pai é verdadeiramente pai, e está disposto a perdoar milhares de fautores do mal, se houver somente dez justos. As pessoas dominadas pelo ódio não podem entender esta misericórdia, e afincam-se na sua aparente impunidade terrena, alimentando-se da injustiça.

Aquele que habita nos céus, ri-se, e o Senhor zomba deles. Ele lhes fala então na sua ira, e no seu furor os aterroriza. Como é legítima a ira de Deus, como é justo o seu furor, e como é grande também a sua clemência!

Eu, porém, fui constituído por Ele Rei sobre Sião, seu monte santo, para promulgar a sua Lei. Disse-me o Senhor: Tu és meu filho, eu te gerei hoje. A misericórdia de Deus Pai deu-nos por Rei o seu Filho. Quando ameaça, ao mesmo tempo se enternece: anuncia-nos a sua ira e entrega-nos o seu amor. Tu és meu filho: dirige-se a Cristo e dirige-se a ti e a mim, se estamos decididos a ser alter Christus, ipse Christus, outro Cristo, o próprio Cristo.

As palavras não conseguem acompanhar o coração, que se emociona perante a bondade de Deus. Diz-nos: Tu és meu filho. Não um estranho, não um servo benevolamente tratado, não um amigo, que já seria muito. Filho! Concede-nos livre trânsito para vivermos com Ele a piedade de filhos e também - atrevo-me a afirmar - a desvergonha de filhos de um Pai que é incapaz de lhes negar seja o que for.

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