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Um caminho de fé é um caminho de sacrifício. A vocação cristã não nos tira do nosso lugar, mas exige que abandonemos tudo o que estorva o querer de Deus. A luz que se acende é apenas o princípio; temos que segui-la, se desejamos que essa claridade se torne estrela, e depois sol. Enquanto os Magos estavam na Pérsia - escreve São João Crisóstomo -,não viam senão uma estrela; mas, quando abandonaram a sua pátria, viram o próprio sol da justiça. Pode-se dizer que não teriam continuado a ver a estrela se tivessem permanecido no seu país. Apressemo-nos, pois, nós também; ainda que todos no-lo impeçam, corramos à casa desse Menino.

Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo. Ao ouvir isto, o Rei Herodes perturbou-se, e com ele toda a cidade de Jerusalém. Ainda hoje se repete a cena. Perante a grandeza de Deus, perante a decisão, seriamente humana e profundamente cristã, de viver de modo coerente com a fé. Não faltam pessoas que se enchem de estranheza, e até se escandalizam e se desconcertam. Dir-se-ia que não concebem outra realidade além das que cabem em seus estreitos horizontes terrenos. Perante os gestos de generosidade que percebem na conduta dos que ouviram a chamada do Senhor, sorriem com displicência, assustam-se, ou então - em casos que parecem verdadeiramente patológicos - concentram todo o seu esforço em impedir a santa determinação que uma consciência tomou com a mais plena liberdade.

Já tive ocasião de presenciar uma espécie de mobilização geral contra os que haviam decidido dedicar toda a sua vida ao serviço de Deus e dos demais homens. Há gente persuadida de que o Senhor não pode escolher seja quem for sem lhes pedir autorização, e de que o homem não é capaz de responder sim ou não ao Amor, com a mais plena liberdade. Para quem raciocina nesses termos, a vida sobrenatural de cada alma é algo secundário; pensam que merece atenção, mas só depois de satisfeitos os pequenos comodismos e egoísmos humanos. Se fosse assim, que restaria do cristianismo? As palavras de Jesus, amorosas e exigentes ao mesmo tempo, serão só para ouvir, ou para ouvir e pôr em prática? Ele disse: Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.

Nosso Senhor dirige-se a todos os homens, para que caminhem ao seu encontro, para que sejam santos. Não chama só os Reis Magos, que eram sábios e poderosos; antes disso, tinha enviado aos pastores de Belém, não já uma estrela, mas um de seus anjos. No entanto, quer uns quer outros - sejam pobres ou ricos, sábios ou menos sábios - devem fomentar na sua alma uma disposição humilde que permita escutar a voz de Deus.

Consideremos o caso de Herodes: era um poderoso da terra, e tem às suas ordens a colaboração dos sábios: Reunindo todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Messias.Seu poder e sua ciência não o levam a reconhecer Deus. Para o seu coração empedernido, o poder e a ciência são instrumentos da maldade: o desejo inútil de aniquilar Deus, o desprezo pela vida de um punhado de crianças inocentes.

Continuemos a ler o Santo Evangelho: Eles responderam: em Belém de Judá, pois assim está escrito pelo profeta. “E tu, Belém, terra de Judá, não és certamente a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que apascentará meu povo de Israel” Não nos podem passar despercebidos estes detalhes de misericórdia divina: aquele que vinha redimir o mundo nasce numa aldeia perdida. É que Deus não faz distinção de pessoas , como nos repete insistentemente a Escritura. Ao convidar uma alma a uma vida de plena coerência com a fé, não se detém em méritos de fortuna, em títulos de nobreza, em altos graus de ciência. A vocação precede todos os méritos: A estrela que tinham visto no Oriente precedia-os, até que, chegando sobre o lugar onde estava o Menino, se deteve.

A vocação está em primeiro lugar; Deus nos ama antes de que saibamos sequer dirigir-nos a Ele, e deposita em nós o amor com que podemos corresponder-lhe. A bondade paternal de Deus corre ao nosso encontro. Nosso Senhor não se limita a ser justo; vai muito mais longe: é misericordioso. Não espera que o procuremos; antecipa-se, com manifestações inequívocas de carinho paternal.

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