Por que nasceu o Opus Dei?

Poderia explicar qual é a missão central e os objetivos do Opus Dei? Em que precedentes baseou suas idéias sobre a Associação? Ou é o Opus Dei algo único, totalmente novo dentro da Igreja e da Cristandade? Pode ser comparado às ordens religiosas e aos institutos seculares, ou a associações católicas do tipo, por exemplo, da "Holy Name Society", os "Cavaleiros de Colombo", o "Christopher Movement", etc?

O Opus Dei tem por fim promover entre pessoas de todas as classes da sociedade o desejo da plenitude da vida cristã no meio do mundo. Quer dizer, o Opus Dei pretende ajudar as pessoas que vivem no mundo — o homem vulgar, o homem da rua — a levar uma vida plenamente cristã, sem modificar seu modo normal de vida, nem seu trabalho ordinário, nem suas aspirações e anseios.

Por isso se pode dizer, como escrevi há muitos anos, que o Opus Dei é velho como o Evangelho e, como o Evangelho, novo. É lembrar aos cristãos as maravilhosas palavras que se lêem no Gênesis: Deus criou o homem para trabalhar. Detivemo-nos no exemplo de Cristo, que passou quase toda a vida na terra trabalhando como artesão numa aldeia. O trabalho não é apenas um dos mais altos valores humanos e meio com que os homens devem contribuir para o progresso da sociedade; é também caminho de santificação.

A que outras organizações poderíamos comparar o Opus Dei? Não é fácil encontrar uma resposta, porque, ao tentar comparar entre si organizações de finalidades espirituais, corre-se o risco de ficar nos traços externos ou nas denominações jurídicas, esquecendo o mais importante: o espírito que dá vida e razão de ser a todo o trabalho.

Limitar-me-ei a dizer-lhes que, relativamente às organizações que mencionou, o Opus Dei está muito longe das ordens religiosas e dos institutos seculares, e mais próximo de instituições como a Holy Name Society.

O Opus Dei é uma organização internacional de leigos, a que também pertencem sacerdotes seculares (uma exígua minoria em comparação com o total de sócios). Seus sócios são pessoas que vivem no mundo e nele exercem a sua profissão ou ofício. Não entram no Opus Dei para abandonar esse trabalho, antes, pelo contrário, para encontrar uma ajuda espiritual que os leve a santificar o seu trabalho ordinário e a convertê-lo também em meio de santificar-se e de ajudar os outros a santificar-se. Não mudam de estado — continuam a ser solteiros, casados, viúvos ou sacerdotes —, mas procuram servir a Deus e aos outros homens dentro do seu próprio estado. O Opus Dei não está interessado em votos ou promessas; o que pede aos seus sócios é que, no meio das deficiências e erros próprios de toda a vida humana, se esforcem por praticar as virtudes humanas e cristãs, sabendo-se filhos de Deus.

Se se quer procurar um termo de comparação, o modo mais fácil de entender o Opus Dei é pensar na vida dos primeiros cristãos. Eles viviam profundamente a sua vocação cristã; procuravam seriamente a perfeição a que estavam chamados pelo fato, simples e sublime, do Batismo. Não se distinguiam exteriormente dos demais cidadãos. Os sócios do Opus Dei são pessoas comuns; desenvolvem um trabalho corrente; vivem no meio do mundo de acordo com o que são: cidadãos cristãos que querem corresponder cabalmente às exigências da sua fé.

Permita-me que insista na questão dos Institutos Seculares. Li num estudo de um conhecido canonista, o Dr. Julián Herranz, que alguns desses Institutos são secretos e que muitos outros se identificam praticamente com as Ordens Religiosas — usando hábito, abandonando o trabalho profissional para se dedicarem às mesmas finalidades a que se dedicam os religiosos, etc. — chegando ao ponto de os seus membros não terem inconveniente em se considerarem eles próprios religiosos. Que pensa deste assunto?

Com efeito, o estudo sobre os Institutos Seculares a que v. se refere teve ampla difusão entre os especialistas. O Dr. Herranz exprime, sob sua responsabilidade pessoal, uma tese bem documentada. Quanto às conclusões desse trabalho, prefiro não falar.

Direi apenas que todo esse modo de proceder nada tem a ver com o Opus Dei, que nem é secreto nem é de modo algum comparável, pelo seu trabalho ou pela vida de seus sócios, aos religiosos. Os sócios do Opus Dei são, como acabo de dizer, cidadãos iguais aos outros, que exercem livremente todas as profissões e todas as tarefas humanas que sejam honestas.

Poderia descrever como se desenvolveu e evoluiu o Opus Dei desde a sua fundação, tanto na sua natureza como nos seus objetivos, num período que presenciou uma enorme mudança dentro da própria Igreja?

Desde o primeiro momento, o único objetivo do Opus Dei foi o que acabo de descrever: contribuir para que houvesse no meio do mundo homens e mulheres de todas as raças e condições sociais que procurassem amar e servir a Deus e aos demais homens em e através do seu trabalho cotidiano. Com o começo da obra, em 1928, o que preguei foi que a santidade não é coisa para privilegiados, pois podem ser divinos todos os caminhos da terra, todos os estados, todas as profissões, todas as tarefas honestas. As implicações desta mensagem são muitas, e a experiência da vida da Obra ajudou-me a conhecê-las cada vez com maior profundidade e riqueza de matizes.

A Obra nasceu pequena e foi crescendo normalmente, de uma maneira gradual e progressiva, como cresce um organismo vivo, como tudo que se desenvolve na História. Mas seu objetivo e razão de ser não mudou e não mudará, por muito que possa mudar a sociedade, porque a mensagem do Opus Dei é que se pode santificar qualquer trabalho honesto, sejam quais forem as circunstâncias em que se desenvolve.

Hoje fazem parte da Obra pessoas de todas as profissões: não apenas médicos, advogados, engenheiros e artistas, mas também pedreiros, mineiros, camponeses; qualquer profissão — desde diretores de cinema e pilotos de jatos até cabeleireiras de alta moda. Para os sócios do Opus Dei, o estar em dia e compreender o mundo moderno é coisa natural e instintiva, porque são eles — junto com os demais cidadãos, iguais a eles — quem faz nascer esse mundo e os torna moderno.

Sendo este o espírito da nossa Obra, compreenderá que foi uma grande alegria para nós ver como o Concílio declarava solenemente que a Igreja não rejeita o mundo em que vive, nem seu progresso e desenvolvimento, mas o compreende e ama. Aliás, uma das características centrais da espiritualidade que os s ócios da Obra se esforçam por viver — há quase 40 anos — é saberem-se ao mesmo tempo parte da Igreja e do Estado, assumindo cada um plenamente e com toda a liberdade a sua responsabilidade individual de cristão e de cidadão.

Poderia descrever as diferenças que existem entre o modo como o Opus Dei enquanto associação cumpre a sua missão, e a forma de os sócios do Opus Dei como indivíduos cumprirem as suas? Por exemplo, que critérios permitem considerar preferível que um projeto seja realizado pela Associação — um colégio ou uma casa de retiros —, ou então por pessoas individuais — como uma empresa editorial ou comercial?

A atividade principal do Opus Dei consiste em dar aos seus sócios, e às pessoas que o desejem, os meios espirituais necessários para viverem como bons cristãos no meio do mundo. Dá-lhes a conhecer a doutrina de Cristo, os ensinamentos da Igreja; Proporciona-lhes um espírito que os impele a trabalhar bem, por amor de Deus e a serviço de todos os homens. Trata-se, numa palavra, de se comportarem como cristãos: convivendo com todos, respeitando a legítima liberdade de todos e fazendo com que este nosso mundo seja mais justo.

Cada um dos sócios ganha a vida e serve a sociedade com a profissão que tinha antes de entrar no Opus Dei e que exerceria se não pertencesse à Obra. Assim, uns são mineiros, outros ensinam em escolas ou Universidades, outros são comerciantes, donas de casa, secretárias, camponeses. Não há nenhuma atividade humana nobre que um sócio do Opus Dei não possa exercer. Aquele que, por exemplo, antes de pertencer à nossa Obra trabalhava numa atividade editorial ou comercial, continuará a ocupar-se dessa tarefa depois. E se, a propósito desse trabalho ou de outro qualquer, procura um novo emprego, ou decide com seus colegas de profissão fundar uma empresa, é coisa que cabe a ele decidir livremente, aceitando e responsabilizando-se pessoalmente pelos resultados do seu trabalho.

Toda a atuação dos diretores do Opus Dei se baseia num delicado respeito pela liberdade profissional dos sócios: é este um ponto de importância capital, de que depende a própria existência da Obra, e que portanto se vive com fidelidade absoluta. Cada sócio pode trabalhar profissionalmente nos mesmos campos em que trabalharia se não pertencesse ao Opus Dei, de maneira que nem o Opus Dei como tal nem nenhum dos outros sócios têm nada a ver com o trabalho profissional que esse sócio desenvolve. Ao vincular-se à Obra, os sócios comprometem-se, sim, a esforçar-se por procurar a perfeição cristã no seu trabalho e por meio dele, e a ganhar uma consciência mais clara do caráter do serviço à humanidade que toda a vida cristã deve ter.

A principal meta da Obra — já o disse antes — é, pois, a de formar cristãmente seus sócios e outras pessoas que pretendam essa formação. O desejo de contribuir para a solução dos problemas que afetam a sociedade, campo em que o ideal cristão pode ser de tanta ajuda, leva além disso a Obra como tal, corporativamente, a desenvolver algumas atividades e iniciativas. O critério neste terreno é que o Opus Dei, que tem fins exclusivamente espirituais, só pode realizar corporativamente atividades que constituam de um modo claro e imediato um serviço cristão, um apostolado. Seria um absurdo pensar que o Opus Dei como tal pudesse dedicar-se a extrair carvão das minas ou a promover qualquer gênero de empresas de tipo econômico. Suas obras corporativas são todas atividades diretamente apostólicas: uma escola para formação de agricultores, um dispensário médico numa zona ou num pais subdesenvolvido, um colégio para a promoção social da mulher, etc. Quer dizer, obras assistenciais, educativas ou de beneficência, como as que costumam realizar em todo o mundo instituições de qualquer credo religioso.

Para levar avante essas iniciativas, conta-se em primeiro lugar com o trabalho pessoal dos sócios, que por vezes a elas se dedicam plenamente. E também com a ajuda generosa de tantas pessoas, cristãs ou não. Uns sentem-se impelidos a colaborar por motivos espirituais; outros porque, mesmo sem compartilharem dos fins apostólicos, compreendem que se trata de iniciativas em benefício da sociedade, aberta a todos, sem discriminação alguma de raça, de religião ou ideologia.

Considerando que há sócios do Opus Dei nas mais diversas camadas da sociedade e que alguns deles trabalham ou dirigem empresas ou grupos de certa importância, pode-se pensar que o Opus Dei procura coordenar essas atividades de acordo com uma linha política, econômica, etc.?

De maneira nenhuma. O Opus Dei não intervém para nada em política; é absolutamente alheio a qualquer tendência, grupo ou regime político, econômico, cultural ou ideológico. Seus fins — repito — são exclusivamente espirituais e apostólicos. De seus sócios exige apenas que vivam cristãmente, que se esforcem por ajustar suas vidas ao ideal do Evangelho. Não se imiscui, pois, de maneira nenhuma nas questões temporais.

Se alguém não entender isto, talvez seja porque não compreende a liberdade pessoal ou não consegue distinguir entre os fins exclusivamente espirituais que levam os sócios da obra a associar-se e o vastíssimo campo das atividades humanas — a economia, a política, a cultura, a arte, a filosofia, etc. — em que os sócios do Opus Dei gozam de plena liberdade e trabalham sob a sua própria responsabilidade.

Desde os seus primeiros contactos com a obra, todos os sócios conhecem bem a realidade da sua liberdade individual, de modo que se em algum caso um deles tentasse pressionar os outros, impondo suas próprias opiniões em matéria política, ou servir-se deles para interesses humanos, os outros se insurgiriam e o expulsariam imediatamente.

O respeito à liberdade de seus sócios é condição essencial para a própria existência do Opus Dei. Sem isso, ninguém viria à Obra. Mais ainda: se alguma vez ocorresse — não aconteceu,, não acontece e, com a ajuda de Deus, não acontecerá nunca — uma intromissão do Opus Dei na política ou em algum outro campo das atividades humanas, o primeiro inimigo da Obra seria eu.

A Associação insiste na liberdade dos sócios para exprimir as convicções que nobremente defendem. Mas, voltando ao tema de outro ponto de vista, ate que ponto pensa que o Opus Dei esteja moralmente obrigado, como Associação, a manifestar pública ou privadamente opiniões sobre assuntos cruciais seculares ou espirituais? Há situações em que o Opus Dei lance mão da sua influência e da de seus sócios em defesa de princípios que considere sagrados, como por exemplo, recentemente, em apoio da legislação sobre liberdade religiosa na Espanha?

No Opus Dei procuramos sempre e em tudo sentir com a Igreja de Cristo: não temos outra doutrina fora daquela que a Igreja ensina a todos os fiéis. A única coisa que nos é peculiar é um espírito próprio, característico do Opus Dei; isto é, um modo específico de viver o Evangelho, santificando-nos no mundo e realizando o apostolado através da profissão.

Daí se conclui imediatamente que todos os sócios do Opus Dei têm a mesma liberdade que os outros católicos para formarem livremente suas opiniões e atuarem em conseqüência. Por isso o Opus Dei como tal não deve nem pode expressar uma opinião própria, nem a pode ter. Se se trata de uma questão que tenha sido objeto de uma doutrina definida pela Igreja, a opinião de cada um dos sócios da Obra será essa. Se se trata de uma questão sobre a qual o Magistério — o Papa e os Bispos — não se pronunciou, cada um dos sócios do Opus Dei terá e defenderá livremente a opinião que lhe parecer melhor e atuará em consonância.

Por outras palavras, o princípio que regula a atitude dos diretores do Opus Dei neste campo é o do respeito à liberdade de opção nos assuntos temporais. Coisa que é bem diferente do abstencionismo, pois cada sócio é colocado em face das suas próprias responsabilidades e convidado a assumi-las segundo a sua consciência, com liberdade de ação. Por isso é uma incongruência mencionar o Opus Dei quando se fala de partidos, de grupos ou de tendências políticas, ou, em geral, de tarefas e empresas humanas; Mais ainda, é injusto e próximo da calúnia, pois pode levar ao erro de se deduzir falsamente que os sócios da Obra têm em comum determinada ideologia, mentalidade ou interesse temporal.

Certamente os sócios são católicos, e católicos que procuram ser conseqüentes com sua fé. Pode-se qualificá-los como tais, se se quiser. Mas tendo bem em conta que o fato de ser católico não significa formar grupo, nem sequer no terreno cultural ideológico, quanto mais no político. Desde o princípio da Obra, não apenas desde o Concílio, procurou-se viver um catolicismo aberto, que defende a legítima liberdade das consciências, que leva a tratar com caridade fraterna todos os homens, sejam ou não católicos, e a colaborar com todos, participando das diversas aspirações nobres que movem a humanidade. Consideremos um exemplo. Ante o problema racial dos Estados Unidos, cada sócio da Obra terá presente os ensinamentos claros da doutrina cristã sobre a igualdade de todos os homens e a injustiça de qualquer discriminação. Conhecerá igualmente — e sentir-se-á obrigado a perfilhar — as indicações específicas dos bispos norte-americanos sobre o problema. Defenderá, portanto, os legítimos direitos de todos os cidadãos e opor-se-á a qualquer situação ou projeto discriminatório. Terá em conta, além disso, que um cidadão não deve contentar-se com respeitar os direitos dos outros homens, mas precisa ver — em todos — irmãos a quem deve um amor sincero e um serviço desinteressado.

Na formação que o Opus Dei proporciona a seus sócios, insistir-se-á mais nestas idéias nesse país que em outros onde o problema não se apresenta ou se apresenta com menos urgência. O que o Opus Dei não fará nunca é ditar ou mesmo sugerir uma solução concreta para o problema. A decisão de apoiar um projeto de lei ou outro, de inscrever-se numa associação ou outra — ou de não inscrever-se em nenhuma —, de participar ou não em determinada manifestação é coisa que cada sócio decidirá. E, de fato, comprova-se em toda parte que os sócios do Opus Dei não atuam em bloco, mas com um lógico pluralismo.

Estes mesmos critérios explicam o fato de que tantos espanhóis que pertencem ao Opus Dei sejam favoráveis ao projeto de lei sobre a liberdade religiosa em seu país, tal como foi redigido recentemente. Trata-se obviamente de uma opção pessoal, como também é pessoal a opinião dos que possam criticar esse projeto. Mas todos aprenderam do espírito do Opus Dei a amar a liberdade e a compreender os homens de todas as crenças. O Opus Dei é a primeira Associação católica que, desde 1950, com autorização da Santa Sé, admite como Cooperadores os não-católicos e os não cristãos, sem discriminação alguma, com amor por todos.

Como é natural, o senhor sabe que há setores da opinião pública em que o Opus Dei tem fama de ser de certo modo discutido. Poderia dar-me a sua opinião sobre o motivo e especialmente sobre o modo de responder à acusação de "segredo de conspiração" e de "secreta conspiração" que freqüentemente se faz ao Opus Dei?

Desagrada-me profundamente tudo o que possa ter visos de auto-elogio. Mas, já que me propõe o tema, não posso deixar de lhe dizer que me parece que o Opus Dei é uma das organizações católicas que conta com mais amigos em todo o mundo. Milhões de pessoas, entre os quais muitos não católicos e não cristãos, a estimam e ajudam.

Por outro lado, o Opus Dei é uma organização espiritual e apostólica. Quem se esquecer deste fato fundamental — ou se negar a crer na boa-fé dos sócios do Opus Dei que assim o afirmam —, será incapaz de entender o que fazem. Ante a impossibilidade de compreender, inventam-se versões complicadas e segredos que nunca existiram.

O senhor fala da acusação de segredo. É uma história já antiga. Poderia dizer-lhe, ponto por ponto, qual a origem histórica dessa acusação caluniosa. Durante muitos anos, uma poderosa organização da qual prefiro não falar — nós a amamos e a temos amado sempre — dedicou-se a falsear o que não conhecia. Insistiam em considerar-nos como religiosos e perguntavam a si mesmos: porque não pensam todos do mesmo modo? Porque não andam de hábito ou trazem um distintivo? E ilogicamente concluíram que constituíamos uma sociedade concreta.

Hoje isso passou, e uma pessoa medianamente informada sabe que não há segredo algum. Sabe que não trazemos distintivos porque não somos religiosos, mas simples cristãos; que não pensamos todos da mesma maneira, porque admitimos o maior pluralismo em tudo o que é temporal e nas questões teológicas de livre opinião. Um melhor conhecimento da realidade e a superação de ciúmes infundados permitiram que se encerrasse essa triste e caluniosa situação.

Não é, no entanto, para estranhar que, de vez em quando, alguém renove os velhos mitos: como procuramos trabalhar por Deus, defendendo a liberdade pessoal de todos os homens, sempre teremos contra nós os sectários, inimigos dessa liberdade pessoal, seja de que campo forem, tanto mais agressivos quanto menos puderem suportar a simples idéia de religião ou, pior ainda, se se apoiarem num pensamento religioso de tipo fanático.

Não obstante, são felizmente em maior número as publicações que não se contentam com a repetição de coisas velhas e falsas; que têm a clara consciência de que ser imparcial não é difundir coisas a meio caminho entre a realidade e a calúnia, sem um esforço por refletir a verdade objetiva. Pessoalmente, penso que também é notícia dizer a verdade, especialmente quando se trata de informar sobre a atividade de tantas pessoas que, pertencendo ao Opus Dei ou colaborando com ele, se esforçam,, apesar dos erros pessoais — eu os tenho, e não estranho que os outros também os tenham —, por realizar uma tarefa de serviços a todos os homens. Desmontar um falso mito é sempre interessante. Considero que é um dever grave do jornalista documentar-se bem e manter atualizadas suas informações, ainda que às vezes isso leve a modificar juízos feitos anteriormente. Será assim tão difícil admitir que uma coisa é límpida, nobre e boa, sem reviver absurdas, velhas e desacreditadas falsidades?

Informar-se sobre o Opus Dei é bem simples. Em todos os países a Obra trabalha à luz do dia, com o reconhecimento jurídico das autoridades civis e eclesiásticas. São perfeitamente conhecidos os nomes de seus diretores e de suas obras apostólicas. Quem quer que deseje informações sobre a nossa Obra pode obtê-las sem dificuldade, entrando em contacto com seus diretores ou apresentando-se em alguma de nossas obras corporativas. O senhor mesmo pode ser testemunha de que nunca nenhum dos dirigentes do Opus Dei, ou dos que recebem os jornalistas, deixou de lhes facilitar a tarefa informativa, respondendo às suas perguntas ou entregando-lhes a documentação adequada.

Nem eu nem nenhum dos sócios do Opus Dei pretendemos que toda a gente nos compreenda ou compartilhe dos nossos ideais espirituais. Sou muito amigo da liberdade e de que cada um siga o seu caminho. Mas é evidente que temos o direito elementar de ser respeitados.

Como explica o imenso êxito do Opus Dei e por que critérios mede o senhor esse êxito?

Quando um empreendimento é sobrenatural, pouco importam o êxito ou o fracasso, tal como se costumam entender vulgarmente. Já dizia São Paulo aos cristãos de Corinto que, na vida espiritual, o que interessa não é o juízo dos outros, nem o nosso próprio, mas o juízo de Deus.

É verdade que a Obra está hoje universalmente estendida: a ela pertencem homens e mulheres de cerca de 70 nacionalidades. Ao pensar nesse fato, eu mesmo me surpreendo. Não encontro para isso explicação humana alguma, a não ser a vontade de Deus, pois o Espírito sopra onde quer e serve-se de quem quer para levar a cabo a santificação dos homens. Tudo isso é para mim ocasião de ação de graças, de humildade e de oração a Deus, para saber sempre servi-Lo.

Pergunta-me também qual é o critério pelo qual meço e julgo as coisas. A resposta é muito simples; santidade, frutos de santidade.

O apostolado mais importante do Opus Dei é aquele que cada sócio realiza através do testemunho de sua vida e com a sua palavra, no convívio diário com seus amigos e colegas de profissão. Quem pode medir a eficácia sobrenatural deste apostolado calado e humilde? não se pode avaliar a ajuda que representa o exemplo de um amigo leal e sincero, ou a influência de uma boa mãe no seio da família.

Mas talvez a sua pergunta se refira aos apostolados corporativos que o Opus Dei leva a cabo, na suposição de que, neste caso, se podem medir os resultados do ponto de vista humano, técnico: se uma escola de capacitação operária consegue promover socialmente os homens que a freqüentam, se uma universidade dá a seus estudantes uma formação profissional e cultural adequadas. Admitindo que a sua pergunta tenha esse sentido, dir-lhe-ei que o resultado se pode explicar, em parte, por se tratar de tarefas realizadas por pessoas que as executam como atividade profissional específica, para a qual se prepararam como todo aquele que deseja realizar um trabalho sério. Isto quer dizer, entre outras coisas, que não se promovem essas obras de acordo com esquemas preconcebidos, mas que em cada caso se estudam as necessidades peculiares da sociedade em que se vão inserir, para adaptá-las às exigências reais.

Mas repito-lhe que o Opus Dei não se interessa primordialmente pela eficácia humana. O êxito ou o fracasso real desses trabalhos depende de que, sendo humanamente bem feitos, sirvam ou não para que, tanto os que realizam essas atividades como os que delas se beneficiem, amem a Deus, sintam-se irmãos de todos os demais homens e manifestem estes sentimentos num serviço desinteressado à humanidade.

Poderia descrever como e por que fundou o Opus Dei, e os acontecimentos que considera marcos mais importantes do seu desenvolvimento?

Por quê? As obras que nascem da vontade de Deus não têm outro porquê senão o desejo divino de utilizá-las como expressão da Sua vontade salvífica universal. Desde o primeiro momento, a Obra era universal e católica. Não nascia para dar solução aos problemas concretos da Europa dos anos vinte, mas para dizer aos homens e mulheres de todos os países, de qualquer condição, raça, língua ou ambiente — e de qualquer estado: solteiros, casados, viúvos, sacerdotes —, que podiam amar e servir a Deus, sem deixarem de viver no seu trabalho ordinário, com sua família, em suas variadas e normais relações sociais.

Como se fundou? Sem nenhum meio humano. Eu tinha apenas 26 anos, graça de Deus e bom-humor. A Obra nasceu pequena: não era senão o anseio de um jovem sacerdote, que se esforçava por fazer o que Deus lhe pedia.

Pergunta-me por marcos. Para mim, marco fundamental na Obra é qualquer momento, qualquer instante em que, através do Opus Dei, uma alma se aproxima de Deus, fazendo-se assim mais irmão de seus irmãos, os homens.

Talvez quisesse que lhe falasse dos pontos cruciais cronológicos. Ainda que não sejam os mais importantes, dir-lhe-ei de memória umas datas, mais ou menos aproximadas. Já nos primeiros meses de 1935, estava tudo preparado para se começar a trabalhar na França, concretamente em Paris. Mas vieram, primeiro a guerra civil espanhola, e depois a segunda guerra mundial, e foi preciso adiar a expansão da Obra. Como esse desenvolvimento era necessário, o adiamento foi mínimo. Já em 1940 se iniciava o trabalho em Portugal. Quase ao mesmo tempo em que cessavam as hostilidades, com algumas viagens prévias nos anos anteriores, começou-se na Inglaterra, França, Itália, Estados Unidos e México. Depois a expansão adquire um ritmo progressivo. A partir de 1949 e 1950: na Alemanha, Holanda, Suíça, Argentina, Canadá, Venezuela e os restantes países europeus e americanos. Ao mesmo tempo, o trabalho vai-se estendendo a outros continentes: o norte da África, o Japão, o Quênia, a Austrália, as Filipinas, a Nigéria, etc.

Também gosto de recordar especialmente, como datas principais, as contínuas ocasiões em que se manifestou de um modo palpável o afeto dos Sumos Pontífices pela nossa Obra. Resido estavelmente em Roma desde 19486, e assim tive ocasião de conhecer e tratar com Pio XII, João XXIII, e Paulo VI. Em todos encontrei sempre o afeto de um pai.

Estaria de acordo com a afirmação, feita alguma vez, de que o ambiente peculiar da Espanha durante os últimos trinta anos facilitou o crescimento da Obra em seu país?

Em poucos lugares deparamos com menos facilidades do que na Espanha. É o país — sinto dizê-lo, porque amo profundamente a minha pátria — em que mais trabalho e sofrimento custou fazer que a Obra ganhasse raízes. Mal nasceu, encontrou logo a oposição dos inimigos da liberdade individual e de pessoas tão aferradas às idéias tradicionais, que não podiam compreender a vida dos sócios do Opus Dei: cidadãos comuns que se esforçam por viver plenamente a sua vocação cristã sem deixarem o mundo.

As obras corporativas de apostolado também não encontraram especiais facilidades na Espanha. Governos de países onde a maioria de cidadãos não são católicos auxiliaram, com muito mais generosidade que o Estado Espanhol, as atividades docentes e beneficentes promovidas por sócios da Obra. A ajuda que esses governos concedem ou podem conceder às obras corporativas do Opus Dei, como fazem de modo habitual com outras semelhantes, não representa um privilégio, mas simplesmente o reconhecimento da função social que desempenham, poupando dinheiro ao erário público.

Na sua expansão internacional, o espírito do Opus Dei encontrou eco imediato e profunda acolhida em todos os países. Se tropecei com dificuldades, foi pelas falsidades que vinham precisamente da Espanha e inventadas por espanhóis, por alguns setores muito concretos da sociedade espanhola. Em primeiro lugar, a organização internacional de que lhe falava; mas parece não haver dúvidas de que isso é coisa do passado, e eu não guardo rancor de ninguém. Depois, algumas pessoas que não entendem o pluralismo, que adotam atitudes de grupo, quando não caem numa mentalidade estrita ou totalitária, e que se servem do nome de católicos para fazer política. Alguns deles, não consigo perceber porquê — talvez por falsas razões humanas —, parecem sentir um prazer especial em atacar o Opus Dei, e, como dispõem de grandes meios econômicos — o dinheiro dos contribuintes espanhóis —, seus ataques podem ser acolhidos por certa imprensa.

Dou-me conta perfeitamente de que o senhor está esperando que lhe cite nomes de pessoas e instituições. Não lhos darei, e espero que compreenda a razão. Nem a minha missão nem a da Obra são políticas; meu ofício é rezar. E não quero dizer nada que possa interpretar-se como uma intervenção na política. Mais ainda, dói-me muito falar de tudo isto. Calei-me durante quase 40 anos e, se agora digo alguma coisa é porque tenho a obrigação de denunciar como absolutamente falsas as interpretações torcidas que alguns tentam dar a um trabalho que é exclusivamente espiritual. Por isso, embora me tenha calado até agora, daqui em diante falarei, e se necessário, cada vez com mais clareza.

Mas, voltando ao tema central da sua pergunta, se muitas pessoas de todas as classes sociais, incluída a Espanha, procuraram seguir Cristo com ajuda da Obra e de acordo com o seu espírito, não se pode procurar a explicação no ambiente ou em outros motivos extrínsecos. prova disso é que os que afirmam o contrário com tanta leviandade vêem diminuir seus próprios grupos; e as causas exteriores são as mesmas para todos. Talvez seja também porque, falando em termos humanos, eles formam grupos e nós não tiramos a liberdade pessoal de ninguém.

Se o Opus Dei está bem desenvolvido na Espanha — como também em algumas outras nações —, isso se pode dever em parte ao fato de o nosso trabalho espiritual se ter iniciado lá há 40 anos, e — como já lhe expliquei — a guerra civil espanhola e depois a guerra mundial terem feito necessário adiar o começo da obra em outros países. Quero fazer constar, não obstante, que já há vários anos os espanhóis são minoria na Obra.

Não pense, repito, que não amo o meu país, ou que não me alegra profundamente o trabalho que a Obra lá realiza, mas é triste que haja quem propague equívocos sobre o Opus Dei e a Espanha.

Referências da Sagrada Escritura
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