O que é o Opus Dei

O Opus Dei ocupa um lugar de primeira plana no processo moderno de evolução do laicato; quereríamos, por isso, perguntar-lhe antes de mais, quais são, em seu entender, as características mais notáveis deste processo.

Sempre pensei que a característica fundamental do processo de evolução do laicato é a consciencialização da dignidade da vocação cristã. O chamado de Deus, o caráter batismal e a graça, fazem que cada cristão possa e deva encarnar plenamente a fé. Cada cristão deve ser alter Christus, ipse Christus — outro Cristo, o próprio Cristo —, presente entre os homens. Disse-o o Santo Padre em termos inequívocos: "É necessário voltar a dar toda a sua importância ao fato de o cristão haver recebido o santo batismo, isto é, ao fato de ter sido enxertado, mediante esse sacramento, no corpo místico de Cristo, que é a Igreja… O fato de ser cristão, de se haver recebido o batismo, não deve ser considerado como indiferente ou sem valor, antes deve marcar profunda e ditosamente a consciência de todo o batizado" (Ecclesiam suam, I).

Isto traz como conseqüência uma visão mais profunda da Igreja, como comunidade formada por todos os fiéis, sendo todos nós solidários de uma mesma missão, que cada um deve realizar de acordo com as suas circunstâncias pessoais. Os leigos, graças aos impulsos do Espírito Santo, são cada vez mais conscientes de serem Igreja, de terem uma missão específica, sublime e necessária, já que foi querida por Deus. E sabem que essa missão depende da sua própria condição de cristãos; não necessariamente de um mandato da Hierarquia, embora seja evidente que devem, levá-la a cabo em união com a Hierarquia eclesiástica e segundo os ensinamentos do Magistério: sem união do Corpo episcopal e com a sua Cabeça, o Romano Pontífice, não pode haver, para um católico, união com Cristo. O modo específico de os leigos contribuírem para a santidade e o apostolado da Igreja é a ação livre e responsável no seio das estruturas temporais, a elas levando o fermento da mensagem cristã. O testemunho de vida cristã, a palavra que ilumina em nome de Deus, e a ação responsável, a serviço dos outros e como contributo para a solução dos problemas comuns, são outras tantas manifestações dessa presença através da qual o simples cristão cumpre a missão para que Deus o chamou.

Faz muitíssimos anos, desde a própria data da fundação do Opus Dei, meditei e fiz meditar umas palavras de Cristo relatadas por São João: "E eu, quando for levantado sobre a terra, atrairei tudo a Mim" (Jo 12, 32). Cristo, ao morrer na Cruz, atrai a Si a criação inteira; e, em seu nome, os cristãos, trabalhando em meio ao mundo, hão de reconciliar todas as coisas com Deus, colocando Cristo no cume de todas as atividades humanas.

Gostaria de acrescentar que, a partir desta consciencialização dos leigos, está se produzindo um desenvolvimento análogo da sensibilidade dos pastores. Apercebem-se do elemento específico da vocação laical, que deve ser promovida e favorecida mediante uma pastoral que leve a descobrir no meio do Povo de Deus o carisma da santidade e do apostolado, nas infinitas e diversíssimas formas em que Deus o concede.

Esta nova pastoral é muito exigente, mas, a meu ver, absolutamente necessária. Requer o dom sobrenatural do discernimento de espíritos, a sensibilidade para as coisas de Deus, a humildade de não impor as preferências pessoais e de colocar-se a serviço daquilo que Deus promove nas almas. Numa palavra: o amor à legítima liberdade dos filhos de Deus, que encontram Cristo e são feitos portadores de Cristo, percorrendo caminhos muitos diversos entre si, mas todos igualmente divinos.

Um dos maiores perigos que hoje ameaçam a Igreja poderia ser precisamente o de não reconhecer essas exigências divinas da liberdade cristã; e, deixando-se levar por falsas razões de eficácia, pretender impor uma uniformidade aos cristãos. Na raiz dessas atitudes encontra-se algo não só legítimo como digno de encômios: o desejo de que a Igreja dê um testemunho tal, que comova o mundo moderno. Temo, porém que o caminho seja errado e que leve, por um lado, a comprometer a Hierarquia em questões temporais, caindo num clericalismo diverso, mas tão nefando como o dos séculos passados; e por outro, a isolar os leigos, os simples cristãos, separando-os do mundo em que vivem para convertê-los em porta-vozes de decisões ou idéias concebidas fora desse mundo.

Parece-me que o que se espera de nós, sacerdotes é a humildade de aprendermos a não estar na moda, sendo realmente servos dos servos de Deus — lembrando-nos daquele grito de João Batista: illum oportet crescere, me autem minui (Jo 3, 30), convém que Cristo cresça e que eu diminua —, para que os cristãos correntes, os leigos, tornem Cristo presente em todos os ambientes da sociedade. A missão de dar doutrina, de ajudar a penetrar nas exigências pessoais e sociais do Evangelho, de levar a discernir os sinais dos tempos — é e será sempre uma das tarefas fundamentais do sacerdote. No entanto, toda a atividade sacerdotal deve ser realizada dentro do maior respeito pela legítima liberdade das consciências; cada homem deve responder a Deus livremente. Aliás, qualquer católico, além dessa ajuda do sacerdote, tem ainda luzes próprias que recebe de Deus, graça de estado para levar avante a missão específica que recebeu, como homem e como cristão.

Se alguém pensa que, para a voz de Cristo se fazer ouvir no mundo de hoje, é necessário que o clero fale ou marque sempre sua presença — é porque ainda não entendeu bem a dignidade da vocação divina de todos e de cada um dos fiéis cristãos.

Dentro dessa panorâmica, qual a tarefa que o Opus Dei tem realizado e realiza? Que relações de colaboração mantêm seus sócios com outras organizações que trabalham nesse campo?

Não compete a mim emitir um juízo histórico sobre o que o Opus Dei tem feito por graça de Deus. Apenas devo afirmar que a finalidade a que o Opus Dei aspira é favorecer a procura da santidade e o exercício do apostolado por parte dos cristãos que vivem em meio do mundo, seja qual for seu estado ou condição.

A Obra nasceu a fim de contribuir para que esses cristãos, inseridos no tecido da sociedade civil — com sua família, suas amizades, seu trabalho profissional, suas aspirações nobres — compreendam que a sua vida, tal como é, pode vir a ser ocasião de um encontro com Cristo: quer dizer, que é um caminho de santidade e de apostolado. Cristo está presente em qualquer tarefa humana honesta: a vida de um simples cristão — que talvez a alguns pareça vulgar e acanhada — pode e deve ser uma vida santa e santificante.

Por outras palavras: Para seguir a Cristo, para servir a Igreja, para ajudar os outros homens as reconhecerem seu destino eterno, não é indispensável abandonar o mundo ou afastar-se dele, nem mesmo é preciso dedicar-se a uma atividade eclesiástica; a condição necessária e suficiente é esta: que cada um cumpra a missão que lhe foi confiada por Deus, no lugar e no ambiente queridos por sua Providência.

A maior parte dos cristãos recebe de Deus a missão de santificar o mundo de dentro para fora, permanecendo em meio das estruturas temporais; tendo isto em conta, o Opus Dei dedica-se a fazê-los descobrir essa missão divina, mostrando-lhes que a vocação humana — a vocação profissional, familiar e social — não se opõe à vocação sobrenatural: pelo contrário, é parte integrante dela.

O Opus Dei tem como missão única e exclusiva a difusão desta mensagem — que é uma mensagem evangélica — entre todas as pessoas que vivem e trabalham no mundo, em qualquer ambiente ou profissão. E, àqueles que entendem este ideal de santidade, a Obra proporciona os meios espirituais e a formação doutrinal, ascética e apostólica necessária para realizá-lo na própria vida.

Os sócios do Opus Dei não atuam em grupo, mas sim individualmente, com liberdade e responsabilidade pessoais. Por isso, o Opus Dei não é uma organização fechada ou que de algum modo reúna seus sócios para os isolar dos outros homens. As atividades corporativas, que são as únicas que a Obra dirige, estão abertas a todo tipo de pessoas, sem discriminação de espécie alguma: nem social, nem cultural, nem religiosa. E os sócios, precisamente porque devem santificar-se no mundo, colaboram sempre com todas as pessoas com quem se relacionam pelo seu trabalho e pela sua participação na vida cívica.

É parte essencial do espírito cristão não só viver em união com a Hierarquia ordinária — O Romano Pontífice e o Episcopado — mas também sentir a unidade com os demais irmãos na fé. Há muito tempo que penso que um dos maiores males da Igreja nesta época é o fato de muitos católicos desconhecerem o que fazem e pensam os católicos de outros países ou de outros ambientes sociais. É necessário atualizar essa fraternidade, que os primeiros cristãos viviam tão profundamente. Assim nos sentiremos unidos, amando ao mesmo tempo a variedade das vocações pessoais; assim também se evitarão não poucos juízos injustos e ofensivos, propalados por determinados pequenos grupos — em nome do catolicismo — contra seus irmãos na fé, que na realidade agem retamente e com sacrifício, consideradas as circunstâncias particulares do seu país.

É importante que cada um procure ser fiel ao seu próprio chamado divino, de modo a não deixar de trazer à Igreja o que implica o carisma recebido de Deus. O que é próprio dos sócios do Opus Dei — cristãos correntes — é santificar o mundo de dentro para fora, participando nas tarefas humanas as mais diversas. Como o fato de pertencer à Obra não altera em nada sua posição no mundo, eles colaboram de maneira adequada em cada caso,nas celebrações religiosas coletivas, na vida paroquial, etc. Também neste sentido são cidadãos correntes, que querem ser bons católicos.

Contudo, geralmente os sócios da Obra não costumam trabalhar em atividades confessionais. Só em casos excepcionais, quando a Hierarquia o pede expressamente, é que um membro da Obra colabora em tarefas eclesiásticas. Não há nessa atitude qualquer desejo de singularizar-se, e menos ainda menosprezo pelas atividades confessionais; há somente a decisão de ocupar-se do que é próprio da vocação para o Opus Dei. Já há muitos religiosos e clérigos, e também muitos leigos cheios de zelo que desempenham essas atividades, dedicando-lhes seus melhores esforços.

O que caracteriza os sócios da Obra, a tarefa a que se sabem chamados por Deus, é outra. Dentro da chamado universal à santidade, os sócios do Opus Dei recebem ademais um chamado especial para procurarem livre e responsavelmente chegar à santidade e fazer apostolado em meio do mundo, comprometendo-se a viver um espírito específico e a receber ao longo de toda a sua vida uma formação peculiar. Se descurassem seu trabalho no mundo, para se ocuparem das tarefas eclesiásticas, tornariam ineficazes os dons divinos, e, atraídos por uma eficácia pastoral imediata, causariam real prejuízo à Igreja: porque não haveria tantos cristãos santificando-se em todas as profissões e ofícios da sociedade civil, no campo imenso do trabalho secular.

Aliás, a exigente necessidade da contínua formação profissional e da formação religiosa, somada ao tempo dedicado pessoalmente à piedade, à oração e ao cumprimento sacrificado dos deveres de estado, preenche a vida inteira: não há horas de folga.

Sabemos que pertencem ao Opus Dei homens e mulheres de todas as condições sociais, solteiros ou casados. Qual é, então, o elemento comum que caracteriza a vocação para a Obra? Que compromissos assume cada sócio para realizar os fins do Opus Dei?

Vou dizê-lo em poucas palavras: é procurar chegar à santidade em meio do mundo, no meio da rua. Quem recebe de Deus a vocação específica para o Opus Dei sabe — e vive — que deve alcançar a santidade em seu próprio estado, no exercício de seu trabalho, manual ou intelectual. Disse sabe e vive, porque não se trata de aceitar um simples postulado teórico, mas de realizá-lo dia a dia, na vida ordinária.

Querer atingir a santidade — apesar dos erros e das misérias pessoais, que hão de durar enquanto vivermos — significa esforçar-se, com a graça de Deus, por viver a caridade, plenitude da lei e vínculo da perfeição. A caridade não é algo abstrato; significa entrega real e total ao serviço de Deus e de todos os homens: desse Deus que nos fala no silêncio da oração e no rumor do mundo; desses homens cuja existência se entrecruza com a nossa.

Vivendo a caridade — o Amor —, vivem-se todas as virtudes humanas e sobrenaturais do cristão, que formam uma unidade e que não se podem reduzir a enumerações exaustivas. A caridade exige que se viva a justiça, a solidariedade, a responsabilidade familiar, a alegria, a castidade, a amizade…

Logo se vê que a prática destas virtudes leva ao apostolado. Mais ainda: já é apostolado. Com efeito, quando se procura viver assim em meio do trabalho diário, a conduta cristã se transforma em bom exemplo, em testemunho, em ajuda concreta e eficaz; aprende-se a seguir as pegadas de Cristo, que coepit facere et docere (At 1, 1), que começou a fazer e a ensinar, unindo ao exemplo a palavra. Por isso chamei a este trabalho, faz quarenta anos, apostolado de amizade e de confidência.

Todos os sócios do Opus Dei têm este mesmo anseio de santidade e de apostolado. Por isso, na Obra não há graus ou categorias de sócios. O que existe é uma multiplicidade de situações pessoais — a situação que cada um tem no mundo — a que se acomoda a mesma e única vocação específica e divina: o chamado para que se entreguem, para que se empenhem pessoalmente , no cumprimento da vontade de Deus que lhe é manifestada.

Como se vê, o fenômeno pastoral do Opus Dei é algo que nasce de baixo para cima, isto é, a partir da vida corrente do cristão que vive e trabalha junto dos outros homens. Não está na linha da mundanização — dessacralização — da vida monástica ou religiosa; não é a última fase do movimento de aproximação dos religiosos ao mundo.

Quem recebe a vocação para o Opus Dei adquire uma nova visão das coisas que o rodeiam: luzes novas em suas relações sociais, em sua profissão, em suas preocupações, em suas tristezas e suas alegrias; mas nem por um instante deixa de viver em meio de tudo isso. E não é cabível, de maneira nenhuma, falar de adaptação ao mundo ou à sociedade moderna: ninguém se adapta ao que tem como próprio; no que se tem como próprio, se está. A vocação recebida é igual à que surgia na alma daqueles pescadores, camponeses comerciantes ou soldados que, sentados ao pé de Jesus Cristo na Galiléia, Lhe ouviam dizer: sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito (Mt 5, 48).

Esta perfeição, repito — a perfeição procurada pelo sócio do Opus Dei —, é a perfeição própria do cristão, sem mais: quer dizer, aquela a que todo cristão é chamado e que implica viver integralmente as exigências da fé. Não nos interessa a perfeição evangélica, que se considera própria dos religiosos e de algumas instituições assemelhadas aos religiosos; e menos ainda nos interessa a chamada vida de perfeição evangélica, que se refere canonicamente ao estado religioso.

O caminho da vocação religiosa me parece abençoado e necessário na Igreja; e não teria o espírito da Obra quem o não estimasse. Mas esse caminho não é o meu, nem o dos sócios do Opus Dei. Pode-se dizer que ao virem para o Opus Dei, todos e cada um de seus sócios o fizeram com a condição explícita de não mudar de estado. Nossa característica específica é santificar o estado que temos no mundo, santificando-se cada um dos sócios no lugar de seu encontro com Cristo: este é o compromisso assumido por cada sócio para realizar os fins do Opus Dei.

Como é que está organizado o Opus Dei?

Se a vocação para a Obra, conforme acabo de dizer, encontra o homem ou a mulher em sua vida normal, em meio de seu trabalho, logo compreenderá que o Opus Dei não se edifica sobre comitês, assembléias, encontros, etc. Certa vez, perante o assombro de alguém, cheguei a dizer que o Opus Dei, neste sentido, é uma organização desorganizada. A maioria dos sócios — a quase totalidade — vivem por sua conta, no lugar onde viveriam se não fossem do Opus Dei: em sua casa, com sua família, no lugar onde desenvolvem seu trabalho.

Precisamente nesse lugar onde está, cada sócio da Obra cumpre o fim do Opus Dei: procurando ser santo, fazendo de sua vida um apostolado diário, corrente, pequeno se se prefere, mas perseverante e divinamente eficaz. Isto é o que importa: e para alimentar esta vida de santidade e de apostolado, cada um recebe do Opus Dei a ajuda espiritual necessária, o conselho, a orientação. Mas apenas no terreno estritamente espiritual. No resto — em seu trabalho, em suas relações sociais, etc. — cada qual atua como deseja, sem esquecer que não é um terreno neutro, mas sim matéria santificante, santificável e meio de apostolado.

Assim, todos vivem a sua própria vida, com as conseqüentes relações e obrigações, e dirigem-se à Obra para receberem ajuda espiritual. Isto exige uma certa estrutura, mas sempre muito reduzida: cuida-se por todos os meios de que seja a estritamente indispensável. Organiza-se uma formação doutrinal religiosa — que dura a vida inteira —, e que conduz a uma piedade ativa, sincera e autêntica, e um ardor que traz consigo necessariamente a oração contínua do contemplativo e a ação apostólica pessoal e responsável, isenta de fanatismos de qualquer espécie.

Todos os sócios sabem, além disso, onde podem encontrar um sacerdote da Obra, para tratarem com ele das questões de consciência. Alguns — muito poucos em comparação com o total, para dirigirem uma atividade apostólica ou para atenderem espiritualmente os outros, vivem juntos, constituindo um lar normal de família cristã, e continuam trabalhando simultaneamente em sua respectiva profissão.

Existe em cada país um governo regional, sempre de caráter colegial, presidido por um Diretor; e um governo central — constituído por profissionais de nacionalidades muito diversas —, com sede em Roma. O Opus Dei estrutura-se em duas Secções, uma para homens e outra para mulheres, que são absolutamente independentes, constituindo mesmo duas associações diferentes, unidas apenas na pessoa do Presidente Geral.

Espero que tenha ficado claro o que quer dizer organização desorganizada: que se dá primazia ao espírito sobre a organização, que a vida dos sócios não se espartilha com lemas, planos e reuniões. Cada um está solto, unido aos outros por um comum espírito e um comum desejo de santidade e de apostolado; e procurando santificar a sua própria vida diária.

Tem-se falado às vezes do Opus Dei como uma organização de aristocracia intelectual, que deseja penetrar nos ambientes políticos, econômicos e culturais de maior relevo, para os controlar a partir de dentro, embora com fins bons. Isto é verdade?

Quase todas as instituições que trouxeram uma mensagem nova, ou se esforçaram por servir seriamente a humanidade vivendo plenamente o cristianismo, sofreram a incompreensão, sobretudo nos começos. É isto que explica o fato de, no princípio, alguns não terem entendido a doutrina sobre o apostolado dos leigos, vivida e proclamada pelo Opus Dei.

Devo dizer ainda — embora não me agrade falar dessas coisas — que no nosso caso não faltou também uma campanha organizada e perseverante de calúnias. Houve quem dissesse que trabalhávamos secretamente — isto talvez o fizessem eles —, que queríamos ocupar postos elevados, etc. Posso dizer-lhe, concretamente, que essa campanha foi iniciada, faz aproximadamente trinta anos, por um religioso espanhol, que depois abandonou a sua ordem e a Igreja, contraiu matrimônio civil e agora é pastor protestante.

A calúnia, uma vez lançada, continua vivendo por inércia durante algum tempo: porque há quem escreva sem se informar; e porque nem todos são como os jornalistas competentes, que não se julgam infalíveis e têm a nobreza de retificar quando verificam a verdade. E foi isso o que sucedeu, a despeito de tais calúnias estarem desmentidas por uma realidade que todo o mundo teve ocasião de comprovar; além de que, logo à primeira vista, são inacreditáveis. Basta dizer que os mexericos a que o senhor se referiu só se prendem com a Espanha; e, evidentemente, pensar que uma instituição internacional como o Opus Dei gravita em torno dos problemas de um único país, demonstra estreiteza de vista, provincianismo.

Por outro lado, a maioria dos sócios do Opus Dei — na Espanha e em todos os países — são donas de casa, operários, pequenos comerciantes, funcionários, camponeses, etc.; quer dizer, pessoas cujas tarefas têm pouco peso político ou social. O fato de haver um grande número de sócios do Opus Dei que são operários não chama a atenção; mas o fato de haver alguns políticos, sim. Na realidade, para mim é tão importante a vocação para o Opus Dei de um bagrinho das estradas de ferro quanto a de um dirigente de empresa. A vocação é Deus quem dá; e nas obras de Deus não cabem discriminações, sobretudo se forem demagógicas.

Aqueles que, vendo os sócios do Opus Dei trabalharem nos mais diversos campos da atividade humana, não pensam senão em pretensas influências e controles, demonstram ter uma pobre concepção da vida cristã. O Opus Dei não domina nem pretende dominar nenhuma atividade temporal; quer apenas difundir uma mensagem evangélica: Deus pede, a todos homens que vivem no mundo, que O amem e O sirvam, valendo-se precisamente das suas atividades terrenas. Por conseguinte, os sócios da Obra, que são cristãos comuns, trabalham onde e como lhes parece oportuno: a Obra só se ocupa de ajudá-los espiritualmente, para que atuem sempre com consciência cristã.

Mas falemos concretamente do caso da Espanha. Os poucos sócios do Opus Dei que, nesse país, trabalham em postos de transcendência social ou intervêm na vida pública, fazem-no — como em todas as outras nações — com liberdade e responsabilidade pessoais agindo cada um segundo a sua consciência. Isto explica que, na prática, tenham adotado posições diversas e, em não poucas ocasiões, opostas.

Quero salientar, além disso, que falar de presença de pessoas pertencentes ao Opus Dei na política espanhola, como se se tratasse de um fenômeno especial, constitui uma deformação da realidade que desemboca na calúnia. Com efeito, os sócios do Opus Dei que atuam na vida política espanhola são uma minoria em comparação com o total dos católicos que intervêm ativamente nesse setor. Sendo católica a quase totalidade da população espanhola, é estatisticamente lógico que sejam católicos aqueles que participam na vida política. Mais ainda: em todos os níveis da administração pública espanhola — desde os ministros até os prefeitos — são inúmeros os católicos provenientes das mais diversas associações de fiéis: alguns ramos da Ação Católica Nacional de Propagandistas, cujo primeiro presidente foi o cardeal Herrera, as Congregações Marianas, etc. Não quero estender-me mais sobre esse assunto, mas aproveito a ocasião para declarar uma vez mais que o Opus Dei não está vinculado a nenhum país, a nenhum regime, a nenhuma tendência política, e a nenhuma ideologia. E que seus sócios agem sempre nas questões temporais com plena liberdade, sabendo assumir suas próprias responsabilidades; e abominam toda e qualquer tentativa de servir-se da religião em benefício de posições políticas e de interesses partidários.

As coisas simples são às vezes difíceis de explicar. Por isso me alonguei um pouco ao responder à sua pergunta. Seja como for, saiba-se que os mexericos que comentávamos são já coisas do passado. Essas calúnias estão totalmente desclassificadas há tempo: ninguém acredita mais nelas. Nós, desde o primeiro momento, temos atuado sempre à luz do dia — não havia nenhum motivo para agir de outra maneira —, explicando com clareza a natureza e os fins do nosso apostolado; e todos os que quiseram tiveram ocasião de conhecer a realidade. De fato, são muitíssimas as pessoas — católicos e não-católicos, cristãos e não-cristãos — que vêem com carinho e estima o nosso trabalho e com ele colaboram.

Por outro lado, o progresso da história da Igreja levou a superar um certo clericalismo, que tende a desfigurar tudo quanto se refere aos leigos, atribuindo-lhes segundas intenções. Agora tornou-se mais fácil entender que o que o Opus Dei vivia e proclamava era nem mais nem menos isto: a vocação divina do cristão corrente, com um compromisso sobrenatural preciso. Espero que chegue o dia em que a frase "os católicos penetram nos ambientes sociais" se deixe de dizer e que todos percebam que é uma expressão clerical. Seja como for, ela não se aplica em nada ao apostolado do Opus Dei. Os sócios do Opus Dei não têm necessidade de penetrar nas estruturas temporais, pelo simples fato de serem cidadãos comuns, iguais aos outros: pelo fato, portanto, de já lá estarem.

Se Deus chama para o Opus Dei uma pessoa que trabalha numa fábrica, ou num hospital, ou no parlamento, isso significa que, daí em diante, essa pessoa estará decidida a fazer todo o possível para santificar, com a graça de Deus, essa profissão. Não é senão a consciencialização das exigências radicais da mensagem evangélica, no que concerne à vocação específica recebida.

Pensar que essa consciencialização significa abandonar a vida normal, é uma idéia legítima apenas para os que recebem de Deus a vocação religiosa, com seu contemptus mundi, o desprezo ou desestima pelas coisas do mundo; mas querer fazer desse abandono do mundo a essência ou o cume do cristianismo é, evidentemente, uma barbaridade.

Não é, por conseguinte, o Opus Dei que introduz seus sócios em determinados ambientes; eles já lá estavam, repito, e não têm motivo para sair. Aliás, as vocações para o Opus Dei — que surgem da graça de Deus e daquele apostolado de amizade e de confidência, a que antes me referi — se dão em todos os ambientes.

Talvez essa mesma simplicidade da natureza e modo de agir do Opus Dei constitua uma dificuldade para os que estão cheios de complicações e parecem incapazes de entender tudo o que é genuíno e reto.

Como é natural, sempre haverá quem não compreenda a essência do Opus Dei; e isso não nos admira, porque já o Senhor avisou os seus destas dificuldades, comentando-lhes que non est discipulussuper Magistrum (Mt 10, 24), não é o discípulo mais que o Mestre. Ninguém pode pretender que todos o apreciem, embora tenha certamente o direito de que todos o respeitem como pessoa e como filho de Deus. Infelizmente há fanáticos que querem impor totalitariamente suas idéias; e estes nunca perceberão o amor que os sócios do Opus Dei têm à liberdade pessoal dos outros, e depois à sua própria liberdade pessoal, sempre com responsabilidade pessoal também.

Lembro-me de um caso muito expressivo. Em certa cidade, cujo nome não seria delicado referir, a Câmara Municipal estava deliberando sobre a conveniência de conceder uma ajuda econômica a uma atividade educativa dirigida por sócios do Opus Dei, que, como todas as obras corporativas realizadas pela Obra, tem uma clara função de utilidade social. A maioria dos vereadores era favorável a essa ajuda. Explicando as razões dessa atitude, um deles, socialista, comentava que ele havia conhecido pessoalmente a atividade daquele Centro; "É uma atividade — disse — que se caracteriza pelo fato de todos os seus dirigentes serem muito amigos da liberdade pessoal: nessa residência moram estudantes de todas as religiões e de todas as ideologias". Os vereadores comunistas votaram contra. E um d eles, justificando seu voto negativo, disse ao socialista: "Eu me opus porque, se as coisas estão nesse pé, essa residência constitui uma eficaz propaganda do catolicismo".

Quem não respeita a liberdade dos outros ou deseja opor-se à Igreja, não pode apreciar uma atividade apostólica. Mas, mesmo nestes casos, eu, como homem, estou obrigado a respeitá-lo e a procurar encaminhá-lo para a verdade; e, como cristão, estou obrigado a amá-lo e a rezar por ele.

Esclarecido esse ponto, gostava de lhe perguntar o seguinte: quais são as características da formação espiritual dos sócios, que fazem com que fique excluído todo tipo de interesse temporal no fato de se pertencer ao Opus Dei?

Todo interesse que não seja puramente espiritual fica radicalmente excluído, porque a Obra pede muito — desprendimento, sacrifício, abnegação, trabalho sem descanso a serviço das almas — e não dá nada. Quero dizer que não dá nada no plano dos interesses temporais; porque, no plano da vida espiritual, dá muito: dá meios para combater e vencer na vida ascética, encaminhada por caminhos de oração, ensina a tratar a Jesus como um irmão, a ver Deus em todas as circunstâncias da vida, a sentir-se filho de Deus e, por conseguinte, comprometido a difundir a sua doutrina.

Uma pessoa que não progrida pelo caminho da vida interior, até chegar a compreender que vale a pena dar-se de todo, entregar a própria vida a serviço do Senhor, não pode perseverar no Opus Dei, porque a santidade não é um rótulo, mas uma profunda exigência.

Por outro lado, o Opus Dei não tem nenhuma atividade de fins políticos, econômicos ou ideológicos: nenhuma ação temporal. Suas únicas atividades são a formação sobrenatural de seus sócios e as obras de apostolado, quer dizer, a contínua atenção espiritual prestada a cada um dos sócios, e as obras corporativas de assistência, de beneficência, de educação, etc.

Os sócios do Opus Dei unem-se somente para seguir um caminho de santidade, bem definido, e colaborar em determinadas obras de apostolado. Seus compromissos recíprocos excluem qualquer tipo de interesse terreno pelo simples fato de que, nesse campo, todos os sócios do Opus Dei são livres e, portanto, cada um segue o seu próprio caminho, com finalidades e interesses diferentes e por vezes contrapostos.

Como conseqüência do fim exclusivamente divino da Obra, seu espírito é um espírito de liberdade, de amor à liberdade pessoal de todos os homens. E, como esse amor à liberdade é sincero e não um mero enunciado teórico, nós amamos a necessária conseqüência da liberdade: quer dizer, o pluralismo. No Opus Dei, o pluralismo é querido e amado; não simplesmente tolerado e de modo algum dificultado. Quando me é dado observar entre os sócios da Obra tantas idéias diversas, tantas atitudes diferentes — no que diz respeito às questões políticas, econômicas, sociais ou artísticas, etc. —, esse espetáculo me dá alegria porque é sinal de que tudo está funcionando diante de Deus como deve ser.

Unidade espiritual e variedade nas coisas temporais são compatíveis quando não reinam o fanatismo e a intolerância; e, sobretudo, quando se vive de fé e se sabe que nós, os homens, estamos unidos não por meros laços de simpatia ou de interesse, mas pela ação de um mesmo Espírito que, fazendo-nos irmãos de Cristo, nos conduz a Deus Pai.

Um verdadeiro cristão nunca pensa que a unidade na fé, a fidelidade ao Magistério e à Tradição da Igreja, bem como a preocupação de fazer chegar aos outros a mensagem salvadora de Cristo, estejam em dissonância com a variedade de atitudes nas coisas que Deus deixou, como se costuma dizer, à livre discussão dos homens. Mais ainda: tem plena consciência de que essa variedade faz parte do plano divino, é querida por Deus, que reparte seus dons e suas luzes conforme deseja. O cristão deve amar os outros e portanto respeitar as opiniões contrárias às suas, e conviver em plena fraternidade com aqueles que pensam de outro modo.

Precisamente porque os sócios da Obra se formam de acordo com este espírito, é impossível que alguém pense em se aproveitar do fato de pertencer ao Opus Dei para obter vantagens pessoais, ou para tentar impor aos outros opções políticas ou culturais: porque os outros não o suportariam, e o levariam a mudar de atitude ou a abandonar a Obra. Este é um ponto em que ninguém no Opus Dei poderá permitir jamais o menor desvio, porque deve defender, não apenas a sua liberdade pessoal, mas também a natureza sobrenatural do labor a que se entregou. Penso, por isso, que a liberdade e a responsabilidade pessoais são a melhor garantia da finalidade sobrenatural da Obra de Deus.

Talvez se possa pensar que, até agora, o Opus Dei se viu favorecido pelo entusiasmo dos primeiros sócios, não obstante serem já vários milhares. Existe alguma medida que garanta a continuidade da Obra, em face do risco, conatural a toda instituição, de um possível esfriamento do fervor e do impulso iniciais?

A Obra não se baseia no entusiasmo, mas na fé. Os anos do começo — longos anos — foram muito duros, e só se viam dificuldades. O Opus Dei foi para a frente por graça divina, e pela oração e sacrifício dos primeiros, sem meios humanos. Só havia juventude, bom-humor e o desejo de fazer a vontade de Deus.

Desde o princípio, a arma do Opus Dei foi sempre a oração, a vida dedicada, a silenciosa renúncia a tudo quanto é egoísmo, para servir as almas. Como lhe dizia antes, vem-se ao Opus Dei para receber um espírito que leva precisamente a dar tudo, enquanto se continua trabalhando profissionalmente por amor a Deus e, por Ele, às suas criaturas.

A garantia de que não se verifique um esfriamento é que meus filhos não percam nunca esse espírito. Sei que as obras humanas se desgastam com o tempo; mas isso não acontece com as obras divinas, a não ser que os homens as rebaixem. Só quando se perde o impulso divino é que vem a corrupção, a decadência. No nosso caso, salta à vista a Providência do Senhor, que — em tão pouco tempo, quarenta anos — faz com que seja recebida e efetivada esta específica vocação divina, entre cidadãos comuns iguais aos outros, de tão diversas nações.

O fim do Opus Dei, repito uma vez mais, é a santidade de cada um de seus sócios, homens e mulheres, que continuam no lugar que no mundo ocupavam. Se alguém não vier ao Opus Dei para ser santo, apesar dos pesares — isto é, apesar das misérias próprias, dos erros pessoais — irá embora logo. Penso que a santidade chama a santidade, e peço a Deus que no Opus Dei não falte nunca esta convicção profunda, esta vida de fé. Como vê, não confiamos exclusivamente nas garantias humanas ou jurídicas. As obras inspiradas por Deus movem-se ao ritmo da graça. Minha única receita é esta: sermos santos, queremos ser santos, com santidade pessoal.

Por que há sacerdotes numa instituição acentuadamente laical como o Opus Dei? Qualquer sócio do Opus Dei pode chegar a ser sacerdote, ou só aqueles que são escolhidos pelos diretores?

A vocação para o Opus Dei, pode recebê-la qualquer pessoa que queira santificar-se em seu próprio estado: quer solteiro, casado ou viúvo; quer leigo ou clérigo.

Por isso, ao Opus Dei se associam também sacerdotes diocesanos, que continuam sendo sacerdotes diocesanos como antes, uma vez que a Obra os ajuda a tender para a perfeição cristã própria do seu estado, mediante a santificação do seu trabalho ordinário, que é precisamente o ministério sacerdotal a serviço do bispo, da diocese e da Igreja inteira. Também nesse caso a vinculação ao Opus Dei não modifica em nada sua condição: continuam plenamente dedicados às missões que lhes confia o respectivo Ordinário e aos outros apostolados e atividades que devem realizar, sem que a Obra interfira nunca nessas tarefas; e santificam-se praticando o mais perfeitamente possível as virtudes próprias de um sacerdote.

Além desses sacerdotes, que entram a fazer parte do Opus Dei depois de haverem recebido as sagradas ordens, há na Obra outros sacerdotes seculares que recebem o sacramento da Ordem depois de pertencerem ao Opus Dei, ao qual se vincularam, portanto, quando ainda eram leigos, cristãos correntes. Trata-se de um número muito diminuto em comparação com a totalidade dos sócios — não chegam a dois por cento —; e dedicam-se a servir os fins apostólicos do Opus Dei através do ministério sacerdotal, renunciando mais ou menos, conforme os casos, da profissão civil que tinham. São, com efeito, profissionais ou trabalhadores, chamados ao sacerdócio depois de terem adquirido uma habilitação profissional e de terem trabalhado durante anos na sua ocupação própria, como médicos, engenheiros, mecânicos, camponeses, professores, jornalistas, etc. Além disso, fazem, com a máxima profundidade e sem pressas, os estudos das disciplinas eclesiásticas correspondentes, até obterem o doutoramento. E isso sem perderem a mentalidade característica do ambiente da sua profissão civil; de modo que, quando recebem as sagradas ordens, são médicos-sacerdotes, advogados-sacerdotes, operários-sacerdotes, etc.

A sua presença é necessária para o apostolado do Opus Dei. Este apostolado desenvolvem-no fundamentalmente os leigos, como já disse. Cada sócio procura ser apóstolo em seu próprio ambiente de trabalho, aproximando as almas de Cristo, através do exemplo e da palavra: do diálogo. Mas no apostolado, ao conduzir as almas pelos caminhos da vida cristã, acaba-se chegando ao muro sacramental. A função santificadora do leigo tem necessidade da função santificadora do sacerdote, que administra o sacramento da penitência, celebra a Eucaristia, e proclama a palavra de Deus em nome da Igreja. E, como o apostolado do Opus Dei pressupõe uma espiritualidade específica, é necessário que o sacerdote dê também um testemunho vivo desse espírito peculiar.

Além desse serviço aos outros sócios da Obra, esses sacerdotes podem prestar, e de fato prestam, um serviço a muitas outras almas. O zelo sacerdotal, que informa as suas vidas, deve levá-los a não permitirem que alguém passe ao seu lado sem receber um pouco da luz de Cristo. Mais ainda, o espírito do Opus Dei, que não sabe de grupinhos nem de distinções, impele-os a se sentirem íntima e eficazmente unidos a seus irmãos, os outros sacerdotes seculares: sentem-se e são de fato sacerdotes diocesanos em todas as dioceses onde trabalham, procurando servi-las com empenho e eficácia.

Quero fazer notar, porque é uma realidade muito importante, que esses sócios leigos do Opus Dei, que recebem a ordenação sacerdotal, não mudam de vocação. Quando abraçam o sacerdócio, respondendo livremente o convite dos diretores da Obra, não o fazem com a idéia de assim se unirem mais a Deus ou tenderem mais eficazmente para a santidade: sabem perfeitamente que a vocação laical é plena e completa em si mesma, que sua dedicação a Deus no Opus Dei era desde o primeiro momento um caminho claro para atingir a perfeição cristã. A ordenação sacerdotal não é, por isso, de modo algum, uma espécie de coroamento da vocação para o Opus Dei: é um chamado que se dirige a alguns, para servirem os outros de um modo novo. Por outro lado, na Obra não há duas classes de sócios, clérigos e leigos; todos são e se sentem iguais, e todos vivem o mesmo espírito: a santificação em seu próprio estado.

O senhor tem falado do trabalho com freqüência. Poderia dizer que lugar ocupa o trabalho na espiritualidade do Opus Dei?

A vocação para o Opus Dei não altera nem modifica de maneira nenhuma a condição, o estado de vida, de quem a recebe. E, como a condição humana é o trabalho, a vocação sobrenatural para a santidade e para o apostolado segundo o espírito do Opus Dei confirma a vocação humana para o trabalho. A imensa maioria dos sócios da Obra são leigos, simples cristãos; a sua condição é a de quem tem uma profissão, um ofício, uma ocupação, muitas vezes absorvente, com a qual ganha a vida, mantém a família, contribui para o bem comum, desenvolve a personalidade.

A vocação para o Opus Dei vem confirmar tudo isso, a tal ponto que um dos sinais essenciais dessa vocação é precisamente viver no mundo e nele desempenhar um trabalho — contando, volto a dizer, com as próprias imperfeições pessoais — da maneira mais perfeita possível, tanto do ponto de vista humano quanto do sobrenatural. Quer dizer: um trabalho que contribua eficazmente para a edificação da cidade terrena — e que, por conseguinte seja feito com competência e com espírito de serviço — e para a consagração do mundo, sendo, portanto, santificante e santificado.

Os que querem viver com perfeição sua fé e praticar o apostolado segundo o espírito do Opus Dei, devem santificar-se com a profissão, santificar a profissão e santificar os outros com a profissão. Vivendo assim, sem se distinguirem portanto dos outros cidadãos, iguais àqueles que com eles trabalham, esforçar-se-ão paro identificar-se com Cristo, imitando seus trinta anos de trabalho na oficina de Nazaré.

Porque essa tarefa habitual é, não apenas o âmbito em que se devem santificar, mas também a própria matéria de sua santidade: no meio dos incidentes do dia a dia, eles descobrem a mão de Deus e encontram um estímulo para sua vida de oração. Os próprios afazeres profissionais põem-nos em contacto com outras pessoas — parentes, amigos, colegas — e com os grandes problemas que afetam a sociedade ou o mundo inteiro, deparando-lhes assim a ocasião de viverem essa entrega ao serviço dos outros, que é essencial aos cristãos. Assim, devem esforçar-se por dar um verdadeiro e autêntico testemunho de Cristo, para que todos aprendam a conhecer e a amar o Senhor, a descobrir que a vida normal no mundo, o trabalho de todos os dias, pode ser um encontro com Deus.

Por outras palavras: a santidade e o apostolado unem-se à vida dos sócios da Obra constituindo com ela uma só coisa; e por isso o trabalho é o eixo da sua vida espiritual. Sua entrega a Deus se insere no trabalho que desenvolviam antes de virem para a Obra e que continuam desempenhando depois.

Quando, nos primeiros anos de minha atividade pastoral, comecei a pregar essas coisas, algumas pessoas não me entenderam, outras se escandalizaram; estavam acostumadas a ouvir falar do mundo sempre em sentido pejorativo. O Senhor me havia feito entender — e eu procurava dá-lo a entender aos outros — que o mundo é bom, porque as obras de Deus são sempre perfeitas, e que fomos nós, os homens, que fizemos o mundo mau pelo pecado.

Dizia então, e continuo dizendo agora que temos de amar o mundo, porque no mundo encontramos a Deus, porque, nas ocorrências e acontecimentos do mundo, Deus se manifesta a nós e a nós se revela.

O mal e o bem se misturam na história humana, e por isso o cristão deve ser uma criatura capaz de discernir; mas esse discernimento não o deve levar nunca a negar a bondade das obras de Deus; pelo contrário, deve levá-lo a reconhecer o divino que se manifesta no humano, mesmo por trás de nossas próprias fraquezas. Um bom lema para a vida cristã se pode encontrar naquelas palavras do Apóstolo; todas as coisas são vossas, e vós de Cristo, e Cristo de Deus (1 Cor. 3, 22), afim de se realizarem assim os desígnios desse Deus que quer salvar o mundo.

Poderia fornecer-me alguns dados sobre a expansão da Obra durante estes quarenta anos de vida? Quais são as atividades apostólicas mais importantes?

Antes de mais, devo dizer que agradeço muito a Deus Nosso Senhor por me ter permitido ver a Obra. apenas quarenta anos após a sua fundação, estendida por todo o mundo. Quando nasceu em 1928, na Espanha, já nasceu romana, o que para mim quer dizer católica, universal. E o seu primeiro impulso foi, como era inevitável, a expansão por todos os países.

Ao pensar nestes anos decorridos, vêm-me à memória acontecimentos que me enchem de alegria: porque, de mistura com as dificuldades e as penas, que são o sal da vida, me recordam a eficácia da graça de Deus e a entrega — sacrificada e alegre — de tantos homens e mulheres que me têm sabido ser fiéis. Porque quero deixar bem claro que o apostolado essencial do Opus Dei é o que cada sócio realiza individualmente no lugar em que trabalha, com sua família, entre seus amigos. Uma atividade que não chama a atenção, que não é fácil traduzir em estatísticas, mas que produz frutos de santidade em milhares de almas, que vão seguindo Cristo, silenciosa e eficazmente, no meio da atividade profissional de todos os dias.

Sobre este tema não é possível dizer muito mais. Poderia contar-lhe a vida exemplar de muita pessoas, mas isso desnaturalizaria a formosura humana e divina desse trabalho, na medida em que lhe tiraria a intimidade. Reduzi-la a números e estatísticas seria ainda pior, porque equivaleria a querer catalogar em vão os frutos da graça nas almas.

Posso falar-lhe das atividades apostólicas que os sócios da Obra dirigem em muitos países. Atividades com fins espirituais e apostólicos, em que se procura trabalhar com esmero e, ao mesmo tempo, com perfeição humana, e em que colaboram muitas outras pessoas que não são do Opus Dei, mas que compreendem o valor sobrenatural desse trabalho, ou que apreciam o seu valor humano, como é o caso de tantos Não-cristãos que nos ajudam eficazmente. Trata-se sempre de tarefas laicais e seculares, promovidas por cidadãos comuns no exercício dos seus direitos cívicos normais, de acordo com as leis de cada país, e levadas sempre a cabo com critério profissional. Isto é, são tarefas que não aspiram nenhum tipo de privilégio ou tratamento de favor.

Conhece certamente uma das atividades desse tipo que se leva a cabo em Roma: o Centro ELIS, que se dedica à capacitação profissional e à formação de trabalhadores, mediante escolas, atividades esportivas e culturais, bibliotecas, etc. É uma atividade que atende às necessidades de Roma e às circunstâncias particulares do ambiente humano em que surgiu, o bairro Tiburtino. Obras semelhantes se levam a cabo em Chicago, Madrid, México, e em muitos outros lugares.

Outro exemplo poderia ser o Strathmore College of Arts and Science, de Nairobi. Trata-se de um college pré-universitário, por onde têm passado centenas de estudantes do Quênia, da Uganda e da Tanzânia. Através dele, alguns queniatas do Opus Dei, juntamente com outros seus concidadãos, têm realizado um profundo trabalho docente e social; foi o primeiro centro da East Africa que realizou a integração racial completa, e com sua atividade contribuiu muito para a africanização da cultura. Coisas análogas se podem dizer do Kianda College, também de Nairobi, que vem realizando uma tarefa de primeira importância na formação da nova mulher africana.

Ainda a título de exemplo, posso referir também outra atividade: a universidade de Navarra. Desde a sua fundação, em 1952, desenvolveu-se até contar agora com 18 faculdades, escolas e institutos, nos quais cursam estudos mais de seis mil alunos. Apesar do que escreveram recentemente certos jornais, devo dizer que a Universidade de Navarra não tem sido mantida por subsídios estatais. O estado espanhol não custeia de modo nenhum os gastos de manutenção; apenas contribuiu com alguns subsídios para a criação de novos postos escolares. A Universidade de Navarra mantém-se graças à ajuda de pessoas e associações privadas. O sistema de ensino e de vida universitária, inspirado no critério de responsabilidade pessoal e de solidariedade entre todos os que ali trabalham, revelou-se eficaz, constituindo uma experiência muito positiva na atual situação da Universidade no mundo.

Poderia falar-lhe de atividades de outro tipo nos Estados Unidos, no Japão, na Argentina, nas Filipinas, na Inglaterra, na França, etc. Mas não é necessário. Basta dizer que o Opus Dei atualmente está espalhado pelos cinco continentes e que a ele pertencem pessoas de mais de 70 nacionalidades, e das mais diversas raças e condições.

Para terminar: o senhor está satisfeito com estes quarenta anos de atividade? A experiência destes últimos anos, as mudanças sociais, o Concílio Vaticano II, etc., lhe sugeriram algumas mudanças de estrutura?

Satisfeito? Não posso deixar de estar, quando vejo que, apesar de minhas misérias pessoais, o Senhor fez em torno desta Obra de Deus tantas coisas maravilhosas. Para um homem que vive de fé, sua vida será sempre a história das misericórdias de Deus. Em alguns momentos, talvez essa história seja difícil de ler, porque tudo pode parecer inútil, e até um fracasso; outras vezes o Senhor deixa ver frutos copiosos, e aí é natural que o coração transborde em ação de graças.

Uma de minhas maiores alegrias foi precisamente ver como o Concílio Vaticano II proclamou com grande clareza a vocação divina do laicato. Sem jactância alguma, devo dizer que, pelo que diz respeito ao nosso espírito, o Concílio não representou um convite à mudança: pelo contrário, veio confirmar o que — pela graça de Deus — estávamos vivendo e ensinando faz muitos anos. A principal característica do Opus Dei não são as determinadas técnicas ou métodos de apostolado, nem umas estruturas determinadas, mas sim um espírito que leva precisamente a santificar o trabalho de cada dia.

Erros e misérias pessoais, repito, todos temos. E todos devemos examinar-nos seriamente na presença de Deus, confrontando nossa própria vida com o que o Senhor nos exige. Mas sem esquecer o mais importante: si scires donum Dei!… (Jo 4, 10), se reconhecesses o dom de Deus!, dizia Jesus à Samaritana. E São Paulo acrescenta; trazemos este tesouro em vasos de barro, para que se reconheça que a excelência do poder é de Deus e não nossa (2 Cor. 4, 7).

A humildade, o exame cristão, começa reconhecendo o dom de Deus. É algo bem diferente da atitude encolhida ante o rumo que tomam os acontecimentos da sensação de inferioridade ou desalento perante a história. Na vida pessoal, e às vezes também na vida das associações ou das instituições, pode haver coisas a mudar, inclusive muitas; mas a atitude com que o cristão deve enfrentar esses problemas tem que ser sobretudo a de admirar-se ante a magnitude de Deus, comparada com a pequenez humana.

O aggiornamento deve fazer-se, antes de mais, na vida pessoal , para pô-la de acordo com essa velha novidade do Evangelho. Estar em dia significa identificar-se com Cristo, que não é uma personagem que passou à história; Cristo vive e viverá sempre: ontem, hoje e por todos os séculos (Hebr. 13, 8).

Quanto ao Opus Dei considerado em conjunto, bem se pode afirmar, sem qualquer espécie de arrogância, com agradecimento à bondade de Deus, que nunca terá problemas de adaptação ao mundo: nunca se achará na necessidade de se pôr em dia. Deus Nosso Senhor pôs em dia a Obra de uma vez para sempre, dando-lhe essas características peculiares, laicais; e não terá nunca necessidade de se adaptar ao mundo, porque todos os seus sócios são do mundo; não terá que ir atrás do progresso humano, porque são todos os sócios da Obra, juntamente com os outros homens que vivem no mundo, que fazem esse progresso mediante o seu trabalho quotidiano.

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