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Há 3 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Imaginações vãs.

Pensando naqueles que, com o passar dos anos, ainda andam sonhando - com sonhos vãos e pueris, como Tartarin de Tarascon - em caçar leões pelos corredores da casa, onde porventura não há senão ratos e pouco mais; pensando neles, insisto, recordo-vos a grandeza do caminhar à maneira divina no cumprimento fiel das obrigações habituais da jornada, com essas lutas que cumulam de alegria o Senhor e que só Ele e cada um de nós conhecemos.

Convencei-vos de que, geralmente, não encontrareis espaço para façanhas deslumbrantes porque, entre outras razões, não costumam apresentar-se. Em contrapartida, não vos faltam ocasiões de demonstrar através do que é pequeno, do que é normal, o amor que tendes por Jesus Cristo. Também nas coisas diminutas se mostra a grandeza da alma, comenta São Jerônimo. Não admiramos o Criador só no céu e na terra, no sol e no oceano, nos elefantes, camelos, bois, cavalos, leopardos, ursos e leões; mas também nos animais minúsculos, como a formiga, os mosquitos, as moscas, os vermes e outros animais deste jaez, que distinguimos melhor pelos seus corpos do que pelos seus nomes; tanto nos grandes como nos pequenos admiramos a mesma maestria. De igual modo, a alma que se dá a Deus põe nas coisas menores o mesmo fervor que nas maiores.

A naturalidade e a simplicidade são duas maravilhosas virtudes humanas, que tornam o homem capaz de receber a mensagem de Cristo. Em contrapartida, tudo o que é emaranhado, complicado, as voltas e mais voltas em torno de nós mesmos, tudo isso constrói um muro que com freqüência impede de ouvir a voz do Senhor. Lembremo-nos das acusações que Cristo lança em rosto aos fariseus: meteram-se num mundo retorcido, que exige que se paguem os dízimos da hortelã, do endro e do cominho, e abandonaram as obrigações mais essenciais da lei, a justiça e a fé. Esmeram-se em coar tudo o que bebem, para não deixar passar um mosquito, mas tragam um camelo.

Não. Nem a nobre vida humana daquele que - sem culpa - não conhece Cristo, nem a vida do cristão hão de ser esquisitas e estranhas. Estas virtudes humanas que estamos considerando hoje levam todas à mesma conclusão: é verdadeiramente homem aquele que se empenha em ser veraz, leal, sincero, forte, temperado, generoso, sereno, justo, laborioso, paciente. Ter esse comportamento pode ser difícil, mas nunca causará estranheza. Se alguém se admirasse, seria por olhar as coisas com olhos turvos, enevoados por uma secreta covardia, que é falta de rijeza.

Ouvimos falar de soberba, e talvez imaginemos uma conduta despótica, avassaladora: grandes ruídos de vozes que aclamam, e o triunfador que passa, como um imperador romano, debaixo dos altos arcos, fazendo menção de inclinar a cabeça, porque teme que a sua fronte gloriosa toque o branco mármore.

Sejamos realistas: essa soberba só tem lugar numa imaginação tresloucada. Nós temos de lutar contra outras formas mais sutis, mais freqüentes: o orgulho de preferir a excelência própria à dos outros; a vaidade nas conversas, nos pensamentos e nos gestos; uma suscetibilidade quase enfermiça, que se sente ofendida com palavras e ações que de modo algum significam um agravo.

Tudo isto é que pode ser e é uma tentação comum. O homem considera-se a si próprio como o sol e o centro dos que estão ao seu redor. Tudo deve girar em torno dele. E, com a sua preocupação mórbida, não raramente recorre até à simulação da dor, da tristeza e da doença: para que os outros cuidem dele e o mimem.

A maioria dos conflitos em que se debate a vida interior de muita gente é fabricada pela imaginação: É que disseram…, é que podem pensar…, é que não me consideram… E essa pobre alma sofre, pela sua triste fatuidade, com suspeitas que não são reais. Nessa aventura infeliz, a sua amargura é contínua, e procura produzir desassossego nos outros: porque não sabe ser humilde, porque não aprendeu a esquecer-se de si própria para se dar generosamente ao serviço dos outros por amor a Deus.

Referências da Sagrada Escritura