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Há 4 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Vaidade.

Quando o orgulho se apossa da alma, não é de estranhar que venham detrás todos os vícios, como que em fila: a avareza, as intemperanças, a inveja, a injustiça. O soberbo tenta inutilmente destronar Deus - que é misericordioso para com todas as criaturas -, a fim de se instalar ele no sólio divino, ele que atua com entranhas de crueldade.

Temos de pedir ao Senhor que não nos deixe cair nesta tentação. A soberba é o pior e o mais ridículo dos pecados. Se consegue atenazar alguém com as suas múltiplas alucinações, a pessoa atacada veste-se de aparência, enche-se de vazio, empertiga-se como o sapo da fábula, que inchava o bucho, presunçosamente, até que explodiu. A soberba é desagradável, mesmo humanamente: quem se considera superior a todos e a tudo está continuamente contemplando-se a si próprio e desprezando os outros, e estes correspondem-lhe escarnecendo da sua vã fatuidade.

Ouvimos falar de soberba, e talvez imaginemos uma conduta despótica, avassaladora: grandes ruídos de vozes que aclamam, e o triunfador que passa, como um imperador romano, debaixo dos altos arcos, fazendo menção de inclinar a cabeça, porque teme que a sua fronte gloriosa toque o branco mármore.

Sejamos realistas: essa soberba só tem lugar numa imaginação tresloucada. Nós temos de lutar contra outras formas mais sutis, mais freqüentes: o orgulho de preferir a excelência própria à dos outros; a vaidade nas conversas, nos pensamentos e nos gestos; uma suscetibilidade quase enfermiça, que se sente ofendida com palavras e ações que de modo algum significam um agravo.

Tudo isto é que pode ser e é uma tentação comum. O homem considera-se a si próprio como o sol e o centro dos que estão ao seu redor. Tudo deve girar em torno dele. E, com a sua preocupação mórbida, não raramente recorre até à simulação da dor, da tristeza e da doença: para que os outros cuidem dele e o mimem.

A maioria dos conflitos em que se debate a vida interior de muita gente é fabricada pela imaginação: É que disseram…, é que podem pensar…, é que não me consideram… E essa pobre alma sofre, pela sua triste fatuidade, com suspeitas que não são reais. Nessa aventura infeliz, a sua amargura é contínua, e procura produzir desassossego nos outros: porque não sabe ser humilde, porque não aprendeu a esquecer-se de si própria para se dar generosamente ao serviço dos outros por amor a Deus.

Não sei se vos terão contado na infância a fábula do camponês a quem ofereceram um faisão dourado. Passado o primeiro momento de alegria e de surpresa pelo presente, o novo dono procurou um lugar onde encerrá-lo. Ao cabo de bastantes horas, após muitas dúvidas e diferentes planos, optou por metê-lo no galinheiro. Admiradas com a beleza do recém-chegado, as galinhas giravam-lhe em redor com o pasmo de quem descobre um semi-deus. No meio de tanto alvoroço, chegou a hora da pitança e, quando o dono lançou os primeiros punhados de farelo, o faisão - famélico pela espera - lançou-se com avidez a tirar a barriga da miséria. Perante um espetáculo tão vulgar - aquele prodígio de beleza comia com as mesmas ânsias do animal mais comum -, as desencantadas companheiras de galinheiro arremeteram a bicadas contra o ídolo caído, até lhe arrancarem as penas todas. Tão triste assim é o desmoronamento do ególatra; tanto mais desastroso quanto mais se tiver empinado sobre as suas próprias forças, presunçosamente confiante na sua capacidade pessoal.

Tirai disto conseqüências práticas para a vossa vida diária, sentindo-vos depositários de uns talentos - sobrenaturais e humanos - que tendes de aproveitar retamente, e rechaçai o ridículo engano de que alguma coisa vos pertence, como se fosse fruto unicamente do vosso esforço. Lembrai-vos de que, nas somas, há uma parcela de que ninguém pode prescindir: Deus.

Com esta perspectiva, convencei-vos de que, se verdadeiramente desejamos seguir de perto o Senhor e prestar um serviço autêntico a Deus e a toda a humanidade, temos que estar seriamente desprendidos de nós mesmos: dos dons da inteligência, da saúde, da honra, das ambições nobres, dos triunfos, dos êxitos.

Refiro-me também - porque até aí deve chegar a tua decisão - a esses anseios límpidos com que procuramos exclusivamente dar toda a glória a Deus e louvá-lo, ajustando a nossa vontade a esta norma clara e precisa: “Senhor, só quero isto ou aquilo se for do teu agrado, porque, senão, para que me interessa?” Assestamos assim um golpe mortal no egoísmo e na vaidade, que serpenteiam por todas as consciências; e ao mesmo tempo alcançamos a verdadeira paz na nossa alma, com um desprendimento que acaba na posse de Deus, cada vez mais íntima e mais intensa.

Para imitarmos Jesus Cristo, temos que ter o coração inteiramente livre de apegos. Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, encontrá-la-á. Porque, de que serve ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma? E comenta São Gregório: Não seria suficiente vivermos desprendidos das coisas se, além disso, não renunciássemos a nós mesmos. Mas… para onde iremos fora de nós mesmos? Ou quem é que vai, se já se deixou a si próprio?

Sabei que uma é a nossa situação enquanto caídos pelo pecado; e outra, enquanto formados por Deus. De um modo fomos criados, e de outro diferente nos encontramos por causa de nós mesmos. Renunciemo-nos naquilo em que nos convertemos pecando, e mantenhamo-nos tal como fomos constituídos pela graça. Desta maneira, se aquele que, tendo sido soberbo, se torna humilde depois de se converter a Cristo, já renunciou a si mesmo; se um luxurioso muda para uma vida continente, também renunciou a si próprio naquilo que antes era; se um avarento deixa de cobiçar e, em vez de se apoderar das coisas alheias, começa a ser generoso com as próprias, certamente se negou a si mesmo.

Referências da Sagrada Escritura