Lista de pontos
Gosto de lembrar com muita freqüência que, quando me dirijo a vós, quando conversamos todos juntos com Deus Nosso Senhor, estou fazendo a minha oração pessoal em voz alta. Pela vossa parte, deveis esforçar-vos também por alimentar a vossa oração dentro das vossas almas, mesmo quando por qualquer circunstância, como, por exemplo, a de hoje, tenhamos necessidade de tratar de um tema que, à primeira vista, não parece muito adequado para um diálogo de amor - que isso é o nosso colóquio com o Senhor. Digo à primeira vista, porque tudo o que nos acontece, tudo o que se passa ao nosso lado, pode e deve ser tema da nossa meditação.
Tenho que falar-vos do tempo, deste tempo que se vai. Não vou repetir a afirmação de que um ano a mais é um ano a menos… Também não vos sugiro que pergunteis por aí fora o que pensam da passagem dos dias, pois provavelmente - se o fizésseis - ouviríeis alguma resposta deste estilo: Juventude, divino tesouro, que vais para não voltar… Embora admita que talvez ouvísseis também alguma outra consideração com mais sentido sobrenatural.
Também não quero deter-me a pensar, com laivos de nostalgia, na brevidade do tempo. Para nós, cristãos, a fugacidade do caminhar terreno deveria incitar-nos a aproveitar melhor o tempo; nunca a temer Nosso Senhor, e muito menos a olhar a morte como um final desastroso. Um ano que termina - já foi dito de mil modos, mais ou menos poéticos - é, com a graça e a misericórdia de Deus, mais um passo que nos aproxima do Céu, da nossa Pátria definitiva.
Ao pensar nesta realidade, compreendo perfeitamente a exclamação que São Paulo dirige aos de Corinto: Tempus breve est!, como é breve a duração da nossa passagem pela terra! Para um cristão coerente, estas palavras soam-lhe no mais íntimo do coração como uma censura pela sua falta de generosidade e como um convite constante para que seja leal. Verdadeiramente, é curto o nosso tempo para amar, para dar, para desagravar. Não é justo, portanto, que o malbaratemos nem que atiremos irresponsavelmente esse tesouro pela janela fora. Não podemos desperdiçar esta etapa do mundo que Deus confia a cada um de nós.
Mas retomemos o fio da parábola. E as néscias, que fazem? A partir desse momento, já se empenham em preparar-se para esperar o Esposo: vão comprar o azeite. Mas decidiram-se tarde e, enquanto iam, chegou o esposo;e as que estavam preparadas entraram com ele a celebrar as bodas, e fechou-se a porta. Mais tarde, vieram também as outras virgens, clamando: Senhor, Senhor, abre-nos! Não é que tivessem permanecido inativas, porque tentaram fazer alguma coisa… Mas ouvem a voz que lhes responde com dureza: Não vos conheço. Não souberam ou não quiseram preparar-se com a devida solicitude e esqueceram-se de tomar a razoável precaução de adquirir o azeite a tempo. Faltou-lhes generosidade para cumprir acabadamente o pouco que lhes fora pedido. Tinham tido muitas horas à sua disposição, mas desaproveitaram-nas.
Pensemos na nossa vida com valentia. Por que não conseguimos, às vezes, os minutos de que precisamos para terminar amorosamente o nosso trabalho, que é o meio da nossa santificação? Por que descuramos as obrigações familiares? Por que nos entra a precipitação à hora de rezar ou de assistir ao Santo Sacrifício da Missa? Por que nos faltam a serenidade e a calma para cumprirmos os deveres do nosso estado, e nos entretemos sem pressa nenhuma em ir atrás dos caprichos pessoais? Poderemos responder: são ninharias. Sim, é verdade; mas essas ninharias são o azeite, o nosso azeite, que mantém viva a chama e acesa a luz.
Havia um pai de família, que plantou uma vinha, e a cercou com uma sebe, e cavou nela um lagar, e edificou uma torre, e arrendou-a a uns lavradores, e ausentou-se para uma região longínqua.
Gostaria de que meditássemos nos ensinamentos desta parábola, do ponto de vista que nos interessa agora. A tradição viu neste relato uma imagem do destino do povo eleito por Deus; e ensinou-nos sobretudo de que modo, a tanto amor por parte do Senhor, nós, os homens, correspondemos com a infidelidade, com a falta de gratidão.
Pretendo concretamente deter-me nesse ausentou-se para uma região longínqua. E chego logo à conclusão de que nós, os cristãos, não devemos abandonar esta vinha em que o Senhor nos colocou. Temos de empregar as nossas forças nesta tarefa, dentro da cerca, trabalhando no lagar e descansando na torre, uma vez concluída a faina diária. Se nos deixássemos arrastar pelo comodismo, seria o mesmo que responder a Cristo: Olha que os meus anos são para mim, não para ti. Não quero decidir-me a tratar da tua vinha.
O Senhor ofereceu-nos a vida, os sentidos, as potências, graças sem conta. E não temos o direito de esquecer que somos um operário, entre tantos, nesta fazenda em que Ele nos colocou, para colaborar na tarefa de levar alimento aos outros. Este é o nosso lugar: dentro destes limites. Aqui temos nós de nos gastar diariamente com Ele, ajudando-o no seu trabalho redentor.
Deixai-me que insista: O teu tempo para ti? O teu tempo para Deus! Pode ser que, pela misericórdia do Senhor, esse egoísmo não tenha entrado de momento na tua alma. Mas digo-te isto desde já, para que estejas prevenido se alguma vez sentes que o teu coração vacila na fé de Cristo. Para então, peço-te - pede-te Deus - que sejas fiel no teu empenho, que domines a soberba, que submetas a imaginação, que não caias na leviandade de ir para longe, que não desertes.
Sobrava todo o dia, àqueles jornaleiros que estavam no meio da praça; queria matar as horas, o servo que escondeu o seu talento na terra; vai para outro lado, aquele que devia ocupar-se da vinha. Todos demonstram a mesma insensibilidade perante a grande tarefa que a cada um dos cristãos foi encomendada pelo Mestre: a de nos considerarmos e nos comportarmos como instrumentos seus, para corredimir com Ele; e a de consumirmos a vida inteira no alegre sacrifício de nos darmos pelo bem das almas.
Este é o fruto da oração de hoje: que nos convençamos de que o nosso caminhar na terra - em todas as circunstâncias e em todas as épocas - é para Deus; de que é um tesouro de glória, um traslado do Céu; de que é nas nossas mãos uma maravilha que temos de administrar, com senso de responsabilidade e de olhos postos nos homens e em Deus; sem que seja necessário mudar de estado, no meio da rua, santificando a nossa profissão ou o nosso ofício, a vida no lar, as relações sociais e todas as atividades que parecem apenas terrenas.
Quando tinha vinte e seis anos e percebi em toda a sua profundidade o compromisso de servir o Senhor no Opus Dei, pedi-lhe com toda a minha alma oitenta anos de gravidade. Pedia mais anos ao meu Deus - com ingenuidade de principiante, infantil - para saber utilizar o tempo, para aprender a aproveitar cada minuto a seu serviço. O Senhor sabe conceder essas riquezas. Talvez tu e eu cheguemos a poder dizer: Entendi mais que os anciãos, porque cumpri os teus preceitos. A juventude não há de ser sinônimo de leviandade, assim como pentear cãs não significa necessariamente prudência e sabedoria.
Vamos juntos à presença da Mãe de Cristo. Mãe nossa, tu, que viste crescer Jesus, que o viste aproveitar a sua passagem entre os homens, ensina-me a utilizar os meus dias em serviço da Igreja e das almas. Mãe boa, ensina-me a ouvir no mais íntimo do coração, como uma censura carinhosa, sempre que seja necessário, que o meu tempo não me pertence, porque é do Pai Nosso que está nos Céus.
Há duas virtudes humanas - a laboriosidade e a diligência - que se confundem numa só: no empenho em tirar proveito dos talentos que cada um recebeu de Deus. São virtudes porque induzem a acabar bem todas as coisas. O trabalho - assim o venho pregando desde 1928 - não é uma maldição nem um castigo do pecado. O Gênesis fala dessa realidade antes de Adão se ter revoltado contra Deus. Nos planos do Senhor, o homem teria que trabalhar sempre, cooperando assim na imensa tarefa da Criação.
Quem é laborioso aproveita o tempo, que não é apenas ouro; é glória de Deus! Faz o que deve e está no que faz, não por rotina nem para ocupar as horas, mas como fruto de uma reflexão atenta e ponderada. Por isso é diligente. O uso normal desta palavra - diligente - já nos evoca a sua origem latina. Diligente vem do verbo diligo, que significa amar, apreciar, escolher alguma coisa depois de uma atenção esmerada e cuidadosa. Não é diligente quem se precipita, mas quem trabalha com amor, primorosamente.
Nosso Senhor, perfeito homem, escolheu um trabalho manual, que realizou delicada e carinhosamente durante quase todo o tempo que permaneceu na terra. Exerceu a sua ocupação de artesão entre os outros habitantes da sua aldeia, e esse trabalho humano e divino demonstrou-nos claramente que a atividade ordinária não é um pormenor de pouca importância, mas o eixo da nossa santificação, oportunidade contínua de nos encontrarmos com Deus, de louvá-lo e glorificá-lo com a obra da nossa inteligência ou das nossas mãos.
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/book-subject/amigos-de-dios/28947/ (09/05/2024)