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Há 5 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Coisas pequenas  → trabalho bem-feito .

Começar é de muitos; acabar, de poucos. E entre esses poucos temos de estar nós, os que procuramos comportar-nos como filhos de Deus. Não o esqueçamos: só as tarefas terminadas com amor, bem acabadas, merecem o aplauso do Senhor que se lê na Sagrada Escritura: É melhor o fim de uma obra do que o seu começo.

Talvez me tenhais ouvido já referir em outras ocasiões um pequeno episódio, que me interessa recordar-vos agora porque é muito gráfico e instrutivo. Certa vez, procurava eu no Ritual Romano a fórmula para benzer a última pedra de um edifício, aquela que é importante, porque resume, como um símbolo, o trabalho duro, esforçado e perseverante de muitas pessoas durante longos anos. Tive uma grande surpresa ao verificar que não existia; era necessário conformar-se com uma benedictio ad omnia, com uma bênção para todas as coisas, genérica. Confesso-vos que me parecia impossível que ocorresse semelhante lacuna, e fui repassando devagar o índice do Ritual. Mas em vão.

Muitos cristãos perderam o convencimento de que a integridade de vida, reclamada pelo Senhor aos seus filhos, exige um autêntico cuidado na realização das tarefas próprias, que devem santificar descendo aos pormenores mais ínfimos.

Não podemos oferecer ao Senhor uma coisa que, dentro das pobres limitações humanas, não seja perfeita, sem mancha, realizada com atenção até nos mínimos detalhes: Deus não aceita trabalhos “marretados”. Não apresentareis nada de defeituoso, admoesta-nos a Escritura Santa, pois não seria digno dEle. Por isso o trabalho de cada qual - essa atividade que ocupa as nossas jornadas e energias - há de ser uma oferenda digna aos olhos do Criador, operatio Dei, trabalho de Deus e para Deus; numa palavra, uma tarefa acabada, impecável.

Desde o começo da sua criação, o homem teve que trabalhar. Não sou eu que o invento: basta abrir a Sagrada Bíblia nas primeiras páginas para ler que - antes de que o pecado e, como conseqüência dessa ofensa, a morte e as penalidades e misérias entrassem na humanidade - Deus formou Adão com o barro da terra e criou para ele e para a sua descendência este mundo tão belo, ut operaretur et custodiret illum, para que o trabalhasse e guardasse.

Devemos convencer-nos, portanto, de que o trabalho é uma maravilhosa realidade que se nos impõe como uma lei inexorável, e de que todos, de uma maneira ou de outra, lhe estão submetidos, ainda que alguns pretendam fugir-lhe. Aprendei-o bem: esta obrigação não surgiu como uma seqüela do pecado original nem se reduz a um achado dos tempos modernos. Trata-se de um meio necessário que Deus nos confia aqui na terra, dilatando os nossos dias e fazendo-nos participar do seu poder criador, para que ganhemos o nosso sustento e simultaneamente colhamos frutos para a vida eterna: o homem nasce para trabalhar, como as aves para voar.

Talvez me digam que passaram muitos séculos e que muito poucos pensam deste modo; que a maioria, no melhor dos casos, se afadiga por motivos muito diversos: uns, pelo dinheiro; outros, para manter a família; outros, para conseguir uma certa posição social, para desenvolver as suas capacidades, para satisfazer as suas paixões desordenadas, para contribuir para o progresso social. E, em geral, encaram as suas ocupações como uma necessidade de que não podem evadir-se.

Em contraposição a essa visão achatada, egoísta, rasteira, tu e eu temos de recordar-nos e de recordar aos outros que somos filhos de Deus, a quem o Pai, como àqueles personagens da parábola evangélica, dirigiu idêntico convite: Filho, vai trabalhar na minha vinha. Asseguro-vos que, se nos empenharmos diariamente em considerar assim as nossas obrigações pessoais, como uma solicitação divina, aprenderemos a terminar as nossas tarefas com a maior perfeição humana e sobrenatural de que formos capazes. Talvez nos insurjamos uma vez ou outra - como o filho mais velho, que respondeu: Não quero -, mas saberemos reagir, arrependidos, e nos dedicaremos com maior esforço ao cumprimento do dever.

Temos que evitar o erro de pensar que o apostolado se reduz ao simples testemunho de umas práticas piedosas. Tu e eu somos cristãos, mas ao mesmo tempo, e sem solução de continuidade, cidadãos e trabalhadores, com umas obrigações claras que temos de cumprir de um modo exemplar, se nos queremos santificar de verdade. É Jesus Cristo quem nos incita: Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem acendem uma lucerna e a põem debaixo do alqueire, mas sobre o candeeiro, a fim de que dê luz a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.

O trabalho profissional - seja qual for - converte-se no candeeiro que ilumina os vossos colegas e amigos. Por isso, costumo repetir aos que se incorporam ao Opus Dei, e a minha afirmação é válida para todos os que me escutam: pouco me importa que me digam que fulano é um bom filho meu - um bom cristão -, mas um mau sapateiro! Se não se esforça por aprender bem o seu ofício ou por executá-lo com esmero, não poderá santificá-lo nem oferecê-lo ao Senhor. E a santificação do trabalho ordinário é como que o eixo da verdadeira espiritualidade para os que - imersos nas realidades temporais - estão decididos a ter uma vida de intimidade com Deus.

Lutai contra essa excessiva compreensão que cada um tem para consigo mesmo. Sede exigentes convosco! Às vezes, pensamos demasiado na saúde. Ou no descanso, que não deve faltar, precisamente porque é necessário para voltarmos ao trabalho com forças renovadas; mas esse descanso - assim o escrevi há tantos anos! - não é não fazer nada; é distrair-se em atividades que exigem menos esforço.

Noutras ocasiões, com falsas desculpas, somos demasiado comodistas, esquecemo-nos da bendita responsabilidade que pesa sobre os nossos ombros, conformamo-nos com o que basta para dar um jeito, deixamo-nos arrastar por razões sem razão para ficar com os braços cruzados, enquanto Satanás e os seus aliados não tiram férias. Escuta com atenção e medita o que São Paulo escrevia aos cristãos que eram servos por ofício: insistia com eles em que obedecessem aos seus amos, não os servindo só quando sob as suas vistas, como se só pensásseis em agradar aos homens, mas como servos de Jesus Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus, servindo-os com amor, tendo consciência de que servis ao Senhor e não aos homens. Que bom conselho para que tu e eu o sigamos!

Vamos pedir luz a Jesus Cristo Senhor Nosso e suplicar-lhe que nos ajude a descobrir em cada instante esse sentido divino que transforma a nossa vocação profissional no eixo sobre o qual assenta e gira a nossa chamada à santidade. Veremos no Evangelho que Jesus era conhecido como faber, filius Mariae, o operário, o filho de Maria. Pois bem, também nós, com um orgulho santo, temos que demonstrar com as nossas obras que somos trabalhadores!, homens e mulheres de trabalho!

Já que temos de comportar-nos sempre como enviados de Deus, devemos ter muito presente que não servimos o Senhor com lealdade quando abandonamos a nossa tarefa; quando não partilhamos com os outros do seu empenho e abnegação no cumprimento dos compromissos profissionais; quando nos podem apontar como ociosos, impontuais, frívolos, desordenados, preguiçosos, inúteis… Porque quem descura essas obrigações, aparentemente menos importantes, é difícil que vença nas outras da vida interior, que certamente são mais custosas. Quem é fiel no pouco, também o é no muito, e quem é injusto no pouco, também o é no muito.

Lembro-me também da temporada da minha permanência em Burgos, durante essa mesma época. Lá apareciam muitos, para passar uns dias comigo nos períodos de licença, além dos que se encontravam em serviço nos quartéis da região. Como moradia, compartilhava com um punhado de filhos meus o mesmo quarto de um hotel bem deteriorado. Faltava-nos até o imprescindível, mas lá nos arranjávamos para que os que vinham - eram centenas! - tivessem o necessário para descansar e repor as forças.

Tinha o costume de sair a passear pelas margens do Arlanzón, enquanto conversava com eles, enquanto ouvia as suas confidências, enquanto procurava orientá-los com o conselho adequado que lhes confirmasse ou lhes abrisse horizontes novos de vida interior. E sempre, com a ajuda de Deus, animava-os, inflamava-os, estimulava-os a prosseguir na sua conduta de cristãos. Às vezes, as nossas caminhadas chegavam até o mosteiro de Las Huelgas e, em outras ocasiões, dávamos uma escapada até a Catedral.

Gostava de subir a uma torre, para que contemplassem os lavores cimeiros, um autêntico rendilhado de pedra, fruto de um trabalho paciente, custoso. Nessas conversas, fazia-os notar que aquela maravilha não se via lá de baixo. E, para materializar o que com repetida freqüência lhes havia explicado, comentava-lhes: Assim é o trabalho de Deus, a obra de Deus!: acabar as tarefas pessoais com perfeição, com beleza, com o primor destas delicadas rendas de pedra. Diante dessa realidade que entrava pelos olhos dentro, compreendiam que tudo isso era oração, um diálogo belíssimo com o Senhor. Os que haviam consumido as suas energias nessa tarefa sabiam perfeitamente que das ruas da cidade ninguém apreciaria o seu esforço: era só para Deus. Entendes agora como é que a vocação profissional pode aproximar de Deus? Faze tu o mesmo que aqueles canteiros, e o teu trabalho será também operatio Dei, um trabalho humano com raízes e perfis divinos.