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Há 6 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Mundo → justiça.

Nós somos homens da rua, cristãos comuns, metidos na corrente circulatória da sociedade, e o Senhor nos quer santos, apostólicos, precisamente no meio do nosso trabalho profissional, quer dizer, santificando-nos nessa tarefa, santificando essa tarefa e ajudando os outros a santificar-se por meio dessa tarefa. Convencei-vos de que é Deus quem vos espera nesse ambiente, com solicitude de Pai, de Amigo; e pensai que através dos vossos afazeres profissionais, realizados com responsabilidade, além de vos sustentardes economicamente, prestais um serviço diretíssimo ao desenvolvimento da sociedade, aliviais também as cargas dos outros e mantendes muitas obras assistenciais - em nível local e universal - em prol dos indivíduos e dos povos menos favorecidos.

Na passagem do Evangelho de São Mateus que a Missa de hoje nos propõe, lemos estas palavras: Tunc abeuntes pharisaei, consilium inierunt ut caperent eum in sermone; os fariseus reuniram-se para tratar entre si de como surpreender Jesus naquilo que falasse.

Não esqueçamos que esse sistema dos hipócritas é uma tática igualmente comum nestes tempos. Penso que a erva daninha dos fariseus jamais se extinguirá no mundo: sempre teve uma fecundidade prodigiosa. Talvez o Senhor tolere que cresça para nos tornar prudentes a nós, seus filhos, já que a virtude da prudência é imprescindível a qualquer um que se encontre na situação de ter de dar critério, de fortalecer, de corrigir, de inflamar, de encorajar. E é precisamente assim, como apóstolo, servindo-se das circunstâncias dos seus afazeres habituais, que um cristão deve agir em relação aos que o rodeiam.

Levanto neste momento o coração a Deus e peço, por mediação da Virgem Santíssima - que está na Igreja, mas acima da Igreja: entre Cristo e a Igreja, para proteger, para reinar, para ser Mãe dos homens, como o é de Jesus Nosso Senhor -, peço a Deus que nos conceda a todos essa prudência, e especialmente aos que, como nós, metidos na corrente circulatória da sociedade, desejam trabalhar por Ele. Verdadeiramente, convém-nos aprender a ser prudentes.

As circunstâncias do servo da parábola que devia dez mil talentos refletem bem a nossa situação diante de Deus: nós também não contamos com nada para pagar a dívida imensa que contraímos por tantas bondades divinas, e que aumentamos ao ritmo dos nossos pecados pessoais. Ainda que lutemos denodadamente, não conseguiremos devolver com eqüidade o muito que o Senhor nos perdoou. Mas a misericórdia divina supre folgadamente a impotência da justiça humana. Ele, sim, pode dar-se por satisfeito e perdoar-nos a dívida, simplesmente porque é bom e infinita a sua misericórdia.

Como nos lembramos muito bem, a parábola termina com uma segunda parte, que é contraponto da anterior. Aquele servo, a quem acabam de perdoar um cabedal enorme, não se compadece de um companheiro que lhe devia apenas cem denários. É aqui que se põe de manifesto a mesquinhez do seu coração. Falando estritamente, ninguém lhe negaria o direito de exigir o que é seu. No entanto, alguma coisa se revolta dentro de nós e nos sugere que essa atitude intolerante se afasta da verdadeira justiça: não é justo que quem, apenas poucos minutos antes, recebeu um tratamento misericordioso de favor e de compreensão, não demonstre ao menos um pouco de paciência para com o seu devedor. Reparai que a justiça não se manifesta exclusivamente no respeito exato dos direitos e deveres, à semelhança dos problemas aritméticos, que se resolvem fazendo somas e subtrações.

A virtude cristã é mais ambiciosa. Incita-nos a mostrar-nos agradecidos, afáveis, generosos; a comportar-nos como amigos leais e honrados, tanto nos tempos bons como na adversidade; a cumprir as leis e a respeitar as autoridades legítimas; a retificar com alegria, quando percebemos que nos enganamos ao enfrentar uma questão. Sobretudo, se somos justos, ater-nos-emos aos nossos compromissos profissionais, familiares, sociais…, sem espaventos nem pregões, trabalhando com empenho e exercendo os nossos direitos, que são também deveres.

Não acredito na justiça dos folgazões, porque com o seu dolce far niente - como dizem na minha querida Itália - faltam, e às vezes de modo grave, ao mais fundamental dos princípios da eqüidade: o do trabalho. Não devemos esquecer que Deus criou o homem ut operaretur, para que trabalhasse, e os outros - a nossa família e nação, a humanidade inteira - dependem também da eficácia do nosso trabalho. Meus filhos! Que pobre idéia fazem da justiça os que a reduzem a uma simples distribuição de bens materiais!

Desde a minha infância - ou, no dizer da Escritura, desde que tive ouvidos para ouvir -, comecei já a escutar o vozerio da questão social. Não tem nada de mais, porque é um tema antigo, de sempre. Talvez tenha surgido no próprio instante em que os homens se organizaram de algum modo e se tornaram mais visíveis as diferenças de idade, de inteligência, de capacidade de trabalho, de interesses, de personalidade.

Não sei se é irremediável que haja classes sociais. Seja como for, também não é do meu ofício falar dessas matérias, e muito menos aqui, neste oratório, em que nos reunimos para falar de Deus - jamais quereria falar de outro tema na minha vida - e para falar com Deus.

Pensai como preferirdes em tudo o que a Providência deixou à livre e legítima discussão dos homens. Mas a minha condição de sacerdote de Cristo impõe-me a necessidade de subir mais alto e de vos recordar que, em qualquer caso, não podemos deixar nunca de praticar a justiça, com heroísmo se for preciso.

Temos obrigação de defender a liberdade pessoal de todos, sabendo que foi Jesus Cristo quem nos adquiriu essa liberdade; se não agimos assim, com que direito podemos reclamar a nossa? Devemos difundir também a verdade, porque veritas liberabit vos, a verdade nos liberta, ao passo que a ignorância escraviza. Cumpre-nos defender o direito, que todos os homens têm, de viver, de possuir o necessário para desenvolver uma existência digna, de trabalhar e descansar, de escolher o seu estado, de formar um lar, de trazer filhos ao mundo dentro do matrimônio e de poder educá-los, de passar serenamente o tempo da doença ou da velhice, de ter acesso à cultura, de associar-se com os demais cidadãos para atingir fins lícitos, e, em primeiro lugar, de conhecer e amar a Deus com plena liberdade, porque a consciência - se for reta - descobrirá as pegadas do Criador em todas as coisas.

Precisamente por isso, urge repetir - não me meto em política, afirmo a doutrina da Igreja - que o marxismo é incompatível com a fé de Cristo. Existe coisa mais oposta à fé que um sistema que baseia tudo em eliminar da alma a presença amorosa de Deus? Gritai-o com muita força, de modo que se ouça claramente a vossa voz: para praticar a justiça, não precisamos do marxismo para nada. Pelo contrário, esse erro gravíssimo - pelas suas soluções exclusivamente materialistas, que ignoram o Deus da paz - ergue obstáculos no caminho para a felicidade e para o entendimento entre os homens.

Dentro do cristianismo encontramos a boa luz que dá sempre resposta a todos os problemas. Basta que vos empenheis sinceramente em ser católicos, non verbo neque lingua, sed opere et veritate, não com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade. Dizei isso sempre que surgir a ocasião - e procurai-a, se for preciso -, sem reticências, sem medo.

Referências da Sagrada Escritura
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