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Há 2 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Mística do oxalá.

Mas, às vezes, a mulher não tem certeza de se encontrar realmente no lugar que lhe compete e a que é chamada. Muitas vezes, quando faz um trabalho fora de casa, pesam sobre ela as solicitações do lar; e, quando continua dedicando-se em cheio à família, sente-se limitada em suas possibilidades. Que diria o senhor às mulheres que passam por essas contradições?

Esse sentimento, que é muito real, procede freqüentemente, mais do que das limitações concretas — que todos temos, por sermos humanos — da falta de ideais bem determinados, capazes de orientar a vida inteira, ou então de uma inconsciente soberba: às vezes desejaríamos ser os melhores sob qualquer aspecto e em qualquer nível. E, como isso não é possível, nasce um estado de desorientação e de ansiedade, ou até de desânimo e de tédio: não se pode estar em toda a parte ao mesmo tempo, não se sabe a que se há de atender e não se atende a nada eficazmente. Nesta situação, a alma fica exposta à inveja, a imaginação tende a desatar-se e a buscar um refúgio na fantasia que, afastando da realidade, acaba adormecendo a vontade. É o que repetidas vezes chamei de mística do oxalá1, feita de sonhos vãos e de falsos idealismos: oxalá não me tivesse casado, oxalá não tivesse esta profissão, oxalá tivesse mais saúde, ou menos anos ou mais tempo!

O remédio — custoso, como tudo que tem valor — está em procurar o verdadeiro centro da vida humana, o que pode dar uma hierarquia, uma ordem e um sentido a tudo: a intimidade com Deus, mediante uma vida interior autêntica. Se, vivendo em Cristo, tivermos nEle o nosso centro, descobriremos o sentido da missão que nos foi confiada, teremos um ideal humano que se torna divino, novos horizontes de esperança se abrirão à nossa vida, e chegaremos a sacrificar com gosto, não já este ou aquele aspecto de nossa atividade, mas a vida inteira, dando-lhe assim, paradoxalmente, seu mais profundo acabamento.

O caso da mulher que V. focaliza, não é extraordinário: com outras peculiaridades, muitos homens sentem algo de semelhante algumas vezes. A raiz costuma ser a mesma: falta de um ideal profundo, que só se descobre à luz de Deus.

Em todo caso, também é preciso pôr em prática pequenos remédios, que parecem banais, mas que não o são: quando há muitas coisas a fazer, é necessário estabelecer uma ordem, impõe-se organizar a vida. Muitas dificuldades provêm da falta de ordem, da carência deste hábito. Há mulheres que fazem mil coisas, e todas bem, porque organizaram a vida, porque impuseram com fortaleza uma ordem à abundância das tarefas. Souberam permanecer em cada momento no que deviam fazer, sem se desviarem pensando no que viria depois ou no que talvez houvessem podido fazer antes. Outras, em contrapartida, vêem-se afobadas pelos muitos afazeres; e, assim afobadas, não fazem nada.

Sempre haverá, por certo, muitas mulheres cuja única ocupação seja dirigir o seu lar. Devo dizer que esta é uma grande ocupação, que vale a pena. Através dessa profissão — porque o é, verdadeira e nobre — influem positivamente, não só na família, mas também numa multidão de amigos e de conhecidos, em pessoas com as quais de um modo ou de outro se relacionam, realizando uma tarefa bem mais extensa, muitas vezes, do que a de outras profissões. Isto para não falar do que acontece quando põem essa experiência e essa ciência ao serviço de centenas de pessoas, em centros destinados à formação da mulher, como os que dirigem minhas filhas do Opus Dei, em todos os países do mundo. Nesta altura, convertem-se em professoras do lar, com mais eficácia educativa, diria eu, do que muitos catedráticos de universidade.

Esta doutrina da Sagrada Escritura, que se encontra — como sabem — no próprio cerne do espírito do Opus Dei, deve levar-nos a realizar o trabalho com perfeição, a amar a Deus e aos homens pondo amor nas pequenas coisas da jornada habitual, descobrindo esse algo divino que se encerra nos detalhes. Que bem ficam aqui aqueles versos do poeta de Castela!: Despacito, y buena letra: el hacer las cosas bien importa más que el hacerlas1.

Eu lhes asseguro, meus filhos, que quando um cristão desempenha com amor a mais intranscendente das ações diárias, está desempenhando algo donde transborda a transcendência de Deus. Por isso tenho repetido, com insistente martelar, que a vocação cristã consiste em transformar em poesia heróica a prosa de cada dia. Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não: onde de verdade se juntam é no coração, quando se vive santamente a vida diária…

Viver santamente a vida diária, como acabo de dizer. E com estas palavras me refiro a todo o programa dos afazeres cristãos. Portanto, deixem-se de sonhos, de falsos idealismos, de fantasias, disso que costumo chamar de mística do oxalá: oxalá não me tivesse casado, oxalá não tivesse esta profissão, oxalá tivesse mais saúde, oxalá fosse jovem, oxalá fosse velho…; e atenham-se, pelo contrário, sobriamente, à realidade mais material e imediata, que é onde o Senhor está: olhai minhas mãos e meus pés — disse Jesus ressuscitado — , sou eu mesmo.Apalpaie vede que um espírito não tem carne e ossos, como vedes que eu tenho.

São muitos os aspectos do ambiente secular que se iluminam a partir destas verdades. Pensem, por exemplo, na atuação que têm como cidadãos na vida civil. Um homem ciente de que o mundo — e não só o templo — é o lugar do seu encontro com Cristo, ama este mundo, procura adquirir um bom preparo intelectual e profissional, vai formando — com plena liberdade — seus próprios critérios sobre os problemas do meio em que se desenvolve; e, por conseqüência, toma suas próprias decisões, as quais, por serem decisões de um cristão, procedem além disso de uma reflexão pessoal, que tenta humildemente captar a vontade de Deus nesses detalhes pequenos e grandes da vida.

Notas
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A expressão original — mística ojalatera — envolve um trocadilho intraduzível: hojalata é, em castelhano, folha de flandres ou lata; e ojalá equivale exatamente ao nosso "oxalá". Como é obvio, o autor pretende frisar a idéia de que essa mística não vale nada, que é de lata (N. do T.).

Referências da Sagrada Escritura
Notas
1

Devagarinho,, e boa letra; que fazer as coisas bem, importa mais que fazê-las. A. Machado, Poesias Completas, CLXI. — Proverbios y cantares, XXIV. Espasa Calpe, Madrid, 1940. (N. do T.)

Referências da Sagrada Escritura