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Há 5 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Espírito Santo  → sua ação nos cristãos.

Como explica o imenso êxito do Opus Dei e por que critérios mede o senhor esse êxito?

Quando um empreendimento é sobrenatural, pouco importam o êxito ou o fracasso, tal como se costumam entender vulgarmente. Já dizia São Paulo aos cristãos de Corinto que, na vida espiritual, o que interessa não é o juízo dos outros, nem o nosso próprio, mas o juízo de Deus.

É verdade que a Obra está hoje universalmente estendida: a ela pertencem homens e mulheres de cerca de 70 nacionalidades. Ao pensar nesse fato, eu mesmo me surpreendo. Não encontro para isso explicação humana alguma, a não ser a vontade de Deus, pois o Espírito sopra onde quer e serve-se de quem quer para levar a cabo a santificação dos homens. Tudo isso é para mim ocasião de ação de graças, de humildade e de oração a Deus, para saber sempre servi-Lo.

Pergunta-me também qual é o critério pelo qual meço e julgo as coisas. A resposta é muito simples; santidade, frutos de santidade.

O apostolado mais importante do Opus Dei é aquele que cada sócio realiza através do testemunho de sua vida e com a sua palavra, no convívio diário com seus amigos e colegas de profissão. Quem pode medir a eficácia sobrenatural deste apostolado calado e humilde? não se pode avaliar a ajuda que representa o exemplo de um amigo leal e sincero, ou a influência de uma boa mãe no seio da família.

Mas talvez a sua pergunta se refira aos apostolados corporativos que o Opus Dei leva a cabo, na suposição de que, neste caso, se podem medir os resultados do ponto de vista humano, técnico: se uma escola de capacitação operária consegue promover socialmente os homens que a freqüentam, se uma universidade dá a seus estudantes uma formação profissional e cultural adequadas. Admitindo que a sua pergunta tenha esse sentido, dir-lhe-ei que o resultado se pode explicar, em parte, por se tratar de tarefas realizadas por pessoas que as executam como atividade profissional específica, para a qual se prepararam como todo aquele que deseja realizar um trabalho sério. Isto quer dizer, entre outras coisas, que não se promovem essas obras de acordo com esquemas preconcebidos, mas que em cada caso se estudam as necessidades peculiares da sociedade em que se vão inserir, para adaptá-las às exigências reais.

Mas repito-lhe que o Opus Dei não se interessa primordialmente pela eficácia humana. O êxito ou o fracasso real desses trabalhos depende de que, sendo humanamente bem feitos, sirvam ou não para que, tanto os que realizam essas atividades como os que delas se beneficiem, amem a Deus, sintam-se irmãos de todos os demais homens e manifestem estes sentimentos num serviço desinteressado à humanidade.

Na Espanha, o Opus Dei preza-se de reunir pessoas de todas as classes sociais. É válida esta afirmação para o resto do mundo ou deve-se admitir que nos outros países os sócios do Opus Dei procedem de ambientes mais ilustrados, como seriam os estados-maiores da Indústria, da Administração, da Política e das Profissões liberais?

De fato, na Espanha como em todo o mundo, pertencem ao Opus Dei pessoas de todas as condições sociais: homens e mulheres, velhos e jovens, trabalhadores , industriais, empregados, camponeses, pessoas que exercem profissões liberais, etc. A vocação é Deus quem dá; e para Deus, não há distinção de pessoas.

Mas o Opus Dei não se preza de coisa alguma: as obras apostólicas não devem o seu crescimento às forças humanas, mas ao sopro do Espírito Santo. Numa associação com uma finalidade terrena, é lógico que se publiquem estatísticas ostentosas sobre número, condição e qualidade dos sócios, e assim costumam fazê-lo de fato as organizações que buscam um prestígio temporal; mas esse modo de agir, quando se procura a santificação das almas, favorece a soberba coletiva: e Cristo quer a humildade de cada cristão e dos cristãos como um todo.

A que atribui a crescente importância que se dá ao Opus Dei? É devida só ao atrativo da sua doutrina ou é também um reflexo das ansiedades da idade moderna?

O Senhor suscitou o Opus Dei em 1928 para ajudar a recordar aos cristãos que, como conta o livro do Gênesis, Deus criou o homem para trabalhar. Viemos chamar de novo a atenção para o exemplo de Jesus que, durante trinta anos, permaneceu em Nazaré trabalhando, desempenhando um ofício. Nas mãos de Jesus, o trabalho, e um trabalho profissional semelhante àquele que desenvolvem milhões de homens no mundo, converte-se em tarefa divina, em trabalho redentor, em caminho de salvação.

O espírito do Opus Dei recolhe a formosíssima realidade — esquecida durante séculos por muitos cristãos — de que qualquer trabalho humanamente digno e nobre se pode converter em tarefa divina. No serviço de Deus, não há ofícios de pouca categoria: todos são de muita importância.

Para amar a Deus e servi-Lo, não é necessário fazer coisas esquisitas. Cristo pede a todos os homens sem exceção que sejam perfeitos como seu Pai celestial é perfeito (Mt. 5, 48). Para a grande maioria dos homens, ser santo significa santificar o seu trabalho, santificar-se no trabalho e santificar os outros com o trabalho, e assim encontrar Deus no caminho da vida.

As condições da sociedade contemporânea, que valoriza cada vez mais o trabalho, facilitam evidentemente que os homens do nosso tempo possam compreender este aspecto da mensagem cristã que o espírito do Opus Dei veio sublinhar. Porém, mais importante ainda é o influxo do Espírito Santo, que em sua ação vivificadora quis que o nosso tempo fosse testemunha de um grande movimento de renovação em todo o Cristianismo. Quando se lêem os decretos do Concílio Vaticano II, percebe-se claramente que uma das partes importantes dessa renovação foi precisamente a revalorização do trabalho ordinário e da dignidade da vocação do cristão que vive e trabalha no mundo.

Isto traz como conseqüência uma visão mais profunda da Igreja, como comunidade formada por todos os fiéis, sendo todos nós solidários de uma mesma missão, que cada um deve realizar de acordo com as suas circunstâncias pessoais. Os leigos, graças aos impulsos do Espírito Santo, são cada vez mais conscientes de serem Igreja, de terem uma missão específica, sublime e necessária, já que foi querida por Deus. E sabem que essa missão depende da sua própria condição de cristãos; não necessariamente de um mandato da Hierarquia, embora seja evidente que devem, levá-la a cabo em união com a Hierarquia eclesiástica e segundo os ensinamentos do Magistério: sem união do Corpo episcopal e com a sua Cabeça, o Romano Pontífice, não pode haver, para um católico, união com Cristo. O modo específico de os leigos contribuírem para a santidade e o apostolado da Igreja é a ação livre e responsável no seio das estruturas temporais, a elas levando o fermento da mensagem cristã. O testemunho de vida cristã, a palavra que ilumina em nome de Deus, e a ação responsável, a serviço dos outros e como contributo para a solução dos problemas comuns, são outras tantas manifestações dessa presença através da qual o simples cristão cumpre a missão para que Deus o chamou.

Faz muitíssimos anos, desde a própria data da fundação do Opus Dei, meditei e fiz meditar umas palavras de Cristo relatadas por São João: "E eu, quando for levantado sobre a terra, atrairei tudo a Mim" (Jo 12, 32). Cristo, ao morrer na Cruz, atrai a Si a criação inteira; e, em seu nome, os cristãos, trabalhando em meio ao mundo, hão de reconciliar todas as coisas com Deus, colocando Cristo no cume de todas as atividades humanas.

Gostaria de acrescentar que, a partir desta consciencialização dos leigos, está se produzindo um desenvolvimento análogo da sensibilidade dos pastores. Apercebem-se do elemento específico da vocação laical, que deve ser promovida e favorecida mediante uma pastoral que leve a descobrir no meio do Povo de Deus o carisma da santidade e do apostolado, nas infinitas e diversíssimas formas em que Deus o concede.

Esta nova pastoral é muito exigente, mas, a meu ver, absolutamente necessária. Requer o dom sobrenatural do discernimento de espíritos, a sensibilidade para as coisas de Deus, a humildade de não impor as preferências pessoais e de colocar-se a serviço daquilo que Deus promove nas almas. Numa palavra: o amor à legítima liberdade dos filhos de Deus, que encontram Cristo e são feitos portadores de Cristo, percorrendo caminhos muitos diversos entre si, mas todos igualmente divinos.

Um dos maiores perigos que hoje ameaçam a Igreja poderia ser precisamente o de não reconhecer essas exigências divinas da liberdade cristã; e, deixando-se levar por falsas razões de eficácia, pretender impor uma uniformidade aos cristãos. Na raiz dessas atitudes encontra-se algo não só legítimo como digno de encômios: o desejo de que a Igreja dê um testemunho tal, que comova o mundo moderno. Temo, porém que o caminho seja errado e que leve, por um lado, a comprometer a Hierarquia em questões temporais, caindo num clericalismo diverso, mas tão nefando como o dos séculos passados; e por outro, a isolar os leigos, os simples cristãos, separando-os do mundo em que vivem para convertê-los em porta-vozes de decisões ou idéias concebidas fora desse mundo.

Parece-me que o que se espera de nós, sacerdotes é a humildade de aprendermos a não estar na moda, sendo realmente servos dos servos de Deus — lembrando-nos daquele grito de João Batista: illum oportet crescere, me autem minui (Jo 3, 30), convém que Cristo cresça e que eu diminua —, para que os cristãos correntes, os leigos, tornem Cristo presente em todos os ambientes da sociedade. A missão de dar doutrina, de ajudar a penetrar nas exigências pessoais e sociais do Evangelho, de levar a discernir os sinais dos tempos — é e será sempre uma das tarefas fundamentais do sacerdote. No entanto, toda a atividade sacerdotal deve ser realizada dentro do maior respeito pela legítima liberdade das consciências; cada homem deve responder a Deus livremente. Aliás, qualquer católico, além dessa ajuda do sacerdote, tem ainda luzes próprias que recebe de Deus, graça de estado para levar avante a missão específica que recebeu, como homem e como cristão.

Se alguém pensa que, para a voz de Cristo se fazer ouvir no mundo de hoje, é necessário que o clero fale ou marque sempre sua presença — é porque ainda não entendeu bem a dignidade da vocação divina de todos e de cada um dos fiéis cristãos.

Esclarecido esse ponto, gostava de lhe perguntar o seguinte: quais são as características da formação espiritual dos sócios, que fazem com que fique excluído todo tipo de interesse temporal no fato de se pertencer ao Opus Dei?

Todo interesse que não seja puramente espiritual fica radicalmente excluído, porque a Obra pede muito — desprendimento, sacrifício, abnegação, trabalho sem descanso a serviço das almas — e não dá nada. Quero dizer que não dá nada no plano dos interesses temporais; porque, no plano da vida espiritual, dá muito: dá meios para combater e vencer na vida ascética, encaminhada por caminhos de oração, ensina a tratar a Jesus como um irmão, a ver Deus em todas as circunstâncias da vida, a sentir-se filho de Deus e, por conseguinte, comprometido a difundir a sua doutrina.

Uma pessoa que não progrida pelo caminho da vida interior, até chegar a compreender que vale a pena dar-se de todo, entregar a própria vida a serviço do Senhor, não pode perseverar no Opus Dei, porque a santidade não é um rótulo, mas uma profunda exigência.

Por outro lado, o Opus Dei não tem nenhuma atividade de fins políticos, econômicos ou ideológicos: nenhuma ação temporal. Suas únicas atividades são a formação sobrenatural de seus sócios e as obras de apostolado, quer dizer, a contínua atenção espiritual prestada a cada um dos sócios, e as obras corporativas de assistência, de beneficência, de educação, etc.

Os sócios do Opus Dei unem-se somente para seguir um caminho de santidade, bem definido, e colaborar em determinadas obras de apostolado. Seus compromissos recíprocos excluem qualquer tipo de interesse terreno pelo simples fato de que, nesse campo, todos os sócios do Opus Dei são livres e, portanto, cada um segue o seu próprio caminho, com finalidades e interesses diferentes e por vezes contrapostos.

Como conseqüência do fim exclusivamente divino da Obra, seu espírito é um espírito de liberdade, de amor à liberdade pessoal de todos os homens. E, como esse amor à liberdade é sincero e não um mero enunciado teórico, nós amamos a necessária conseqüência da liberdade: quer dizer, o pluralismo. No Opus Dei, o pluralismo é querido e amado; não simplesmente tolerado e de modo algum dificultado. Quando me é dado observar entre os sócios da Obra tantas idéias diversas, tantas atitudes diferentes — no que diz respeito às questões políticas, econômicas, sociais ou artísticas, etc. —, esse espetáculo me dá alegria porque é sinal de que tudo está funcionando diante de Deus como deve ser.

Unidade espiritual e variedade nas coisas temporais são compatíveis quando não reinam o fanatismo e a intolerância; e, sobretudo, quando se vive de fé e se sabe que nós, os homens, estamos unidos não por meros laços de simpatia ou de interesse, mas pela ação de um mesmo Espírito que, fazendo-nos irmãos de Cristo, nos conduz a Deus Pai.

Um verdadeiro cristão nunca pensa que a unidade na fé, a fidelidade ao Magistério e à Tradição da Igreja, bem como a preocupação de fazer chegar aos outros a mensagem salvadora de Cristo, estejam em dissonância com a variedade de atitudes nas coisas que Deus deixou, como se costuma dizer, à livre discussão dos homens. Mais ainda: tem plena consciência de que essa variedade faz parte do plano divino, é querida por Deus, que reparte seus dons e suas luzes conforme deseja. O cristão deve amar os outros e portanto respeitar as opiniões contrárias às suas, e conviver em plena fraternidade com aqueles que pensam de outro modo.

Precisamente porque os sócios da Obra se formam de acordo com este espírito, é impossível que alguém pense em se aproveitar do fato de pertencer ao Opus Dei para obter vantagens pessoais, ou para tentar impor aos outros opções políticas ou culturais: porque os outros não o suportariam, e o levariam a mudar de atitude ou a abandonar a Obra. Este é um ponto em que ninguém no Opus Dei poderá permitir jamais o menor desvio, porque deve defender, não apenas a sua liberdade pessoal, mas também a natureza sobrenatural do labor a que se entregou. Penso, por isso, que a liberdade e a responsabilidade pessoais são a melhor garantia da finalidade sobrenatural da Obra de Deus.