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Há 3 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Evangelho → fidelidade ao Evangelho.

Queríamos começar esta entrevista com um problema que provoca em muitos espíritos as mais diversas interpretações Referimo-nos ao tema "aggiornamento". Como entende, aplicado à vida da Igreja, o verdadeiro sentido desta palavra?

Fidelidade. Para mim, aggiornamento significa sobretudo isto: fidelidade. Um marido, um soldado, um administrador é sempre tanto melhor marido, tanto melhor soldado, tanto melhor administrador, quanto mais fielmente souber corresponder, em cada momento, perante cada nova circunstância da sua vida, aos firmes compromissos de amor e de justiça que um dia assumiu. A fidelidade delicada, operativa e constante — que é difícil, como é difícil qualquer aplicação de princípios à realidade mutável do que é contingente — é por isso a melhor defesa da pessoa contra a velhice de espírito a aridez de coração e a anquilose mental.

O mesmo sucede na vida das instituições, singularissimamente na vida da Igreja, que obedece, não a um precário projeto do homem, mas a um desígnio de Deus. A Redenção, a salvação do mundo, é obra da amorosa e filial fidelidade de Jesus Cristo — e da nossa com Ele — à vontade do Pai celestial que o enviou. Por isso, o aggiornamento da Igreja — agora, como em qualquer outra época — é fundamentalmente isto: uma reafirmação gozosa da fidelidade do Povo de Deus à missão recebida, ao Evangelho.

É claro que essa fidelidade — viva e atual perante cada circunstância da vida dos homens — pode requerer, e de fato tem requerido com freqüência na história duas vezes milenária da Igreja e recentemente no Concílio Vaticano II, oportunos desenvolvimentos doutrinais na exposição das riquezas do Depositum Fidei, assim como convenientes modificações e reformas que aperfeiçoam — no seu elemento humano, perfectível — as estruturas organizativas e os métodos missionários e de apostolado.

Mas seria pelo menos superficial pensar que o aggiornamento consiste primariamente em modificar, ou que toda a modificação aggiorna. Basta pensar que não falta quem, à margem, da doutrina conciliar e contra ela, também desejaria modificações que fariam retroceder em muitos séculos de história — pelo menos até a época feudal — o caminho progressivo do Povo de Deus.

* Em português, atualização. O termo foi utilizado com frequência nos anos do Concílio Vaticano II, para referir-se à conveniência de ter em conta, à hora de renovar a vida da Igreja, as mudanças que ocorrem nas mentalidades e na sociedade.

Considerando que há sócios do Opus Dei nas mais diversas camadas da sociedade e que alguns deles trabalham ou dirigem empresas ou grupos de certa importância, pode-se pensar que o Opus Dei procura coordenar essas atividades de acordo com uma linha política, econômica, etc.?

De maneira nenhuma. O Opus Dei não intervém para nada em política; é absolutamente alheio a qualquer tendência, grupo ou regime político, econômico, cultural ou ideológico. Seus fins — repito — são exclusivamente espirituais e apostólicos. De seus sócios exige apenas que vivam cristãmente, que se esforcem por ajustar suas vidas ao ideal do Evangelho. Não se imiscui, pois, de maneira nenhuma nas questões temporais.

Se alguém não entender isto, talvez seja porque não compreende a liberdade pessoal ou não consegue distinguir entre os fins exclusivamente espirituais que levam os sócios da obra a associar-se e o vastíssimo campo das atividades humanas — a economia, a política, a cultura, a arte, a filosofia, etc. — em que os sócios do Opus Dei gozam de plena liberdade e trabalham sob a sua própria responsabilidade.

Desde os seus primeiros contactos com a obra, todos os sócios conhecem bem a realidade da sua liberdade individual, de modo que se em algum caso um deles tentasse pressionar os outros, impondo suas próprias opiniões em matéria política, ou servir-se deles para interesses humanos, os outros se insurgiriam e o expulsariam imediatamente.

O respeito à liberdade de seus sócios é condição essencial para a própria existência do Opus Dei. Sem isso, ninguém viria à Obra. Mais ainda: se alguma vez ocorresse — não aconteceu,, não acontece e, com a ajuda de Deus, não acontecerá nunca — uma intromissão do Opus Dei na política ou em algum outro campo das atividades humanas, o primeiro inimigo da Obra seria eu.

Para terminar: o senhor está satisfeito com estes quarenta anos de atividade? A experiência destes últimos anos, as mudanças sociais, o Concílio Vaticano II, etc., lhe sugeriram algumas mudanças de estrutura?

Satisfeito? Não posso deixar de estar, quando vejo que, apesar de minhas misérias pessoais, o Senhor fez em torno desta Obra de Deus tantas coisas maravilhosas. Para um homem que vive de fé, sua vida será sempre a história das misericórdias de Deus. Em alguns momentos, talvez essa história seja difícil de ler, porque tudo pode parecer inútil, e até um fracasso; outras vezes o Senhor deixa ver frutos copiosos, e aí é natural que o coração transborde em ação de graças.

Uma de minhas maiores alegrias foi precisamente ver como o Concílio Vaticano II proclamou com grande clareza a vocação divina do laicato. Sem jactância alguma, devo dizer que, pelo que diz respeito ao nosso espírito, o Concílio não representou um convite à mudança: pelo contrário, veio confirmar o que — pela graça de Deus — estávamos vivendo e ensinando faz muitos anos. A principal característica do Opus Dei não são as determinadas técnicas ou métodos de apostolado, nem umas estruturas determinadas, mas sim um espírito que leva precisamente a santificar o trabalho de cada dia.

Erros e misérias pessoais, repito, todos temos. E todos devemos examinar-nos seriamente na presença de Deus, confrontando nossa própria vida com o que o Senhor nos exige. Mas sem esquecer o mais importante: si scires donum Dei!… (Jo 4, 10), se reconhecesses o dom de Deus!, dizia Jesus à Samaritana. E São Paulo acrescenta; trazemos este tesouro em vasos de barro, para que se reconheça que a excelência do poder é de Deus e não nossa (2 Cor. 4, 7).

A humildade, o exame cristão, começa reconhecendo o dom de Deus. É algo bem diferente da atitude encolhida ante o rumo que tomam os acontecimentos da sensação de inferioridade ou desalento perante a história. Na vida pessoal, e às vezes também na vida das associações ou das instituições, pode haver coisas a mudar, inclusive muitas; mas a atitude com que o cristão deve enfrentar esses problemas tem que ser sobretudo a de admirar-se ante a magnitude de Deus, comparada com a pequenez humana.

O aggiornamento deve fazer-se, antes de mais, na vida pessoal , para pô-la de acordo com essa velha novidade do Evangelho. Estar em dia significa identificar-se com Cristo, que não é uma personagem que passou à história; Cristo vive e viverá sempre: ontem, hoje e por todos os séculos (Hebr. 13, 8).

Quanto ao Opus Dei considerado em conjunto, bem se pode afirmar, sem qualquer espécie de arrogância, com agradecimento à bondade de Deus, que nunca terá problemas de adaptação ao mundo: nunca se achará na necessidade de se pôr em dia. Deus Nosso Senhor pôs em dia a Obra de uma vez para sempre, dando-lhe essas características peculiares, laicais; e não terá nunca necessidade de se adaptar ao mundo, porque todos os seus sócios são do mundo; não terá que ir atrás do progresso humano, porque são todos os sócios da Obra, juntamente com os outros homens que vivem no mundo, que fazem esse progresso mediante o seu trabalho quotidiano.