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Há 4 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Vocação cristã  → liberdade.

Uma característica de toda a vida cristã — seja qual for o caminho através do qual se realiza — é a "dignidade e a liberdade dos filhos de Deus". A que se refere, pois, quando ao longo de todos os seus ensinamentos, defende tão insistentemente a liberdade dos leigos?

Refiro-me precisamente à liberdade pessoal que os leigos têm para tomar, à luz dos princípios enunciados pelo Magistério, todas as decisões concretas de ordem teórica ou prática — por exemplo, em relação às diversas opiniões filosóficas ou políticas, às correntes artísticas e culturais, aos problemas de sua vida profissional ou social, etc. — que cada um julgue em consciência convenientes e mais de acordo com suas convicções pessoais e aptidões humanas.

Este necessário âmbito de autonomia que o leigo católico necessita para não ficar capitisdiminuído perante os outros leigos, e para poder levar a cabo, com eficácia, sua peculiar tarefa apostólica em meio das realidades temporais, deve ser sempre cuidadosamente respeitado por todos os que na Igreja exercemos o sacerdócio ministerial. A não ser assim — se se tratasse de instrumentalizar o leigo para fins que ultrapassam os que são próprios do ministério hierárquico — incorrer-se-iam num anacrônico e lamentável clericalismo. Limitar-se-iam enormemente as possibilidades apostólicas dentro do laicato — condenando-o a perpétua imaturidade —, mas sobretudo pôr-se-iam em perigo — hoje especialmente — os próprios conceitos de autoridade e de unidade na Igreja. Não podemos esquecer que a existência também entre os católicos, de um autêntico pluralismo de critério e de opinião, nas coisas que Deus deixou à livre discussão dos homens, não só não se opõe à ordenação hierárquica e à necessária unidade do Povo de Deus, mas ainda as robustece e as defende contra possíveis impurezas.

Poderia descrever as diferenças que existem entre o modo como o Opus Dei enquanto associação cumpre a sua missão, e a forma de os sócios do Opus Dei como indivíduos cumprirem as suas? Por exemplo, que critérios permitem considerar preferível que um projeto seja realizado pela Associação — um colégio ou uma casa de retiros —, ou então por pessoas individuais — como uma empresa editorial ou comercial?

A atividade principal do Opus Dei consiste em dar aos seus sócios, e às pessoas que o desejem, os meios espirituais necessários para viverem como bons cristãos no meio do mundo. Dá-lhes a conhecer a doutrina de Cristo, os ensinamentos da Igreja; Proporciona-lhes um espírito que os impele a trabalhar bem, por amor de Deus e a serviço de todos os homens. Trata-se, numa palavra, de se comportarem como cristãos: convivendo com todos, respeitando a legítima liberdade de todos e fazendo com que este nosso mundo seja mais justo.

Cada um dos sócios ganha a vida e serve a sociedade com a profissão que tinha antes de entrar no Opus Dei e que exerceria se não pertencesse à Obra. Assim, uns são mineiros, outros ensinam em escolas ou Universidades, outros são comerciantes, donas de casa, secretárias, camponeses. Não há nenhuma atividade humana nobre que um sócio do Opus Dei não possa exercer. Aquele que, por exemplo, antes de pertencer à nossa Obra trabalhava numa atividade editorial ou comercial, continuará a ocupar-se dessa tarefa depois. E se, a propósito desse trabalho ou de outro qualquer, procura um novo emprego, ou decide com seus colegas de profissão fundar uma empresa, é coisa que cabe a ele decidir livremente, aceitando e responsabilizando-se pessoalmente pelos resultados do seu trabalho.

Toda a atuação dos diretores do Opus Dei se baseia num delicado respeito pela liberdade profissional dos sócios: é este um ponto de importância capital, de que depende a própria existência da Obra, e que portanto se vive com fidelidade absoluta. Cada sócio pode trabalhar profissionalmente nos mesmos campos em que trabalharia se não pertencesse ao Opus Dei, de maneira que nem o Opus Dei como tal nem nenhum dos outros sócios têm nada a ver com o trabalho profissional que esse sócio desenvolve. Ao vincular-se à Obra, os sócios comprometem-se, sim, a esforçar-se por procurar a perfeição cristã no seu trabalho e por meio dele, e a ganhar uma consciência mais clara do caráter do serviço à humanidade que toda a vida cristã deve ter.

A principal meta da Obra — já o disse antes — é, pois, a de formar cristãmente seus sócios e outras pessoas que pretendam essa formação. O desejo de contribuir para a solução dos problemas que afetam a sociedade, campo em que o ideal cristão pode ser de tanta ajuda, leva além disso a Obra como tal, corporativamente, a desenvolver algumas atividades e iniciativas. O critério neste terreno é que o Opus Dei, que tem fins exclusivamente espirituais, só pode realizar corporativamente atividades que constituam de um modo claro e imediato um serviço cristão, um apostolado. Seria um absurdo pensar que o Opus Dei como tal pudesse dedicar-se a extrair carvão das minas ou a promover qualquer gênero de empresas de tipo econômico. Suas obras corporativas são todas atividades diretamente apostólicas: uma escola para formação de agricultores, um dispensário médico numa zona ou num pais subdesenvolvido, um colégio para a promoção social da mulher, etc. Quer dizer, obras assistenciais, educativas ou de beneficência, como as que costumam realizar em todo o mundo instituições de qualquer credo religioso.

Para levar avante essas iniciativas, conta-se em primeiro lugar com o trabalho pessoal dos sócios, que por vezes a elas se dedicam plenamente. E também com a ajuda generosa de tantas pessoas, cristãs ou não. Uns sentem-se impelidos a colaborar por motivos espirituais; outros porque, mesmo sem compartilharem dos fins apostólicos, compreendem que se trata de iniciativas em benefício da sociedade, aberta a todos, sem discriminação alguma de raça, de religião ou ideologia.

O senhor aludiu à presença da mulher na vida pública, na política. Atualmente estão se dando passos importantes neste sentido. Qual é, a seu ver, a tarefa específica que a mulher deve realizar neste terreno?

A presença da mulher no conjunto da vida social é um fenômeno lógico e totalmente positivo, parte desse outro fenômeno mais amplo a que antes me referi. Uma sociedade moderna, democrática, tem que reconhecer à mulher o direito de participar ativamente da vida política, cumprindo-lhe criar as condições favoráveis para que exerçam esse direito todas as que o desejarem.

A mulher que queira dedicar-se ativamente à direção dos assuntos públicos está obrigada a preparar-se convenientemente, a fim de que sua atuação na vida da comunidade seja responsável e positiva. Todo o trabalho profissional exige uma formação prévia e depois um esforço constante para melhorar essa preparação e acomodá-la às novas circunstâncias que apareçam. Esta exigência constitui um dever particularíssimo para os que aspiram a ocupar postos de direção na sociedade, pois são chamados também a um serviço muito importante, de que depende o bem estar de todos.

Se a mulher dispõe da preparação adequada, deve ter a possibilidade de encontrar aberto o caminho da vida pública, em todos os níveis. Neste sentido, não se podem apontar umas tarefas específicas que sejam da competência exclusiva da mulher. Conforme disse antes, neste terreno o específico não é dado tanto pela tarefa ou pelo posto, como pelo modo de realizar essa função, pelos matizes que a condição de mulher encontrará para a solução dos problemas a enfrentar, e inclusive pela própria descoberta e equacionamento desses problemas.

Em virtude dos dons naturais que lhe são próprios, a mulher pode enriquecer muito a vida civil. Isto salta à vista, se nos detivermos no vasto campo da legislação familiar ou social. As qualidades femininas proporcionam a melhor garantia de que serão respeitados os autênticos valores humanos e cristãos no momento de se tomarem medidas que de algum modo afetem a vida da família, o ambiente educativo, o futuro dos jovens.

Acabo de mencionar a importância dos valores cristãos para a solução dos problemas sociais e familiares, e quero sublinhar aqui sua transcendência em toda a vida pública. Tal como no caso do homem, a fé cristã confere à mulher que tiver de se ocupar numa atividade política a responsabilidade de realizar um autêntico apostolado, quer dizer, um serviço cristão a toda a sociedade. Não se trata de representar oficial ou oficiosamente a Igreja na vida pública e menos ainda de servir-se da Igreja para a carreira pessoal ou para interesses de partido. Pelo contrário, trata-se de formar livremente as opiniões pessoais, em todos estes assuntos temporais em que os cristãos são livres, e de assumir a responsabilidade pessoal do seu pensamento e atuação, preservando sempre a coerência com a fé que se professa.

Mas jamais esse cristão se lembra de pensar ou dizer que desce do templo ao mundo para representar a Igreja, e que suas soluções são as soluções católicas para aqueles problemas. Isso não pode ser, meus filhos! Isso seria clericalismo, catolicismo oficial, ou como queiram chamá-lo. Em qualquer caso, é violentar a natureza das coisas. Há que difundir por toda a parte uma verdadeira mentalidade laical, que deve levar a três conclusões:

— temos que ser suficientemente honrados, para arcar com a nossa própria responsabilidade pessoal;

— temos que ser suficientemente cristãos, para respeitar os irmãos na fé, que propõem — em matérias de livre opinião — soluções diversas da que cada um sustenta;

— e temos que ser suficientemente católicos, para não nos servirmos de nossa Mãe a Igreja, misturando-a em partidarismos humanos.

Já se vê claramente que, neste terreno como em todos, não poderíamos realizar esse programa de viver santamente a vida diária, se não gozássemos de toda a liberdade que nos reconhecem simultaneamente, a Igreja e a nossa dignidade de homens e mulheres criados à imagem de Deus. Contudo, não esqueçam, meus filhos, que falo sempre de uma liberdade responsável.

Interpretem, portanto, minhas palavras, como elas são realmente: um chamado para que exerçam — diariamente!, não apenas em situações de emergência — os direitos que têm; e para que cumpram nobremente as obrigações que têm como cidadãos — na vida pública, na vida econômica, na vida universitária, na vida profissional — assumindo com valentia todas as conseqüências das suas livres decisões, e arcando com o peso da correspondente independência pessoal. E essa cristã mentalidade laical permitirá fugir de toda e qualquer intolerância, de todo fanatismo; vou dizê-lo de um modo positivo: fará que todos convivam em paz com todos os concidadãos, e fomentará também a convivência nas diversas ordens da vida social.