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Há 5 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja São José.

Estamos no Natal. Vêm-nos à lembrança os diversos fatos e circunstâncias que rodearam o nascimento do Filho de Deus, e o olhar detém-se na gruta de Belém, no lar de Nazaré. Maria, José e Jesus Menino ocupam, de modo muito especial, o centro do nosso coração. Que nos diz, que nos ensina a vida ao mesmo tempo simples e admirável dessa Sagrada Família?

Entre as muitas considerações que poderíamos fazer, quero comentar agora principalmente uma. O nascimento de Jesus significa, como diz a Escritura, a inauguração da plenitude dos tempos, o momento escolhido por Deus para manifestar por inteiro seu amor aos homens, entregando-nos o seu próprio Filho. Essa vontade divina cumpre-se no meio das circunstâncias mais normais e comuns: uma mulher que dá à luz, uma família, uma casa. A Onipotência divina, o esplendor de Deus, passam através das realidades humanas, unem-se ao elemento humano. A partir daí, nós, os cristãos, sabemos que, com a graça do Senhor, podemos e devemos santificar todas as realidades nobres da nossa vida. Não há situação terrena, por mais insignificante e vulgar que pareça, que não possa ser ocasião de um encontro com Cristo e etapa do nosso caminhar para o reino dos céus.

Por isso, não é de estranhar que a Igreja se alegre e se rejubile, contemplando a modesta morada de Jesus, Maria e José. É grato - reza o hino de matinas desta festa - recordar a pequena casa de Nazaré e a existência simples que ali se vive, celebrar com cânticos a simplicidade humilde que rodeia Jesus, a sua vida escondida. Foi ali que, ainda menino, Ele aprendeu o ofício de José, foi ali que cresceu em idade e participou num trabalho de artesão. Junto dele sentava-se sua doce Mãe; junto de José vivia a sua esposa bem-amada, feliz de poder ajudá-lo e oferecer-lhe seus cuidados.

Ao pensar nos lares cristãos, gosto de imaginá-los luminosos e alegres, como foi o da Sagrada Família. A mensagem do Natal ressoa com toda a força: Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens de boa vontade. Que a paz de Cristo triunfe em vossos corações, escreve o Apóstolo. A paz de nos sabermos amados por nosso Pai-Deus, incorporados em Cristo, protegidos pela Virgem Santa Maria, amparados por José. Essa é a grande luz que ilumina nossas vidas e que, por entre as dificuldades e misérias pessoais, nos impele a continuar para a frente, cheios de ânimo. Cada lar cristão deveria ser um remanso de serenidade em que, por cima das pequenas contrariedades diárias, se pudesse notar uma afeição profunda e sincera, uma tranqüilidade profunda, fruto de uma fé real e vivida.

Termino com as palavras do Evangelho de hoje: Entrando na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe. Nossa Senhora não se separa do seu Filho. Os Reis Magos não são recebidos por um rei encimado no seu trono, mas por um Menino nos braços de sua Mãe. Peçamos à Mãe de Deus, que é nossa Mãe, que nos prepare o caminho que conduz à plenitude do amor: Cor Mariae dulcissimum, iter para tutum! Seu doce coração conhece o caminho mais seguro para encontrarmos Cristo.

Os Reis Magos tiveram uma estrela; nós temos Maria, Stella maris, Stella Orientis, Estrela do mar, Estrela do Oriente. Hoje dizemos-lhe: Santa Maria, Estrela do mar, Estrela da manhã, ajuda os teus filhos. Nosso zelo pelas almas não deve conhecer fronteiras, porque ninguém está excluído do amor de Cristo. Os Reis Magos foram as primícias dos gentios; mas, uma vez consumada a Redenção, já não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há homem nem mulher - não existe discriminação de espécie alguma -, porque todos vós sois um em Jesus Cristo.

Nós, cristãos, não podemos ser exclusivistas nem separar ou classificar as almas; virão muitos do Oriente e do Ocidente ;todos têm lugar no coração de Cristo. Seus braços - voltamos a admirá-lo no Presépio - são de criança, mas são os mesmos que se abrirão na Cruz, atraindo todos os homens a Si.

E o nosso último pensamento vai para esse homem justo, nosso Pai e Senhor São José, que, como de costume, passa despercebido na cena da Epifania. Adivinho-o recolhido em contemplação, protegendo com amor o Filho de Deus que, feito homem, foi confiado aos seus cuidados paternais. Com a maravilhosa delicadeza de quem não vive para si, o Santo Patriarca excedeu-se num serviço tão silencioso como eficaz.

Falamos hoje da vida de oração e de ânsias de apostolado. Queremos melhor mestre do que São José? Se quiserdes um conselho, que repito incansavelmente há muitos anos, itead Ioseph, recorrei a São José: ele nos mostrará caminhos concretos e modos humanos e divinos de nos aproximarmos de Jesus. E em breve nos atreveremos, como ele, a segurar nos braços, a beijar, vestir e cuidar deste Menino-Deus que para nós nasceu. Com a homenagem da sua veneração, os Magos ofereceram a Jesus ouro, incenso e mirra; José deu-lhe - por inteiro - o seu coração jovem e enamorado.

Tanto São Mateus como São Lucas nos falam de São José como varão que descendia de uma estirpe ilustre: a de Davi e Salomão, reis de Israel. Historicamente, os detalhes desta ascendência são um pouco confusos, não sabemos qual das duas genealogias enumeradas pelos evangelistas diz respeito a Maria - Mãe de Jesus segundo a carne - e qual a José, que era pai do Senhor segundo a lei judaica. Nem sabemos se a cidade natal de São José era Belém, onde se recenseou, ou Nazaré, onde vivia e trabalhava.

Sabemos, porém, que não era uma pessoa rica: era um trabalhador, como milhões de outros homens em todo o mundo; exercia o ofício fatigante e humilde que Deus havia escolhido para Si ao tomar a nossa carne e ao querer viver trinta anos entre nós como outra pessoa qualquer.

A Sagrada Escritura diz-nos que José era artesão. Vários Padres acrescentam que foi carpinteiro. São Justino, referindo a vida de trabalho de Jesus, afirma que fazia arados e jugos. Baseando-se provavelmente nessas palavras, Santo Isidoro de Sevilha conclui que José era ferreiro. Seja como for, era um operário que trabalhava a serviço de seus concidadãos, que tinha uma habilidade manual, fruto de anos de esforço e de suor.

Das narrações evangélicas depreende-se a grande personalidade humana de José: em nenhum momento surge aos nossos olhos como um homem apoucado ou assustado perante a vida; pelo contrário, sabe enfrentar os problemas, ultrapassar as situações difíceis, assumir com responsabilidade e iniciativa as tarefas que lhe são confiadas.

Não estou de acordo com a forma clássica de representar São José como um ancião, ainda que com isso se tenha tido a boa intenção de ressaltar a perpétua virgindade de Maria. Eu imagino-o jovem, forte, talvez com alguns anos mais do que a Virgem, mas na plenitude da vida e do vigor humano.

Para viver a virtude da castidade, não é preciso esperar pela velhice ou pelo termo das energias. A castidade nasce do amor e, para um amor limpo, nem a robustez nem a alegria da juventude representam qualquer obstáculo. Jovem era o coração e o corpo de São José quando contraiu matrimônio com Maria, quando soube do mistério da sua Maternidade divina, quando viveu junto dEla respeitando a integridade que Deus queria oferecer ao mundo, como um sinal mais da sua vinda às criaturas. Quem não for capaz de entender um amor assim, é porque conhece muito mal o verdadeiro amor e desconhece por completo o sentido cristão da castidade.

Como dizíamos, José era um artesão da Galiléia, um homem como tantos outros. E o que pode esperar da vida um habitante de uma aldeia perdida como Nazaré? Apenas trabalho, todos os dias, sempre com o mesmo esforço. E, no fim da jornada, uma casa pobre e pequena, para recuperar as forças e recomeçar a tarefa no dia seguinte.

Mas o nome de José significa em hebreu Deus acrescentará. A vida santa dos que cumprem a sua vontade, Deus acrescenta dimensões inesperadas: o que a torna importante, o que dá valor a tudo - o divino. À vida humilde e santa de José, Deus acrescentou - se assim me é permitido falar - a vida da Virgem Maria e a de Jesus, Senhor Nosso. Deus nunca se deixa vencer em generosidade. José podia tornar próprias as palavras pronunciadas por Santa Maria, sua Esposa: Quia fecit mihi magna qui potens est, fez em mim coisas grandes Aquele que é Todo-Poderoso, quia respexit humilitatem, porque olhou para a minha pequenez.

José era efetivamente um homem comum, em quem Deus confiou para realizar coisas grandes. Soube viver - tal e como o Senhor queria - todos e cada um dos acontecimentos que compuseram a sua vida. Por isso, a Santa Escritura louva José afirmando dele que era justo. E, na língua hebraica, justo quer dizer piedoso, servidor irrepreensível de Deus, cumpridor da vontade divina ; outras vezes, significa bom e caridoso para com o próximo. Numa palavra, justo é aquele que ama a Deus e demonstra esse amor cumprindo os mandamentos divinos e orientando toda a vida para o serviço de seus irmãos, os homens.

A justiça não consiste na simples submissão a uma regra: a retidão deve nascer de dentro, deve ser profunda, vital, porque o justo vive da fé.Viver da fé: essas palavras, que mais tarde foram tema freqüente de meditação para o Apóstolo Paulo, vêem-se amplamente realizadas em São José. Seu cumprimento da vontade de Deus não é rotineiro nem formalista, mas espontâneo e profundo. A lei, que todo o judeu praticante observava, não foi para ele um simples código nem uma fria recompilação de preceitos, mas expressão da vontade do Deus vivo. Por isso soube reconhecer a voz do Senhor quando lhe foi manifestada de forma inesperada e surpreendente.

A história do Santo Patriarca foi uma vida simples, mas não uma vida fácil. Depois de momentos angustiantes, fica sabendo que o Filho de Maria foi concebido por obra do Espírito Santo. E esse Menino, Filho de Deus, descendente de Davi segundo a carne, nasce numa gruta. Os anjos celebram seu nascimento, e personalidades de terras longínquas vêm adorá-lo. Mas o Rei da Judéia deseja a sua morte, e torna-se necessário fugir. O Filho de Deus é, aparentemente, um menino indefeso, que terá de viver no Egito.

Ao narrar estas cenas no seu Evangelho, São Mateus salienta constantemente a fidelidade de José, que cumpre sem hesitações os mandatos de Deus, mesmo que algumas vezes o sentido desses mandatos lhe possa parecer obscuro ou sem conexão com o resto dos planos divinos.

Freqüentes vezes, os Padres da Igreja e os autores espirituais ressaltam esta firmeza da fé de São José. Referindo-se às palavras do Anjo, que o manda fugir de Herodes e refugiar-se no Egito , o Crisóstomo comenta: Ao ouvir isto, José não se escandalizou nem disse: isto parece um enigma. Ainda há pouco me davas a conhecer que Ele salvaria o seu povo, e agora não só não é capaz de se salvar a si mesmo, como somos nós que temos de fugir, de empreender uma viagem e sofrer uma longa mudança: isso é contrário à tua promessa. José não raciocina desse modo, porque é um varão fiel. Também não pergunta pela data de regresso, apesar de o Anjo a ter deixado indeterminada, posto que lhe tinha dito: permanece lá - no Egito - até que eu te avise. Nem por isso levanta dificuldades, mas obedece, e crê, e suporta todas as provas alegremente.

A fé de José não vacila, sua obediência é sempre estrita e rápida. Para compreendermos melhor esta lição que aqui nos dá o Santo Patriarca, cumpre considerarmos que a sua fé é ativa e que a sua docilidade não se assemelha à obediência de quem se deixa arrastar pelos acontecimentos. Porque a fé cristã é o que há de mais oposto ao conformismo ou à passividade e à apatia interiores.

José abandonou-se sem reservas nas mãos de Deus, mas nunca se recusou a refletir sobre os acontecimentos, e assim pôde alcançar do Senhor esse grau de compreensão das obras de Deus que é a verdadeira sabedoria. Desse modo, aprendeu pouco a pouco que os planos sobrenaturais têm uma coerência divina, embora às vezes estejam em contradição com os planos humanos.

Nas diversas circunstâncias de sua vida, o Patriarca não renuncia a pensar nem desiste da sua responsabilidade. Pelo contrário, coloca toda a sua experiência humana a serviço da fé. Quando volta do Egito, ouvindo que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá. Aprendeu a mover-se dentro do plano divino e, como confirmação de que seus pensamentos vão ao encontro do que Deus realmente quer, recebe a indicação de se retirar para a Galiléia.

Assim foi a fé de José: plena, confiante, íntegra, manifestada numa entrega eficaz à vontade de Deus, numa obediência inteligente. E, junto com a fé, a caridade, o amor. Sua fé funde-se com o Amor: com o Amor a um Deus que estava cumprindo as promessas feitas a Abraão, a Jacó, a Moisés; com o carinho de esposo para com Maria, e com o carinho de pai para com Jesus. Fé e amor na esperança da grande missão que Deus, servindo-se dele também - um carpinteiro da Galiléia -, estava iniciando no mundo: a redenção dos homens.