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Há 4 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Amor de Deus → caridade.

Cristo ensinou-nos definitivamente o caminho desse amor a Deus: o apostolado é o amor a Deus que transborda e se dá aos outros. A vida interior exige crescimento na união com Cristo, pelo Pão e pela Palavra. E a preocupação de apostolado é a manifestação exata, adequada e necessária da vida interior. Quando se saboreia o amor de Deus, sente-se o peso das almas. Não se pode dissociar a vida interior do apostolado, como não é possível separar em Cristo o seu ser de Deus-Homem da sua função de Redentor. O Verbo quis encarnar-se para salvar os homens, para os fazer uma só coisa com Ele. Esta é a razão da sua vinda ao mundo: Por nós, homens, e por nossa salvação desceu dos céus, rezamos no Credo.

Para o cristão, o apostolado é algo congênito: não tem nada de artificial, de justaposto, não é externo à sua atividade diária, à sua ocupação profissional. Tenho-o dito sem cessar, desde que o Senhor dispôs que surgisse o Opus Dei. Trata-se de santificar o trabalho ordinário, de santificar-se nessa tarefa e de santificar os outros mediante o exercício da respectiva profissão, permanecendo cada um no seu estado de vida.

O apostolado é como a respiração do cristão; não pode um filho de Deus viver sem esse palpitar espiritual. Recorda-nos a festa de hoje que o zelo pelas almas é um mandamento amoroso do Senhor: ao subir para a sua glória, Ele nos envia pelo orbe inteiro como suas testemunhas. Grande é a nossa responsabilidade, porque ser testemunha de Cristo implica, antes de mais nada, procurar comportar-se segundo a sua doutrina, lutar para que a nossa conduta recorde Jesus e evoque a sua figura amabilíssima. Temos que conduzir-nos de tal maneira que, ao ver-nos, os outros possam dizer: este é cristão porque não odeia, porque sabe compreender, por que não é fanático, porque está acima dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos de paz, porque ama.

Jesus na Cruz, com o coração trespassado de Amor pelos homens, é uma resposta eloqüente - as palavras são desnecessárias - à pergunta sobre o valor das coisas e das pessoas. Valem tanto os homens, a sua vida e a sua felicidade, que o próprio Filho de Deus se entrega para os redimir, para os purificar, para os elevar. Quem não amará o seu Coração tão ferido?,perguntava uma alma contemplativa, ao aperceber-se disso. E continuava perguntando: Quem não retribuirá o amor com amor? Quem não abraçará um Coração tão puro? Nós, que somos de carne, pagaremos amor com amor, abraçaremos o nosso Ferido, a quem os ímpios atravessaram as mãos e os pés, o lado e o Coração. Peçamos que se digne prender nosso coração com o vínculo do seu amor e feri-lo com uma lança, pois é ainda duro e impenitente.

São pensamentos, afetos, colóquios que as almas enamoradas entretiveram com Jesus desde sempre. Mas, para entender esta linguagem, para saber de verdade o que é o coração humano, e o Coração de Cristo, e o amor de Deus, é preciso ter fé e humildade. Foi com fé e humildade que Santo Agostinho nos deixou estas palavras universalmente famosas: Para Ti nos criaste, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto em Ti não descansar.

Quando descura a humildade, o homem passa a querer apropriar-se de Deus, não daquela maneira divina que o próprio Cristo tornou possível quando disse: Tomai e comei: isto é o meu corpo , mas tentando reduzir a grandeza divina aos limites humanos. A razão, essa razão fria e cega - que não é a inteligência nascida da fé, nem sequer a inteligência reta da criatura capaz de saborear e amar as coisas -, converte-se na sem-razão de quem tudo submete às suas pobres experiências habituais, que amesquinham a verdade sobrenatural e recobrem o coração humano de uma crosta insensível às moções do Espírito Santo. Nossa pobre inteligência estaria perdida se não fosse o poder misericordioso de Deus, que rasga as fronteiras da nossa miséria: Dar-vos-ei um coração novo e revestir-vos-ei de um novo espírito; tirarei o vosso coração de pedra e dar-vos-ei em seu lugar um coração de carne.E a alma recupera a luz e enche-se de alegria ante as promessas da Escritura Santa.

Eu tenho pensamentos de paz e não de aflição , declarou Deus por boca do profeta Jeremias. A liturgia aplica essas palavras a Jesus, porque nEle se manifesta claramente que é assim que Deus nos ama. Não vem condenar-nos, não vem lançar-nos em rosto a nossa indigência ou a nossa mesquinhez: vem salvar-nos, perdoar-nos, desculpar-nos, trazer-nos a paz e a alegria. Se reconhecermos esta maravilhosa relação do Senhor com seus filhos, nossos corações mudarão necessariamente, e veremos abrir-se diante dos nossos olhos um panorama absolutamente novo, cheio de relevo, de profundidade e de luz.

Mas vejamos bem: Deus não nos declara que, em lugar do coração, nos dará uma vontade de puro espírito. Não. Dá-nos um coração, e um coração de carne, como o de Cristo. Eu não disponho de um coração para amar a Deus, e de outro para amar as pessoas da terra. Com o mesmo coração com que amei os meus pais e estimo os meus amigos, com esse mesmo coração amo a Cristo, e o Pai, e o Espírito Santo, e Santa Maria. Não me cansarei de repeti-lo: temos que ser muito humanos; porque, de outro modo, também não poderemos ser divinos.

O amor humano, o amor aqui em baixo na terra, quando é verdadeiro, ajuda-nos a saborear o amor divino. E assim entrevemos o amor com que chegaremos a gozar de Deus e aquele que nos há de unir uns aos outros, lá no céu, quando o Senhor for tudo em todas as coisas. E ao começarmos a entender o que é o amor divino, seremos impelidos a mostrar-nos habitualmente mais compassivos com os outros, mais generosos, mais dedicados.

Temos que dar o que recebemos, ensinar o que aprendemos. Sem arrogância, com simplicidade, temos que fazer os outros participarem desse conhecimento do amor de Cristo. Ao realizar o seu trabalho, ao exercer a profissão na sociedade, cada um pode e deve converter as suas ocupações numa tarefa de serviço. O trabalho bem acabado - que progride e faz progredir, que tem em conta os avanços da cultura e da técnica - desempenha uma grande função, que será sempre útil à humanidade inteira, desde que tenha por motivo a generosidade, não o egoísmo; o bem de todos, não o proveito próprio: desde que esteja impregnado de sentido cristão da vida.

É no âmbito desse trabalho, na própria trama das relações humanas, que devemos manifestar a caridade de Cristo e seus resultados concretos de amizade, de compreensão, de afeto humano, de paz. Assim como Cristo passou fazendo o bem por todos os caminhos da Palestina, assim temos nós que desenvolver uma grande sementeira de paz pelos caminhos humanos da família, da sociedade civil, das relações profissionais, da cultura e do descanso. Será a melhor prova de que nos chegou ao coração o reino de Deus: Nós sabemos que fomos transferidos da morte para a vida - escreve o Apóstolo São João - porque amamos os nossos irmãos.

Mas ninguém pode viver esse amor se não se formar na escola do Coração de Jesus. Só se olharmos e contemplarmos o Coração de Cristo, é que conseguiremos que o nosso se livre do ódio e da indiferença; somente assim saberemos reagir cristãmente perante os sofrimentos alheios e perante a dor.

Recordemos a cena relatada por São Lucas, quando Cristo andava pelas proximidades da cidade de Naim. Jesus vê a angústia daquelas pessoas com quem se cruzou ocasionalmente. Podia ter passado ao largo, ou esperar por um chamado, por um pedido. Mas nem se afasta nem espera. Toma Ele próprio a iniciativa, movido pela aflição de uma viúva que havia perdido tudo o que lhe restava: o filho.

O evangelista explica que Jesus se compadeceu: talvez se tivesse emocionado externamente, como por ocasião da morte de Lázaro. Jesus Cristo não era nem é insensível ao sofrimento que nasce do amor, nem se compraz em separar os filhos de seus pais: passa além da morte para dar a vida, para que estejam perto os que se amam, embora exija antes e ao mesmo tempo a proeminência do Amor divino, que deve informar a autêntica existência cristã.

Cristo tem consciência de estar rodeado de uma multidão que ficará atônita perante o milagre e irá apregoando o acontecido por toda a região. Mas o Senhor não se comporta artificialmente, não pretende realizar um grande gesto: sente-se simplesmente afetado pelo sofrimento daquela mulher e não pode deixar de a consolar. Aproximou-se dela e disse-lhe: Não chores. Foi como se lhe dissesse: não te quero ver em lágrimas, porque eu vim trazer a alegria e a paz à terra. A seguir, vem o milagre, manifestação do poder de Cristo-Deus. Mas antes tivera lugar a comoção de sua alma, manifestação evidente da ternura do coração de Cristo-Homem.

Se não aprendermos de Jesus, não amaremos nunca. Se pensarmos, como alguns, que conservar o coração limpo, digno de Deus, significa não misturá-lo, não contaminá-lo com afetos humanos, então o resultado lógico será tornarmo-nos insensíveis à dor dos outros. Só seremos capazes de uma caridade oficial, seca e sem alma; não da verdadeira caridade de Jesus Cristo, que é ternura, calor humano. Com isto não dou pé a falsas teorias, que são tristes desculpas para desviar os corações de Deus e levá-los a más ocasiões e à perdição.

Na festa de hoje, temos de pedir ao Senhor que nos conceda um coração bom, capaz de se compadecer das penas das criaturas, capaz de compreender que, para remediar os tormentos que acompanham e não poucas vezes angustiam as almas neste mundo, o verdadeiro bálsamo é o amor, a caridade: todos os outros consolos apenas servem para distrair por um momento, e deixar mais tarde um saldo de amargura e desespero.

Se queremos ajudar os outros, temos que amá-los - insisto - com um amor que seja compreensão e entrega, afeto e voluntária humildade. Assim entenderemos por que o Senhor decidiu resumir toda a Lei nesse duplo mandamento que é na realidade um só: o amor a Deus e o amor ao próximo, com todo o coração.

Talvez pensemos agora que, às vezes, nós os cristãos - não os outros: tu e eu - nos esquecemos das aplicações mais elementares desse dever. Talvez pensemos em tantas injustiças que não se remedeiam, em abusos que não se corrigem, em situações de discriminação que se transmitem de geração em geração sem que se comece a pôr em prática uma solução de fundo.

Não posso nem me compete propor a forma concreta de resolver esses problemas. Mas, como sacerdote de Cristo, é meu dever recordar o que diz a Escritura Santa. Meditemos na cena do Juízo descrita pelo próprio Jesus: Afastai-vos de num, malditos, e ide para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; fui peregrino e não me recebestes; nu, e não me cobristes; enfermo e encarcerado, e não me visitastes.

Um homem e uma sociedade que não reajam perante as tribulações ou as injustiças, e não se esforcem por aliviá-las, não são nem homem nem sociedade à medida do amor do Coração de Cristo. Os cristãos - conservando sempre a mais ampla liberdade à hora de estudar e de aplicar as diversas soluções, e, portanto, com um lógico pluralismo - devem identificar-se no mesmo empenho em servir a humanidade. De outro modo, o seu cristianismo não será a Palavra e a Vida de Jesus: será um disfarce, um logro perante Deus e perante os homens.