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Há 2 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Batismo → Batismo e vocação cristã.

Com a maravilhosa normalidade do divino, a alma contemplativa expande-se em ímpetos de ação apostólica: Ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo em minha meditação. Que fogo é este, senão o mesmo de que fala Cristo: Fogo vim trazer à terra e que hei de querer senão que arda? Fogo de apostolado, que se robustece na oração: não há melhor meio do que este para desenvolver, por toda a redondeza do mundo, essa batalha pacífica em que cada cristão é chamado a participar - cumprir o que resta por padecer a Cristo.

Jesus subiu aos céus, dizíamos. Mas, pela oração e pela Eucaristia, o cristão pode ter com Ele a mesma intimidade que tinham os primeiros Doze, inflamar-se no seu zelo apostólico, para com Ele realizar um serviço de co-redenção, que é semear a paz e a alegria. Servir, portanto, porque o apostolado não é outra coisa. Se contarmos exclusivamente com as nossas próprias forças, nada obteremos no terreno sobrenatural; se formos instrumentos de Deus, conseguiremos tudo: Tudo posso nAquele que me conforta. Por sua infinita bondade, Deus resolveu servir-se destes instrumentos ineptos. Daí que o apóstolo não tenha outro fim senão deixar agir o Senhor, mostrar-se inteiramente disponível, para que Deus realize - através das suas criaturas, através da alma escolhida - a sua obra salvadora.

Apóstolo é o cristão que se sente enxertado em Cristo, identificado com Cristo, pelo Batismo; habilitado a lutar por Cristo, pelo Crisma; chamado a servir a Deus com a sua ação no mundo, pelo sacerdócio comum dos fiéis, que lhe confere uma certa participação no sacerdócio de Cristo - embora essencialmente diferente daquela que constitui o sacerdócio ministerial - e o torna capaz de participar no culto da Igreja e de ajudar os homens a caminhar para Deus, mediante o testemunho da palavra e do exemplo, mediante a oração e a expiação.

Cada um de nós tem que ser ipse Christus, o próprio Cristo. Ele é o único Medianeiro entre Deus e os homens ; e nós unimo-nos a Ele para com Ele oferecermos todas as coisas ao Pai. Nossa vocação de filhos de Deus, no meio do mundo, exige não apenas que procuremos atingir a nossa santidade pessoal, mas que avancemos pelos caminhos da terra, para convertê-los em atalhos que, através dos obstáculos, levem as almas ao Senhor; que tomemos parte, como cidadãos comuns, em todas as atividades temporais, para sermos levedura que informe a massa inteira.

Cristo subiu aos céus, mas transmitiu a tudo o que é humano e honesto a possibilidade concreta de ser redimido. São Gregório Magno aborda este grande tema cristão com palavras incisivas: Partia assim Jesus para o lugar de onde era e regressava do lugar em que continuava morando. Com efeito, no momento em que subia ao céu, unia com a sua divindade o céu e a terra. Na festa de hoje, devemos destacar solenemente o fato de ter sido suprimido o decreto que nos condenava, o juízo que nos submetia à corrupção. A natureza a que se dirigiam aquelas palavras: “Tu és pó e em pó te hás de tornar” (Gen. III, 19) -, essa mesma natureza subiu hoje ao céu com Cristo.

Não me cansarei de repetir, portanto, que o mundo é santificável, e que compete especialmente aos cristãos levar a cabo essa tarefa: purificando-o das ocasiões de pecado com que os homens o desfeiam e oferecendo-o ao Senhor como hóstia espiritual, apresentada e dignificada mediante a graça de Deus e o nosso esforço. Em rigor, não se pode dizer que haja nobres realidades exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo se dignou assumir uma natureza humana íntegra e consagrar a terra com a sua presença e com o trabalho de suas mãos. A grande missão que recebemos no Batismo é a co-redenção. A caridade de Cristo nos compele a tomar sobre os ombros uma parte dessa tarefa divina de resgatar as almas.

Viver segundo o Espírito Santo é viver de fé, de esperança, de caridade: é deixar que Deus tome posse de nós e mude pela raiz os nossos corações, para os moldar à sua medida. Uma vida cristã amadurecida, profunda e rija, não é coisa que se improvise, porque é fruto do crescimento da graça de Deus em nós. Nos Atos dos Apóstolos, descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã numa frase breve, mas cheia de sentido: Perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, na participação da fração do pão e na oração.

Foi assim que viveram os primeiros cristãos, e é assim que devemos nós viver: a meditação da doutrina da fé, até a fazermos própria; o encontro com Cristo na Eucaristia; o diálogo pessoal - a oração sem anonimato - face a face com Deus, devem constituir como que a substância última da nossa conduta. Se isso faltar, talvez haja reflexão erudita, atividade mais ou menos intensa, devoções e práticas de piedade. Mas não haverá existência cristã autêntica, porque faltará a compenetração com Cristo, a participação real na obra divina da salvação.

É uma doutrina que se aplica a qualquer cristão, porque todos fomos igualmente chamados à santidade. Não há cristãos de segunda categoria, obrigados a pôr em prática apenas uma versão reduzida do Evangelho: todos recebemos o mesmo Batismo e, se bem que exista uma ampla diversidade de carismas e de situações humanas, um só é o Espírito que distribui os dons divinos, uma só a fé, a esperança, a caridade.

Podemos, pois, tomar como dirigida a nós a pergunta do Apóstolo: Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? , e recebê-la como convite para uma relação mais pessoal e direta com Deus. Infelizmente, para alguns cristãos, o Paráclito é o Grande Desconhecido: um nome que se pronuncia, mas que não é Alguém - uma das três Pessoas do único Deus -, com quem se fala e de quem se vive.

Ora, é preciso que procuremos a sua intimidade com assídua simplicidade e com confiança, como a Igreja nos ensina a fazê-lo através da Liturgia. Assim conheceremos melhor a Deus e ao mesmo tempo compreenderemos mais plenamente o imenso dom que significa chamar-se cristão: compreenderemos toda a grandeza e toda a verdade desse endeusamento, dessa participação na vida divina a que antes me referia.

Porque o Espírito Santo não é um artista que desenhe em nós a divina substância, como se fosse alheio a ela; não é assim que nos conduz à semelhança divina. Sendo Deus e procedendo de Deus, Ele mesmo se imprime nos corações que o recebem, como o selo sobre a cera e, dessa forma, pela comunicação de si mesmo e pela semelhança, restabelece a natureza consoante a beleza do modelo divino e restitui ao homem a imagem de Deus.