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Há 4 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Fraqueza humana  → ação de graças.

A experiência do pecado não nos deve, pois, fazer duvidar da nossa missão. É certo que os nossos pecados podem tornar difícil que se reconheça Cristo, e por isso devemos enfrentar as nossas próprias misérias pessoais, procurar a purificação. Porém, conscientes de que Deus não nos prometeu a vitória absoluta sobre o mal durante esta vida, mas nos pede luta. Sufficit tibi gratia mea, basta-te a minha graça, respondeu Deus a São Paulo, quando lhe pedia que o libertasse do aguilhão que o humilhava.

O poder de Deus manifesta-se na nossa fraqueza e incita-nos a lutar, a combater os nossos defeitos, mesmo que saibamos que nunca obteremos uma vitória completa durante o nosso peregrinar terreno. A vida cristã é um constante começar e recomeçar, um renovar-se cada dia.

Cristo ressuscitará em nós, se nos tornarmos co-participantes da sua Cruz e da sua Morte. Temos que amar a Cruz, a entrega, a mortificação. O otimismo cristão não é um otimismo meloso, nem a simples confiança humana de que tudo correrá bem. É um otimismo que mergulha suas raízes na consciência da liberdade e na fé na graça; é um otimismo que nos leva a ser exigentes conosco mesmos, a esforçar-nos por corresponder à chamada de Deus.

Desse modo, não já apesar da nossa miséria, mas de certo modo através da nossa miséria, da nossa vida de homens feitos de carne e de barro, Cristo se manifesta - no esforço por sermos melhores, por realizarmos um amor que aspira a ser puro, por dominarmos o egoísmo, por nos entregarmos plenamente aos outros, convertendo a nossa existência num serviço constante.

Nós, os cristãos, trazemos os grandes tesouros da graça em vasos de barro ; Deus confiou seus dons à frágil e débil liberdade humana e, embora sejamos sem dúvida assistidos pela força do Senhor, a nossa concupiscência, o nosso comodismo e o nosso orgulho repelem por vezes essa assistência e levam-nos a cair em pecado. Há mais de um quarto de século, ao recitar o Credo e afirmar minha fé na divindade da Igreja, una, santa, católica e apostólica, em muitas ocasiões acrescento: apesar dos pesares. Quando uma vez por outra comento este costume e alguém me pergunta a que me quero referir, respondo: aos teus pecados e aos meus.

Tudo isso é certo, mas não autoriza de modo algum a julgar a Igreja com critérios humanos, sem fé teologal, atendendo apenas à maior ou menor qualidade de certos eclesiásticos ou de certos cristãos. Proceder assim é permanecer na superfície. O mais importante na Igreja não é ver como nós, os homens, correspondemos, mas ver o que Deus realiza. A Igreja é nem mais nem menos Cristo presente entre nós, Deus que vem até à humanidade para salvá-la, chamando-nos com a sua Revelação, santificando-nos com a sua graça, sustentando-nos com a sua ajuda constante, nos pequenos e nos grandes combates da vida diária.

Podemos chegar a desconfiar dos homens, e cada um deve desconfiar pessoalmente de si mesmo e coroar seus dias com um mea culpa, com um ato de contrição profundo e sincero.

Mas não temos o direito de duvidar de Deus. E duvidar da Igreja, da sua origem divina, da eficácia salvadora da sua pregação e dos seus sacramentos é duvidar do próprio Deus, é não crer plenamente na realidade da vinda do Espírito Santo.

Antes que Cristo fosse crucificado - escreve São João Crisóstomo -, não havia nenhuma reconciliação. E enquanto não houve reconciliação, não foi enviado o Espírito Santo… A ausência do Espírito Santo era sinal da ira divina. Agora que o vês enviado em plenitude, não duvides da reconciliação. Mas, se perguntarem: Onde está agora o Espírito Santo? Podia-se falar da sua presença quando havia milagres, quando eram ressuscitados os mortos e curados os leprosos. Porém, como saber agora que está verdadeiramente presente? Não vos preocupeis. Demonstrar-vos-ei que o Espírito Santo está também agora entre nós…

Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos dizer: Senhor Jesus, pois ninguém pode invocar Jesus como Senhor, a não ser no Espírito Santo (1 Cor XII, 3). Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos orar com confiança. Com efeito, ao rezar, dizemos: Pai nosso, que estais nos céus (Mt VI, 9). Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos chamar Pai a Deus. E como sabemos isso? Porque o Apóstolo nos ensina: E por sermos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai! (Gal IV, 6).

Portanto, quando invocares Deus Pai, lembra-te de que foi o Espírito Santo que, ao mover a tua alma, te deu essa oração. Se não existisse o Espírito Santo, não haveria na Igreja palavra alguma de sabedoria ou de ciência, porque está escrito: dada pelo Espírito a palavra da sabedoria (1 Cor XII, 8)… Se o Espírito Santo não estivesse presente, a Igreja não existiria. Mas se a Igreja existe, não há dúvida de que o Espírito Santo não falta.

Acima das deficiências e limitações humanas, insisto, a Igreja é precisamente o sinal e, de certo modo - não no sentido estrito em que se definiu dogmaticamente a essência dos sete sacramentos da Nova Aliança -, o sacramento universal da presença de Deus no mundo. Ser cristão é ter sido regenerado por Deus e enviado aos homens para lhes anunciar a salvação. Se tivéssemos uma fé firme e experimentada, e se déssemos a conhecer Cristo com audácia, veríamos como continuam a realizar-se diante dos nossos olhos milagres como os da era apostólica.

Porque também hoje se devolve a vista aos cegos, que haviam perdido a capacidade de olhar para o céu e contemplar as maravilhas de Deus; também hoje se dá liberdade aos coxos e entrevados, que se achavam tolhidos por suas paixões e já não tinham um coração que soubesse amar; também hoje se dá ouvido aos surdos, que não desejavam ter notícia de Deus; e se consegue que falem os mudos, que tinham amordaçada a língua por não quererem confessar suas derrotas; também hoje se ressuscitam mortos, em quem o pecado havia destruído a vida. Mais uma vez se verifica que a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes. E, tal como os primeiros fiéis cristãos, também nós nos alegramos ao admirar a força do Espírito Santo e sua ação sobre a inteligência e a vontade de suas criaturas.

No meio das limitações inseparáveis da nossa situação presente - porque o pecado ainda habita de algum modo em nós -, o cristão percebe com nova claridade toda a riqueza da sua filiação divina, na medida em que se reconhece plenamente livre por trabalhar nas coisas do Pai, e se sente possuído de uma alegria que se torna constante, por nada ser capaz de destruir a sua esperança.

Além disso, é também nessa hora que se torna capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da terra, de apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de viver o amor com toda a inteireza e toda a pureza para que foi criado o coração humano. É nessa altura que a sua dor perante o pecado não degenera nunca em reação amarga, desesperada ou arrogante, porque a compunção e o reconhecimento da fraqueza humana o levam a identificar-se de novo com as ânsias redentoras de Cristo e a sentir mais profundamente a solidariedade com todos os homens. É então, enfim, que o cristão experimenta em si, com segurança, a força do Espírito Santo, de maneira que nem as suas próprias quedas o abatem: porque são um convite para que recomece e para que continue a ser testemunha fiel de Cristo em todas as encruzilhadas da terra, apesar das suas misérias pessoais; misérias que, nestes casos, costumam ser faltas leves e mal turvam a sua alma, ou, se são graves, encontram no Sacramento da Penitência, procurado com compunção, o meio de fazê-lo retomar à paz de Deus e de convertê-lo novamente em boa testemunha das misericórdias divinas.

Assim é, em breve resumo que mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a riqueza da fé, a vida do cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo. Por isso, só posso concluir tomando minha a súplica contida num dos hinos litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da oração incessante de toda a Igreja: Vem, Espírito Criador, visita as inteligências dos teus, enche de graça celeste os corações que criaste. Em tua escola, faz-nos conhecer o Pai, como também o Filho; faz, enfim, que acreditemos eternamente em Ti, Espírito que procedes de Um e Outro.

Talvez possa surgir uma vez por outra a tentação de pensar que tudo isso é tão bonito quanto um sonho irrealizável. Falei de renovar a fé e a esperança; permaneçamos firmes, com a certeza absoluta de que as nossas aspirações se verão cumuladas pelas maravilhas de Deus. Mas para isso é indispensável que nos ancoremos de verdade na virtude cristã da esperança.

Não nos acostumemos aos milagres que se operam diante dos nossos olhos: ao admirável prodígio de que o Senhor desça todos os dias às mãos do sacerdote. Jesus quer que estejamos despertos, para que nos convençamos da grandeza do seu poder, e para que ouçamos novamente a sua promessa: Venite post me, et faciam vos fieri piscatores hominum , se me seguirdes, farei de vós pescadores de homens; sereis eficazes e atraireis as almas para Deus. Devemos confiar, pois, nessas palavras do Senhor, entrar na barca, empunhar os remos, içar as velas e lançar-nos a esse mar do mundo que Cristo nos entrega por herança. Duc in altum et laxate retia vestra in capturam! - fazei-vos ao largo e lançai as vossas redes para pescar.

Este zelo apostólico que Cristo infundiu em nossos corações não deve esgotar-se - extinguir-se - por falsa humildade. Se é verdade que arrastamos misérias pessoais, também é verdade que o Senhor conta com os nossos erros. Não escapa ao seu olhar misericordioso que nós, os homens, somos criaturas com limitações, com fraquezas, com imperfeições, inclinadas a pecar. Porém, manda-nos que lutemos, que reconheçamos os nossos defeitos; não para nos acovardarmos, mas para nos arrependermos e fomentarmos o desejo de ser melhores.

Além disso, devemos lembrar-nos sempre de que somos apenas instrumentos: Porquanto, que é Apolo, que é Paulo? Ministros daquele em quem vós crestes, e segundo o dom que Deus conferiu a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas quem deu o crescimento foi Deus. A doutrina, a mensagem que devemos propagar, tem uma fecundidade própria e infinita, que não é nossa, mas de Cristo. É o próprio Deus quem está empenhado em realizar a obra salvadora, em redimir o mundo.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura