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Há 5 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Fé → sal e luz do mundo.

Descrevendo o espírito da associação a que dediquei a minha vida - o Opus Dei -, tenho dito que se apóia, como que em seu eixo, no trabalho diário, no trabalho profissional exercido no meio do mundo. A vocação divina confere-nos uma missão, convida-nos a participar na tarefa única da Igreja, para sermos assim testemunhas de Cristo perante os nossos iguais, os homens, e levarmos todas as coisas para Deus.

A vocação acende uma luz que nos faz reconhecer o sentido da nossa existência. É convencermo-nos, sob o resplendor da fé, do porquê da nossa realidade terrena. Nossa vida - a presente, a passada e a que há de vir - ganha um novo relevo, uma profundidade de que antes não suspeitávamos. Todos os fatos e acontecimentos passam a ocupar o seu verdadeiro lugar: entendemos para onde o Senhor nos quer conduzir, e nos sentimos como que avassalados por essa tarefa que Ele nos confia.

Deus tira-nos das trevas da nossa ignorância, do nosso caminhar incerto por entre as vicissitudes da história, e, seja qual for o posto que ocupemos no mundo, chama-nos com voz forte, como o fez um dia com Pedro e com André: Venite post me, et faciam vos fieri piscatores hominum, segui-me, e eu vos tornarei pescadores de homens.

Quem vive da fé pode encontrar a dificuldade e a luta, a dor e até a amargura, mas nunca cairá no desânimo ou na angústia, pois sabe que a sua vida tem valor, sabe para que veio a esta terra. Ego sum lux mundi - exclamou Cristo -; qui sequitur me non ambulat in tenebris, sed habebit lumen vitae: Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não caminha nas trevas, mas possuirá a luz da vida.

Para merecermos essa luz de Deus, precisamos amar, reconhecer humildemente a necessidade de sermos salvos, e dizer com Pedro: Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna. E nós cremos e conhecemos que tu és Cristo, o Filho de Deus. Se agirmos assim de verdade, se deixarmos a chamada divina penetrar no nosso coração, também com verdade poderemos repetir que não caminhamos nas trevas, pois, por cima das nossas misérias e dos nossos defeitos pessoais, brilha a luz de Deus, como o sol brilha por cima da tempestade.

Não há nada que possa ser alheio ao interesse de Cristo. Falando com profundidade teológica, isto é, se não nos limitamos a uma classificação funcional; falando com rigor, não se pode dizer que haja realidades - boas, nobres ou mesmo indiferentes - que sejam exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo de Deus estabeleceu a sua morada entre os filhos dos homens, teve fome e sede, trabalhou com suas mãos, conheceu a amizade e a obediência, experimentou a dor e a morte. Porque em Cristo aprouve ao Pai situar a plenitude de todo o ser, e reconciliar por Ele todas as coisas consigo, restabelecendo a paz entre o céu e a terra, por meio do sangue que derramou na cruz.

Temos que amar o mundo, o trabalho, as realidades humanas. Porque o mundo é bom: foi o pecado de Adão que quebrou a divina harmonia das coisas criadas. Mas Deus Pai enviou seu Filho Unigênito para que restabelecesse a paz; para que, convertidos em filhos por adoção, pudéssemos libertar a criação da desordem e reconciliar todas as coisas com Ele.

Cada situação humana é irrepetível, fruto de uma vocação única que se deve viver com intensidade, realizando nela o espírito de Cristo. Deste modo, vivendo cristãmente entre os nossos iguais, de uma maneira normal mas coerente com a nossa fé, seremos Cristo presente entre os homens.

Ao considerarmos a dignidade da missão a que Deus nos chama, talvez possa surgir na alma humana a presunção, a soberba. Seria uma falsa consciência da vocação cristã aquela que nos cegasse e nos fizesse esquecer que somos feitos de barro, que somos pó e miséria. Na verdade, não há mal apenas no mundo, à nossa volta; o mal está dentro de nós e aninha-se no nosso próprio coração, tornando-nos capazes de vilanias e egoísmos. Só a graça de Deus é rocha forte: nós somos areia, e areia movediça.

Se percorremos com o olhar a história dos homens ou a situação atual do mundo, é doloroso verificar como, depois de vinte séculos, existem tão poucos que se chamam cristãos e que os que se adornam com esse nome são tantas vezes infiéis à sua vocação. Faz alguns anos, uma pessoa que não tinha mau coração, mas não tinha fé, apontou para um mapa-múndi e comentou comigo: Eis o fracasso de Cristo. Tantos séculos procurando introduzir na alma dos homens a sua doutrina, e veja os resultados: não há cristãos.

Não falta quem pense assim nos nossos dias. Mas Cristo não fracassou; sua vida e sua palavra fecundam continuamente o mundo. A obra de Cristo, a tarefa que seu Pai lhe encomendou está-se realizando; sua força atravessa a história trazendo-nos a verdadeira vida, e quando já todas as coisas estiverem submetidas a Ele, então o próprio Filho ficará submetido, enquanto homem, Àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todas as coisas.

Nessa tarefa que vai realizando no mundo, Deus quis que fôssemos seus cooperadores, quis correr o risco da nossa liberdade. Toca-me o fundo da alma a figura de Jesus recém-nascido em Belém: uma criança indefesa, inerme, incapaz de oferecer resistência. Deus entrega-se às mãos dos homens, aproxima-se e desce até nós.

Jesus Cristo, que tinha a natureza de Deus, não reivindicou o seu ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de escravo. Deus condescende com a nossa liberdade, com a nossa imperfeição, com as nossas misérias. Consente que os tesouros divinos se contenham em vasos de barro, que os demos a conhecer misturando as nossas deficiências humanas com a sua força divina.

Encher o mundo de luz, ser sal e luz : assim descreveu o Senhor a missão dos seus discípulos. Levar até os últimos confins da terra a boa nova do amor de Deus. A isso devem todos os cristãos dedicar a sua vida, de um modo ou de outro.

Direi mais: temos que sentir o profundo anseio de não permanecer sós, temos que fazer com que muitos outros se animem a contribuir para essa missão divina de levar a alegria e a paz aos corações dos homens: Na medida em que progredirdes, atraí os outros convosco, escreve São Gregório Magno. Desejai ter companheiros no caminho para o Senhor.

Mas tenhamos presente que, cum dormirent homines, enquanto os homens dormiam, veio o semeador do joio, diz o Senhor numa parábola. Nós, os homens, estamos expostos a deixar-nos vencer pelo sono do egoísmo, da superficialidade, dispersando o coração em mil experiências passageiras, evitando aprofundar no verdadeiro sentido das realidades terrenas. Má coisa esse sono, que sufoca a dignidade do homem e o torna escravo da tristeza!

Há um caso que nos deve doer de modo especial: o daqueles cristãos que poderiam dar mais e não se decidem; que poderiam entregar-se totalmente, vivendo todas as conseqüências da sua vocação de filhos de Deus, mas relutam em ser generosos. Deve doer-nos porque a graça da fé não nos foi dada para que permaneça oculta, mas para que brilhe diante dos homens ; porque, além disso, está em jogo a felicidade temporal e eterna dos que assim procedem. A vida cristã é uma maravilha divina, com promessas de satisfação e serenidade, com a condição, porém, de que saibamos apreciar o dom de Deus , sendo generosos sem medida.

É necessário, pois, despertar os que tenham caído nesse mau sono: lembrar-lhes que a vida não é um divertimento, mas tesouro divino que deve frutificar. E é necessário também ensinar o caminho aos que têm boa vontade e bons desejos, mas não sabem como levá-los à prática. Somos urgidos a fazê-lo pelo próprio Jesus Cristo. Cada um de nós tem que ser não apenas apóstolo, mas apóstolo de apóstolos: que arraste os outros consigo, que os mova a dar a conhecer Cristo por sua vez.

Talvez se possa perguntar como transmitir esse conhecimento às pessoas. E respondo: com naturalidade, com simplicidade, vivendo cada qual como vive, no meio do mundo, entregue ao seu trabalho profissional e ao cuidado da família, participando das aspirações nobres dos homens, respeitando a legítima liberdade de cada um.

Há já quase trinta anos, Deus pôs em meu coração o anseio de fazer compreender às pessoas de qualquer estado, condição ou ofício, esta doutrina: a vida corrente pode ser santa e plena de Deus; o Senhor chama-nos a santificar as ocupações habituais, porque também nelas se encontra a perfeição do cristão. Consideremo-lo uma vez mais, contemplando a vida de Maria.

Não esqueçamos que a quase totalidade dos dias que Nossa Senhora passou na terra decorreram de forma muito parecida à de milhões de outras mulheres, ocupadas em cuidar da família, em educar os filhos, em levar a cabo as tarefas do lar. Maria santifica as coisas mais pequenas, aquelas que muitos consideram erroneamente como intranscendentes e sem valor: o trabalho de cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e visitas por motivos de parentesco ou de amizade. Bendita normalidade, que pode estar repassada de tanto amor de Deus!

Porque é isso o que explica a vida de Maria: o seu amor. Um amor levado até ao extremo, até ao esquecimento completo de si mesma, feliz de estar onde Deus a quer, cumprindo com esmero a vontade divina. Isso é o que faz com que o menor de seus gestos não seja nunca banal, mas cheio de conteúdo. Maria, nossa Mãe, é para nós exemplo e caminho. Temos que procurar ser como Ela, nas circunstâncias concretas em que Deus quis que vivêssemos.

Se procedermos assim, daremos aos que nos rodeiam o testemunho de uma vida simples e normal, com as limitações e os defeitos próprios da nossa condição humana, mas coerente. E ao perceberem que somos iguais a eles em todas as coisas, os outros sentir-se-ão impelidos a perguntar-nos: Como se explica a vossa alegria? Donde vos vêm as forças para vencer o egoísmo e o comodismo? Quem vos ensina a viver a compreensão, a reta convivência e a entrega, o serviço aos outros?

É então o momento de lhes manifestar o segredo divino da existência cristã, de lhes falar de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, de Maria; o momento de procurar transmitir, através das nossas pobres palavras, a loucura do amor a Deus que a graça derramou em nossos corações.