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Há 4 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Igreja → a Virgem Maria e a Igreja.

Um olhar sobre o mundo, um olhar sobre o Povo de Deus , neste mês de Maio que começa, faz-nos contemplar o espetáculo da devoção mariana que se manifesta em tantos costumes, antigos ou novos, mas vividos com um mesmo espírito de amor. Dá alegria verificar que a devoção à Virgem está sempre viva, despertando nas almas cristãs o impulso sobrenatural de se comportarem como domestici Dei, como membros da família de Deus.

Estou certo de que cada um de nós, ao ver nestes dias como tantos cristãos exprimem de mil formas diferentes o seu carinho pela Virgem Santa Maria, se sentirá também mais dentro da Igreja, mais irmão de todos os seus irmãos. É como uma reunião de família, em que os filhos já adultos, que a vida separou, voltam a encontrar-se junto de sua mãe por ocasião de uma festa. E se uma vez ou outra discutiram entre si e se trataram mal, naquele dia é diferente; naquele dia sentem-se unidos, reconhecem-se todos no afeto comum.

Maria edifica continuamente a Igreja, reúne-a, mantém-na coesa. É difícil ter uma devoção autêntica à Virgem e não sentir-se mais vinculado aos outros membros do Corpo Místico e mais unido à sua cabeça visível, o Papa. Por isso gosto de repetir: Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam!, todos, com Pedro, a Jesus por Maria! E, ao reconhecermo-nos parte da Igreja e convidados a sentir-nos irmãos na fé, descobrimos mais profundamente a fraternidade que nos une a toda a humanidade: porque a Igreja foi enviada por Cristo a todos os homens e a todos os povos.

O que acabo de dizer é algo que já todos experimentamos, pois não nos têm faltado ocasiões de comprovar os efeitos sobrenaturais de uma sincera devoção à Virgem. Cada um poderia contar muitas coisas. E eu também. Vem agora à minha memória uma romaria que fiz em 1933, a uma ermida da Virgem em terra castelhana: a Sonsoles.

Não era uma romaria tal como se entende habitualmente. Não era ruidosa nem multitudinária: íamos apenas três pessoas. Respeito e amo essas outras manifestações públicas de piedade, mas pessoalmente prefiro tentar oferecer a Maria o mesmo carinho e o mesmo entusiasmo por meio de visitas pessoais ou em pequenos grupos, com sabor de intimidade.

Naquela romaria a Sonsoles, conheci a origem dessa invocação à Virgem, um detalhe sem muita importância, mas que é uma manifestação filial da gente daquela terra. A imagem de Nossa Senhora que se venera naquele lugar esteve escondida durante certo tempo, na época das lutas entre cristãos e muçulmanos na Espanha. Ao fim de alguns anos, foi encontrada por uns pastores que - segundo conta a tradição -, ao vê-la, exclamaram: Que olhos tão formosos! São sóis!*

(*): Em castelhano: Son soles (N. T.).

Os textos das Sagradas Escrituras que nos falam de Nossa Senhora mostram-nos precisamente como a Mãe de Jesus acompanha seu Filho passo a passo, associando-se à sua missão redentora, alegrando-se e sofrendo com Ele, amando aqueles a quem Jesus ama, ocupando-se com solicitude maternal de todos os que estão ao seu lado.

Pensemos, por exemplo, no relato das bodas de Caná. Entre tantos convidados de uma dessas ruidosas bodas do meio rural, a que comparecem pessoas de vários povoados, Maria percebe que falta vinho. Só Ela o percebe, e sem demora. Como se nos revelam familiares as cenas da vida de Cristo! Porque a grandeza de Deus convive com as coisas normais e comuns. É próprio de uma mulher e de uma solícita dona de casa notar um descuido, prestar atenção a esses pequenos detalhes que tornam agradável a existência humana: e foi assim que Maria se comportou.

Reparemos também que é João quem relata o episódio de Caná: é o único evangelista que registra esse gesto de solicitude maternal. São João quer recordar-nos que Maria esteve presente no começo da vida pública do Senhor, e com isso demonstra que soube aprofundar na importância da presença da Senhora. Jesus sabia a quem confiava sua Mãe: a um discípulo que a amara, que aprendera a querer-lhe como à sua própria mãe e que era capaz de entendê-la.

Relembremos agora os dias que se seguiram à Ascensão, na expectativa do Pentecostes. Os discípulos, cheios de fé pelo triunfo de Cristo ressuscitado, e ansiosos ante a promessa do Espírito Santo, querem sentir-se unidos, e vamos encontrá-los cum Maria, Matre Iesu, com Maria, a Mãe de Jesus. A oração dos discípulos acompanha a oração de Maria; era a oração de uma família unida.

Desta vez, quem nos transmite esse dado é São Lucas, o evangelista que mais longamente narrou a infância de Jesus. É como se quisesse dar-nos a entender que, assim como Maria teve um papel primordial na Encarnação do Verbo, de modo análogo esteve também presente nas origens da Igreja, que é o Corpo de Cristo.

Desde o primeiro momento da vida da Igreja, todos os cristãos que têm procurado o amor de Deus - esse amor que se nos revela e se faz carne em Jesus Cristo - encontraram-se com a Virgem e experimentaram de maneiras muito diferentes o seu desvelo maternal. A Virgem Santíssima pode chamar-se verdadeiramente Mãe de todos os cristãos. Santo Agostinho disse-o com palavras claras: Cooperou com a sua caridade para que nascessem na Igreja os fiéis, membros daquela cabeça de que Ela é efetivamente Mãe segundo o corpo.

Não é, pois, de estranhar que um dos testemunhos mais antigos da devoção a Maria seja precisamente uma oração cheia de confiança. Refiro-me a uma antífona composta há séculos e que ainda hoje continuamos a repetir: À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as súplicas que em nossas necessidades vos dirigimos, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita.

Não é possível mantermos uma relação filial com Maria e pensarmos apenas em nós mesmos, nos nossos problemas. Não podemos permanecer em relação intima com a Virgem e ter problemas pessoais carregados de egoísmo. Maria leva a Jesus, e Jesus é primogenitus in multis fratribus, primogênito entre muitos irmãos. Conhecer Jesus é, portanto, compreender que não podemos ter outro sentido para a nossa vida a não ser o da entrega ao serviço do próximo. Um cristão não pode deter-se apenas nos seus problemas pessoais, mas deve viver de olhos postos na Igreja Universal, pensando na salvação de todas as almas.

Deste modo, até as facetas que se poderiam considerar mais privadas e íntimas - como a preocupação pelo progresso interior - não são na realidade pessoais, já que a santificação se funde numa só coisa com o apostolado. Devemos, pois, ser esforçados na nossa vida interior e no desenvolvimento das virtudes cristãs, mas de olhos postos no bem de toda a Igreja, já que não poderíamos fazer o bem e dar a conhecer Cristo se em nossas vidas não houvesse um esforço sincero por converter em realidade prática os ensinamentos do Evangelho.

Impregnados deste espírito, nossas orações, ainda que comecem por temas e propósitos aparentemente pessoais, acabam sempre por desembocar no serviço aos outros. E se caminhamos pela mão da Santíssima Virgem, Ela fará com que nos sintamos irmãos de todos os homens: porque somos todos filhos desse Deus de quem Ela é Filha, Esposa e Mãe.

Os problemas dos outros devem ser problemas nossos. A fraternidade cristã deve estar tão arraigada no fundo da alma, que nenhuma pessoa nos seja indiferente. Maria, Mãe de Jesus - a quem Ela criou, educou e acompanhou durante a sua vida terrena, e com quem está agora nos céus -, ajudar-nos-á a reconhecer Jesus que passa ao nosso lado, que se nos torna presente nas necessidades dos nossos irmãos, os homens.

Mas não pensemos só em nós mesmos: temos que dilatar o coração até abarcar a humanidade inteira. Pensemos, antes de mais nada, nos que nos rodeiam - parentes, amigos, colegas -, e vejamos como podemos levá-los a sentir mais profundamente a amizade com Nosso Senhor. Se se trata de pessoas retas e honradas, capazes de estar habitualmente mais perto de Deus, devemos encomendá-las concretamente a Nossa Senhora. E pedir também por tantas almas que não conhecemos, porque todos estamos navegando na mesma barca.

Sejamos leais, generosos. Fazemos parte de um só corpo, do Corpo Místico de Cristo, da Igreja Santa, a que estão chamados muitos que procuram nobremente a verdade. Por isso temos obrigação estrita de manifestar aos outros a qualidade, a profundidade do amor de Cristo. O cristão não pode ser egoísta; se o fosse, atraiçoaria a sua própria vocação. Não é de Cristo a atitude dos que se limitam a guardar a sua alma em paz - falsa paz é essa -, despreocupando-se do bem dos outros. Se aceitamos o significado autêntico da vida humana - e ele nos foi revelado pela fé -, não podemos continuar tranqüilos, persuadidos de que pessoalmente nos portamos bem, se não conseguimos de forma prática e concreta que os outros se aproximem de Deus.

Há um obstáculo real na tarefa de apostolado: o falso respeito, o temor de tocar temas espirituais, a suspeita de que uma conversa assim não será bem recebida em determinados ambientes, porque se podem ferir suscetibilidades. Quantas vezes esse raciocínio é a máscara do egoísmo! Não se trata de ferir ninguém; muito pelo contrário, trata-se de servir. Embora sejamos pessoalmente indignos, a graça de Deus converte-nos em instrumentos de utilidade para os outros, porque lhes comunicamos a boa nova de que Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.

E será lícito intrometer-se desse modo na vida dos outros? É necessário. Cristo interveio na nossa vida sem nos pedir licença. Fez o mesmo com os primeiros discípulos: Passando pelo mar da Galiléia, viu Simão e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. E disse-lhes Jesus: segui-me e eu vos farei pescadores de homens. Cada um de nós conserva a liberdade, a falsa liberdade de responder não a Deus, como aquele jovem carregado de riquezas de que nos fala São Lucas. Mas o Senhor e nós - em obediência às suas palavras: ide e ensinai - temos o direito e o dever de falar de Deus, deste grande tema humano, porque o desejo de Deus é a coisa mais profunda que brota do coração do homem.

Santa Maria, Regina Apostolorum, rainha de todos os que suspiram por dar a conhecer o amor de teu Filho: tu, que entendes tão bem as nossas misérias, pede perdão por nossa vida; pelo que em nós podia ter sido fogo e foi um punhado de cinzas; pela luz que deixou de iluminar; pelo sal que se tornou insípido. Mãe de Deus, Onipotência Suplicante: traze-nos, junto com o perdão, a força para vivermos verdadeiramente de fé e de amor, para podermos levar aos outros a fé de Cristo.