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Há 6 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Sacerdócio → ministério sacerdotal .

Se a vocação está em primeiro lugar, se a estrela brilha antecipadamente para nos orientar no nosso caminho de amor a Deus, não é lógico ter dúvidas quando ela se oculta uma vez por outra. Quase sempre por nossa culpa, acontece em determinados momentos da nossa vida interior o que aconteceu durante a viagem dos Reis Magos: a estrela desaparece. Conhecemos já o resplendor divino da nossa vocação, estamos persuadidos do seu caráter definitivo, mas talvez o pó que levantamos ao andar - nossas misérias - forme uma nuvem opaca que não deixa passar a luz.

Que fazer então? Seguir os passos daqueles homens santos: perguntar. Herodes serviu-se da ciência para proceder de modo injusto; os Reis Magos utilizam-na para fazer o bem.

Mas nós, cristãos, não temos necessidade de perguntar a Herodes ou aos sábios da terra. Cristo deu à sua Igreja a segurança da doutrina, a corrente de graça dos Sacramentos; e cuidou de que houvesse pessoas que nos pudessem orientar, que nos conduzissem, que nos trouxessem constantemente à memória o nosso caminho. Dispomos de um tesouro infinito de ciência: a Palavra de Deus, guardada pela Igreja; a graça de Cristo, que nos é administrada através dos Sacramentos; o testemunho e o exemplo dos que vivem retamente ao nosso lado, e que souberam construir com suas vidas um caminho de fidelidade a Deus.

Seja-me permitido um conselho: se alguma vez perdemos a claridade da luz, recorramos sempre ao bom pastor. E quem é o bom pastor? O que entra pela porta da fidelidade à doutrina da Igreja; aquele que não se comporta como o mercenário, o qual, vendo chegar o lobo, abandona as ovelhas e foge; e o lobo as arrebata e dispersa o rebanho.A palavra divina não é vã; e a insistência de Cristo - não percebemos o carinho com que fala de pastores e de ovelhas, do redil e do rebanho? - é uma demonstração prática da necessidade de um bom guia para a nossa alma.

Se não houvesse maus pastores, escreve Santo Agostinho, Ele não no-lo teria prevendo. Quem é o mercenário? É o que vê o lobo e foge; o que procura a sua glória, não a glória de Cristo: o que não se atreve a censurar os pecadores com liberdade de espírito. O lobo fila uma ovelha pelo pescoço, o demônio induz um fiel a cometer adultério. E tu te calas, não censuras. És mercenário; viste vir o lobo e fugiste. Talvez digas: não, estou aqui, não fugi. Não, respondo, fugiste porque te calaste; e te calaste porque tiveste medo.

A santidade da Esposa de Cristo sempre se demonstrou - como hoje continua a demonstrar-se - pela abundancia de bons pastores. Mas a fé cristã, que nos ensina a ser simples, não nos induz a ser ingênuos. Há mercenários que se calam, e há mercenários que pronunciam palavras que não são de Cristo. Por isso, se porventura o Senhor permite que fiquemos às escuras, mesmo em coisas de pormenor; se sentimos que a nossa fé não é firme, recorramos ao bom pastor, àquele que entra pela porta, exercendo o seu direito, àquele que - dando a vida pelos outros - quer ser, na palavra e na conduta, uma alma enamorada: talvez um pecador também, mas que confia sempre no perdão e na misericórdia de Cristo.

Se a nossa consciência nos reprova alguma falta - mesmo que não nos pareça grave -, se estamos em dúvida, recorramos ao Sacramento da Penitência. Iremos ao sacerdote que nos atende, àquele que sabe exigir de nós firmeza na fé, delicadeza de alma, verdadeira fortaleza cristã. A Igreja concede-nos a mais plena liberdade para nos confessarmos com qualquer sacerdote que possua as legítimas licenças; mas um cristão de vida clara procura - livremente - aquele que reconhece como bom pastor, e que pode ajudá-lo a levantar os olhos para tornar a ver no alto a estrela do Senhor.

Mas continuemos a contemplar a maravilha dos Sacramentos. Na Unção dos enfermos, como agora se chama a Extrema-Unção, assistimos a uma amorosa preparação da viagem que terminará na casa do Pai. E pela Sagrada Eucaristia, sacramento - se assim nos podemos expressar - da prodigalidade divina, Deus concede-nos a sua graça e se nos entrega Ele mesmo: Jesus Cristo, que está sempre realmente presente - não apenas durante a Santa Missa - com seu Corpo, sua Alma, seu Sangue e sua Divindade.

Penso repetidas vezes na responsabilidade que têm os sacerdotes de assegurar a todos os cristãos esse canal divino dos Sacramentos. A graça de Deus vem em socorro de cada alma; cada criatura requer uma assistência concreta, pessoal. As almas não podem ser tratadas em massa! Não é lícito ofender a dignidade humana e a dignidade dos filhos de Deus deixando de atender pessoalmente a cada um com a humildade de quem se sabe instrumento e veículo do amor de Cristo: porque cada alma é um tesouro maravilhoso; cada homem é único, insubstituível. Cada um vale todo o sangue de Cristo.

Falávamos antes de luta. Mas a luta exige treino, alimentação adequada, remédios urgentes em caso de doença, de contusões, de feridas. Os Sacramentos - principal remédio da Igreja - não são supérfluos: quando os abandonamos voluntariamente, já não podemos dar um só passo no seguimento de Jesus Cristo; necessitamos deles como da respiração, da circulação do sangue ou da luz, para sabermos apreciar em qualquer instante o que o Senhor quer de nós.

A ascética do cristão exige fortaleza, e essa fortaleza procede do Criador. Nós somos a escuridão, e Ele é claríssimo resplendor; somos a enfermidade, e Ele a saúde vigorosa; somos a escassez, e Ele a infinita riqueza; somos a fraqueza, e Ele, quem nos sustenta, quia tu es, Deus, fortitudo mea , porque tu és sempre, ó meu Deus, a nossa fortaleza. Nada há nesta terra capaz de se opor ao jorrar impaciente do Sangue redentor de Cristo. Mas a pequenez humana pode toldar os olhos e ocultar-nos a grandeza divina. Daí que todos os fiéis, especialmente os que têm por ofício dirigir - servir - espiritualmente o Povo de Deus, tenham a responsabilidade de não cegar as fontes da graça, de não se envergonharem da Cruz de Cristo.

Na Igreja de Deus, é obrigação de todos nós perseverarmos com firmeza no propósito de ser sempre mais leais à doutrina de Cristo. Ninguém está dispensado. Se os pastores não lutassem pessoalmente por adquirir delicadeza de consciência, respeito fiel ao dogma e à moral - que constituem o depósito da fé e o patrimônio comum -, tornar-se-iam realidade as palavras proféticas de Ezequiel: Filho do homem, profetiza contra os pastores de Israel; profetiza e diz a esses pastores: Assim fala o Senhor Deus: Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! Porventura não são os rebanhos que devem ser apascentados pelos pastores? Vós bebestes o seu leite e vestistes as suas lãs… Não fortalecestes as ovelhas fracas e não curastes as doentes, não vendastes as que estavam feridas nem reconduzistes as transviadas; não buscastes as que se tinham perdido e a todas tratastes com violência e dureza.

São repreensões fortes; porém, mais grave é a ofensa que se faz a Deus quando, tendo recebido a incumbência de velar pelo bem espiritual de todos, se maltratam as almas, privando-as da água limpa do Batismo, que regenera a alma; do óleo balsâmico da Crisma, que a fortalece; do tribunal que perdoa, do alimento que dá a vida eterna.

Quando podem acontecer estas coisas? Quando se abandona esta guerra de paz. Quem não luta expõe-se a qualquer das escravidões que sabem agrilhoar os corações de carne: a escravidão de uma visão exclusivamente humana, a escravidão do desejo opressivo de poder e de prestígio temporal, a escravidão da vaidade, a escravidão do dinheiro, a servidão da sensualidade…

Se alguma vez tropeçarmos com pastores indignos desse nome - Deus pode permitir semelhante prova -, não nos escandalizemos. Cristo prometeu assistência infalível e indefectível à sua Igreja, mas não garantiu a fidelidade dos homens que a compõem. A estes não faltará graça abundante e generosa, se souberem contribuir com o pouco que Deus lhes pede: vigiar atentamente, empenhando-se em remover com a graça de Deus os obstáculos à santidade. Se não houver luta, mesmo os que parecem estar muito alto podem estar muito baixo aos olhos de Deus. Conheço as tuas obras, a tua conduta. Consideram-te vivo, mas estás morto. Permanece atento e consolida o resto do rebanho que está para morrer, pois não achei as tuas obras perfeitas diante do meu Deus. Lembra-te da doutrina que recebeste e ouviste. Observa-a e arrepende-te.

São exortações do Apóstolo São João, no século I, dirigidas a quem detinha a responsabilidade da Igreja na cidade de Sardes. Porque o possível debilitamento do senso de responsabilidade em alguns pastores não é um fenômeno moderno; surge já nos tempos dos Apóstolos, no próprio século em que Jesus Cristo Nosso Senhor viveu na terra. É que ninguém está seguro, se deixa de lutar consigo mesmo. Ninguém se pode salvar sozinho. Todos na Igreja necessitamos desses meios específicos que nos fortalecem: da humildade, que nos persuade a aceitar ajuda e conselho; das mortificações, que aplainam o coração, para que nele reine Cristo; do estudo da Doutrina segura de sempre, que nos leva a conservar em nós a fé e a propagá-la.

Toda a Trindade está presente no sacrifício do Altar. Por vontade do Pai e com a cooperação do Espírito Santo, o Filho se oferece em oblação redentora. Aprendamos a ganhar intimidade com a Trindade Beatíssima, Deus Uno e Trino: três Pessoas divinas na unidade da sua substância, do seu amor e da sua ação santificadora cheia de eficácia.

Logo a seguir ao Lavabo, o sacerdote invoca: Recebei, ó Trindade Santa, esta oblação que Vos oferecemos em memória da Paixão, da Ressurreição e da Ascensão de Nosso Senhor Iesus Cristo.E, no final da Missa, temos outra oração de inflamado acatamento ao Deus Uno e Trino: Placeat tibi, Sancta Trinitas, obsequium servitutis meae… Seja-Vos agradável, ó Trindade Santíssima, o tributo da minha servidão, a fim de que este sacrifício que eu, embora indigno, apresentei aos olhos da Vossa Majestade, seja aceito por Vós e, por vossa misericórdia, atraia o vosso favor sobre mim e sobre todos aqueles por quem o ofereci.

A Missa - insisto - é ação divina, trinitária, não humana. O sacerdote que celebra está a serviço dos desígnios do Senhor, emprestando-lhe seu corpo e sua voz. Não atua, porém, em nome próprio, mas in persona et in nomine Christi, na Pessoa de Cristo e em nome de Cristo.

O amor da Trindade pelos homens faz com que, da presença de Cristo na Eucaristia, nasçam para a Igreja e para a humanidade todas as graças. Este é o sacrifício profetizado por Malaquias: Desde o nascer do sol até o ocaso, é grande meu nome entre os povos; e em todo o lugar se oferece ao meu nome um sacrifício fumegante e uma oblação pura. É o Sacrifício de Cristo, oferecido ao Pai com a cooperação do Espírito Santo: oblação de valor infinito, que eterniza em nós a Redenção que os sacrifícios da Antiga Lei não podiam alcançar.

É a fé em Cristo - morto e ressuscitado, presente em todos e cada um dos momentos da vida - que ilumina as nossas consciências, incitando-nos a participar com todas as forças nas vicissitudes e nos problemas da história humana. Nessa história, que se iniciou com a criação do mundo e que findará com a consumação dos séculos, o cristão não é um apátrida. É um cidadão da cidade dos homens, com a alma absorvida pelo desejo de Deus, cujo amor começa a entrever já nesta etapa temporal e no qual reconhece o fim a que estamos chamados todos os que vivemos na terra.

Se tem interesse o meu testemunho pessoal, posso dizer que sempre concebi a minha atividade de sacerdote e de pastor de almas como uma tarefa dirigida a situar cada um em face das exigências totais da sua vida, ajudando as pessoas a descobrir aquilo que Deus lhes pedia em concreto, sem estabelecer qualquer limitação a essa independência santa e a essa abençoada responsabilidade individual, que são características de uma consciência cristã. Esse modo de agir e esse espírito baseiam-se no respeito à transcendência da verdade revelada e no amor à liberdade da criatura humana. Poderia acrescentar que se baseiam também na certeza da indeterminação da História, aberta a múltiplas possibilidades, que Deus não quis limitar.

Seguir Cristo não significa refugiar-se no templo, encolhendo os ombros perante a evolução da sociedade, perante os acertos ou as aberrações dos homens e dos povos. Muito pelo contrário, a fé cristã leva-nos a ver o mundo como criação do Senhor, a apreciar, portanto, tudo o que é nobre e belo, a reconhecer a dignidade de cada pessoa, feita à imagem de Deus, e a admirar o dom especialíssimo da liberdade, que nos faz donos dos nossos próprios atos e nos permite - com a graça do céu - construir o nosso destino eterno.

Amesquinharíamos a fé se a reduzíssemos a uma ideologia terrena, arvorando um estandarte político-religioso para condenar, não se sabe em nome de que investidura divina, os que não pensam do mesmo modo em problemas que são, por sua própria natureza, suscetíveis de receber numerosas e diversas soluções.

Quando trabalha, como é de sua obrigação, o cristão não deve iludir nem esquivar-se às exigências próprias da natureza das coisas. Se pela expressão abençoar as atividades humanas, se entendesse anular ou escamotear a sua dinâmica própria, negar-me-ia a usar essas palavras. Pessoalmente, nunca me convenci de que as ocupações habituais dos homens devessem ostentar um qualificativo confessional, à moda de um letreiro postiço. Embora respeite a opinião contrária, parece-me que se correria o perigo de usar em vão o santo nome da nossa fé, e de utilizar, além disso, a etiqueta católica - como já se tem visto em certas ocasiões - para justificar atitudes e operações que, às vezes, nem sequer são honradamente humanas.

Se, à exceção do pecado, o mundo e tudo o que nele se contém é bom, por ser obra de Deus Nosso Senhor, o cristão, lutando continuamente por evitar as ofensas a Deus - uma luta positiva de amor -, deve dedicar-se a todas as realidades terrenas, ombro a ombro com os outros cidadãos; e defender todos os bens derivados da dignidade da pessoa.

E existe um bem que, de forma especial, deverá promover sempre: o da liberdade pessoal. Só se defender a liberdade individual dos outros, com a correspondente responsabilidade pessoal, poderá defender igualmente a sua própria, com honradez humana e cristã. Repito e repetirei sem cessar que o Senhor nos concedeu gratuitamente um grande dom sobrenatural, que é a graça divina; e outra maravilhosa dádiva humana, a liberdade pessoal, que - para não se corromper, convertendo-se em libertinagem - exige de nós integridade, empenho eficaz em desenvolver a conduta dentro da lei divina, pois onde se encontra o Espírito de Deus, lá se encontra a liberdade.

O Reino de Cristo é reino de liberdade: não existem nele outros servos além dos que livremente se deixam aprisionar, por amor a Deus. Bendita escravidão de amor, que nos torna livres! Sem liberdade, não podemos corresponder à graça; sem liberdade, não nos podemos entregar livremente ao Senhor, pelo motivo mais sobrenatural de todos: porque nos apetece.

Alguns dos que me escutam já me conhecem há muitos anos. Podem testemunhar que tenho passado toda a minha vida pregando a liberdade pessoal, com igual responsabilidade pessoal. Procurei-a e procuro-a por toda a terra, como Diógenes procurava um homem. E cada dia que passa amo-a mais, amo-a sobre todas as coisas da terra: é um tesouro que nunca saberemos apreciar suficientemente.

Quando falo de liberdade pessoal, não me valho disso como desculpa para abordar outros problemas, talvez muito legítimos, mas que não dizem respeito ao meu ofício de sacerdote. Sei que não me compete tratar de temas seculares e transitórios, que pertencem à esfera temporal e civil, e são matérias que o Senhor deixou à livre e serena controvérsia dos homens. Sei também que os lábios do sacerdote, evitando por completo parcialidades humanas, somente devem abrir-se para conduzir as almas a Deus, à sua doutrina espiritual salvadora, aos sacramentos que Jesus Cristo instituiu, à vida interior que nos aproxima do Senhor, dando-nos a consciência de sermos seus filhos e, portanto, irmãos de todos os homens sem exceção.

Celebramos hoje a festa de Cristo-Rei. E não me afasto do meu ofício de sacerdote quando digo que, se alguém entendesse o reino de Cristo em termos de programa político, não teria aprofundado no fim sobrenatural da fé e estaria a um passo de oprimir as consciências com cargas que não são de Jesus, pois seu jugo é suave e sua carga leve.Amemos de verdade todos os homens; acima de tudo, amemos Cristo; e, então, não teremos outro remédio senão amar a legítima liberdade dos demais homens, numa convivência pacífica e sensata.

Referências da Sagrada Escritura
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