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Há 6 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Alegria → alegria e cruz.

Que transparentes são os ensinamentos de Cristo! Como de costume, abramos o Novo Testamento, agora no capítulo XI de São Mateus: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração. Estamos vendo? Temos que aprender dEle, de Jesus, o nosso único modelo. Se queres ir em frente, prevenindo tropeços e extravios, basta-te andar por onde Ele andou, pousar as plantas dos pés na marca das suas pegadas, adentrar-te em seu Coração humilde e paciente, beber do manancial dos seus preceitos e afetos; numa palavra, hás de identificar-te com Jesus Cristo, hás de procurar converter-te de verdade em outro Cristo entre os teus irmãos, os homens.

Para que ninguém se iluda, vamos ler outra citação de São Mateus. No capítulo XVI, o Senhor precisa ainda mais a sua doutrina: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. O caminho de Deus é de renúncia, de mortificação, de entrega, mas não de tristeza ou de apoucamento.

Repassa o exemplo de Cristo, desde o berço de Belém até o trono do Calvário. Considera a sua abnegação, as suas privações: fome, sede, fadiga, calor, sono, maus tratos, incompreensões, lágrimas…; e a sua alegria em salvar a humanidade inteira. Gostaria de gravar agora profundamente na tua cabeça e no teu coração - para que o medites muitas vezes e o traduzas em conseqüências práticas - as palavras com que São Paulo convidava os de Éfeso a seguir sem hesitações os passos do Senhor: Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados, e andai no amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós a Deus, em oferenda e hóstia de suavíssimo odor.

Jesus entregou-se a si mesmo, feito holocausto por amor. E tu, discípulo de Cristo; tu, filho predileto de Deus; tu, que foste comprado a preço de Cruz; tu também deves estar disposto a negar-te a ti mesmo. Portanto, sejam quais forem as circunstâncias concretas por que passemos, nem tu nem eu podemos ter uma conduta egoísta, aburguesada, comodista, dissipada… - perdoa-me a minha sinceridade -, néscia! Se ambicionas a estima dos homens, e tens ânsias de ser considerado ou apreciado, e não procuras senão uma vida confortável, saíste do caminho… Na cidade dos santos, só se permite a entrada - e que se descanse e se reine com o Rei pelos séculos eternos - àqueles que passam pela via áspera, apertada e estreita das tribulações.

É necessário que te decidas voluntariamente a carregar a cruz. Senão, dirás com a língua que imitas Cristo, mas as tuas obras o desmentirão; assim não conseguirás ter intimidade com o Mestre nem o amarás de verdade. Urge que os cristãos se convençam bem desta realidade: não caminhamos junto do Senhor quando não sabemos privar-nos espontaneamente de tantas coisas que o capricho, a vaidade, a vida regalada, o interesse nos reclamam… Não deve passar um só dia sem que o tenhas condimentado com a graça e o sal da mortificação. E rejeita a idéia de que, nesse caso, estás condenado a ser um infeliz. Pobre felicidade será a tua se não aprendes a vencer-te a ti mesmo, se te deixas esmagar e dominar pelas tuas paixões e veleidades, em vez de tomares a cruz galhardamente.

Lembro-me agora - certamente algum de vós me terá ouvido este mesmo comentário em outras meditações - daquele sonho de um escritor do século de ouro castelhano. Diante dele, abrem-se dois caminhos. Um apresenta-se bem largo e transitável, fácil, pródigo em vendas e pousadas e em outros lugares amenos e regalados. Por ali avança a gente a cavalo ou em carruagens, entre músicas e risos: gargalhadas loucas; contempla-se uma multidão embriagada num deleite aparente, efêmero, porque essa rota acaba num precipício sem fundo. É a senda dos mundanos, dos eternos aburguesados: ostentam uma alegria que na realidade não têm; procuram insaciavelmente toda a espécie de comodidades e prazeres…; horroriza-os a dor, a renúncia, o sacrifício. Não querem saber nada da Cruz de Cristo; pensam que é coisa de malucos. Mas são eles os dementes. Escravos da inveja, da gula, da sensualidade, acabam sofrendo mais, e tarde caem na conta de que, por uma bagatela insípida, malbaratam a sua felicidade terrena e a eterna. Assim o faz notar o Senhor: Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, encontrá-la-á. Porque, de que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?

Por direção diferente discorre nesse sonho o outro caminho: tão estreito e empinado que não é possível percorrê-lo a lombo de cavalgadura. Todos os que o empreendem avançam pelos seus próprios pés, talvez em zigue-zague, de rosto sereno, pisando sobre abrolhos e ladeando penhascos. Em determinados pontos, deixam em farrapos as suas vestes e até a sua carne. Mas, no fim, espera-os um vergel, a felicidade para sempre, o Céu. É o caminho das almas santas que se humilham, que por amor de Jesus Cristo se sacrificam com gosto pelos outros; a rota dos que não temem subir encostas, carregando amorosamente a sua cruz, por muito que pese, porque sabem que, se o peso os afunda, poderão levantar-se e continuar a ascensão: Cristo é a força desses caminhantes.

Se vos recordo estas verdades fortes, é para vos convidar a examinar atentamente os motivos que determinam a vossa conduta, a fim de retificardes o que precise de retificação, orientando tudo para o serviço de Deus e dos vossos irmãos, os homens. Vede que o Senhor passou ao nosso lado, olhou-nos com carinho e chamou-nos com uma vocação santa, não pelas nossas obras, mas pelo seu beneplácito e pela graça que nos foi outorgada em Jesus Cristo antes de todos os séculos.

Purificai a intenção, ocupai-vos de todas as coisas por amor a Deus, abraçando com júbilo a cruz de cada dia. Tenho-o repetido milhares de vezes, porque penso que estas idéias devem estar esculpidas no coração dos cristãos: quando não nos limitamos a tolerar, mas amamos a contradição, a dor física ou moral, e a oferecemos a Deus em desagravo pelos nossos pecados pessoais e pelos pecados de todos os homens, eu vos asseguro que essa pena não acabrunha.

Não se carrega já uma cruz qualquer, descobre-se a Cruz de Cristo, com o consolo de ver que é o Redentor quem se encarrega de suportar o peso. Nós colaboramos como Simão de Cirene que, quando regressava do trabalho na sua granja, pensando num merecido repouso, se viu forçado a oferecer os ombros para ajudar Jesus. Para uma alma enamorada, ser voluntariamente Cireneu de Cristo, acompanhar tão de perto a sua Humanidade dolente, reduzida a um farrapo, não significa uma desventura, mas a certeza da proximidade de Deus, que nos abençoa com essa eleição.

Com muita freqüência, não poucas pessoas me têm falado com assombro da alegria que, graças a Deus, os meus filhos no Opus Dei possuem e transmitem. Perante a evidência dessa realidade, respondo sempre com a mesma explicação, porque não conheço outra: o fundamento dessa felicidade consiste em não terem medo à vida nem à morte, em não se encolherem perante a tribulação, no esforço cotidiano por viverem com espírito de sacrifício, constantemente dispostos - apesar da sua miséria e debilidade - a negar-se a si próprios, contanto que consigam tornar o caminho cristão mais acessível e mais amável aos outros.

Talvez até este momento não nos tenhamos sentido premidos a seguir tão de perto os passos de Cristo. Talvez não tenhamos caído na conta de que podemos unir ao seu sacrifício reparador as nossas pequenas renúncias: pelos nossos pecados, pelos pecados dos homens em todas as épocas, por esse trabalho malvado de Lúcifer, que continua opondo a Deus o seu non serviam!, não servirei! Como é que nos atrevemos a clamar sem hipocrisia: “Senhor, doem-me as ofensas que ferem o teu Coração amabilíssimo”, se não nos decidimos a privar-nos de uma insignificância ou a oferecer um sacrifício minúsculo em louvor do seu Amor? A penitência - verdadeiro desagravo - lança-nos pelo caminho da entrega de nós mesmos, da caridade. Entrega para reparar, e caridade para ajudar os outros, como Cristo nos ajudou.

De agora em diante, tende pressa em amar. O amor nos impedirá a queixa, o protesto. Porque com freqüência suportamos a contrariedade, sim; mas nos lamentamos. E então, além de desperdiçarmos a graça de Deus, cortamos-lhe as mãos para futuros pedidos. Hilarem enim datorem diligit Deus. Deus ama quem dá com alegria, com a espontaneidade que nasce de um coração enamorado, sem os espaventos de quem se entrega como se prestasse um favor.

Volta de novo a contemplar a tua vida e pede perdão por esse detalhe e por aquele outro que saltam imediatamente aos olhos da tua consciência; pelo mau uso que fazes da língua; por esses pensamentos que giram continuamente em redor de ti mesmo; por esse juízo crítico consentido que te preocupa tolamente, causando-te uma perene inquietação e desassossego… Podemos ser muito felizes! O Senhor nos quer contentes, bêbados de alegria, avançando pelos mesmos caminhos de ventura que Ele percorreu! Só nos sentimos infelizes quando nos empenhamos em desencaminhar-nos e enveredamos pela senda do egoísmo e da sensualidade; e muito pior ainda se nos enfiamos pela dos hipócritas.

O cristão há de manifestar-se autêntico, veraz, sincero em todas as obras. A sua conduta deve deixar transparecer um espírito: o de Cristo. Se alguém neste mundo tem obrigação de se mostrar conseqüente, é o cristão, porque recebeu em depósito - para fazer frutificar esse dom - a verdade que liberta, que salva. Padre, perguntar-me-eis, e como conseguirei essa sinceridade de vida? Jesus Cristo entregou à sua Igreja todos os meios necessários: ensinou-nos a rezar, a ganhar intimidade com seu Pai celestial; enviou-nos o seu Espírito, o Grande Desconhecido, que atua na nossa alma; e deixou-nos esses sinais visíveis da graça que são os Sacramentos. Usa-os. Intensifica a tua vida de piedade. Faz oração todos os dias. E não afastes nunca os teus ombros da carga prazerosa da Cruz do Senhor.

Foi Jesus quem te convidou a segui-lo como bom discípulo, a fim de que realizes a tua travessia pela terra semeando a paz e o gáudio que o mundo não pode dar. Para isso - insisto -, temos que andar sem medo à vida e sem medo à morte, sem nos esquivarmos a qualquer custo à dor, que para um cristão é sempre meio de purificação e ocasião de amar deveras os seus irmãos, aproveitando as mil circunstâncias da vida corrente.

Esgotou-se o tempo. Tenho que pôr ponto final a estas considerações com que tentei remexer a tua alma para que correspondesses concretizando alguns propósitos, poucos, mas bem determinados. Pensa que Deus te quer contente e que, se tu fazes da tua parte o que podes, serás feliz, muito feliz, felicíssimo, ainda que em momento nenhum te falte a Cruz. Porém, essa Cruz já não será um patíbulo, mas o trono do qual reina Cristo.

E a seu lado encontrarás Maria, sua Mãe, Mãe nossa também. A Virgem Santa te alcançará a fortaleza de que necessitas para caminhar com decisão, seguindo os passos do seu Filho.