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Há 9 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Jesus Cristo  → Cristo que passa e chama.

Não me sai da memória certa ocasião - ocorreu há muito tempo - em que fui rezar à Catedral de Valência e passei pela sepultura do Venerável Ridaura. Contaram-me então que, quando perguntavam a esse sacerdote, já muito idoso, quantos anos tinha, respondia em valenciano, com muita convicção: Poquets, pouquinhos!, os que venho servindo a Deus. Para bastantes de vós, ainda se contam pelos dedos de uma mão os anos que passaram desde que vos decidistes a ganhar intimidade com Nosso Senhor, a servi-lo no meio do mundo, no vosso próprio ambiente e através da vossa profissão ou ofício. O detalhe não tem excessiva importância. O que interessa é que gravemos a fogo na alma a certeza de que o convite para a santidade, dirigido por Jesus Cristo a todos os homens sem exceção, requer de cada um que cultive a vida interior, que se exercite diariamente nas virtudes cristãs. E não de qualquer maneira, nem para além da medida comum, ou mesmo de um modo excelente: temos que esforçar-nos até o heroísmo, no sentido mais forte e terminante da expressão.

A meta que vos proponho - ou melhor, a que Deus indica a todos - não é uma miragem ou um ideal inatingível. Poderia relatar-vos muitos exemplos concretos de mulheres e homens da rua, como vós e como eu, que encontraram Jesus que passa quasi in occulto - como que em segredo - pelas encruzilhadas aparentemente mais vulgares, e se decidiram a segui-lo, abraçados com amor à cruz de cada dia. Nesta época de desmoronamento geral, de transigências e desânimos, ou de libertinagem e anarquia, parece-me ainda mais atual aquela simples e profunda convicção que, nos começos do meu trabalho sacerdotal e sempre, me consumiu em desejos de comunicar à humanidade inteira: Estas crises mundiais são crises de santos.

Vida interior: é uma exigência da chamada que o Mestre colocou na alma de todos. Temos que ser santos - vou dizê-lo com uma frase castiça da minha terra - sem que nos falte um pêlo*: cristãos de verdade, autênticos, canonizáveis. E, senão, teremos fracassado como discípulos do único Mestre.

Vede, além disso, que Deus, ao fixar a atenção em nós, ao conceder-nos a sua graça para que lutemos por alcançar a santidade no meio do mundo, nos impõe também a obrigação do apostolado. Apercebei-vos de que, até humanamente, como diz um Padre da Igreja, a preocupação pelas almas brota como uma conseqüência lógica dessa eleição: Quando descobrisque alguma coisa vos foi de proveito, procurais atrair os outros. Tendes, pois, que desejar que haja outros que vos acompanhem pelos caminhos do Senhor. Se ides ao foro ou às termas, e deparais com alguém que está desocupado, vós o convidais a acompanhar-vos. Aplicai ao campo espiritual este costume terreno e, quando fordes a Deus, não o façais sozinhos.

Se não queremos malbaratar o tempo inutilmente - mesmo com as falsas desculpas das dificuldades exteriores do ambiente, que nunca faltaram desde os inícios do cristianismo -, devemos ter muito presente que Jesus Cristo vinculou ordinariamente à vida interior a eficácia da ação com que procuramos arrastar os que nos rodeiam. Para influirmos mediante a atividade apostólica, Cristo estabeleceu como condição a santidade; corrijo-me, o esforço da nossa fidelidade, porque santos na terra não o seremos nunca. Parece incrível, mas Deus e os homens precisam da nossa fidelidade sem paliativos, sem eufemismos, que chegue até as últimas conseqüências, sem medianias nem barganhas, em plenitude de vocação cristã assumida e praticada com esmero.

(*) Expressão equivalente a “da cabeça aos pés” (N. do T.).

Como Nosso Senhor, eu também gosto muito de falar de barcas e redes, para que todos tiremos dessas cenas evangélicas alguns propósitos firmes e bem determinados. Conta-nos São Lucas que uns pescadores lavavam e remendavam as suas redes nas margens do lago de Genesaré. Jesus aproxima-se daquelas naves atracadas na ribeira e sobe a uma delas, à de Simão. Com que naturalidade o Senhor se mete na barca de cada um de nós! Para nos complicar a vida, como se repete em tom de queixa por aí. Convosco e comigo cruzou-se o Senhor no nosso caminho, para nos complicar a existência delicadamente, amorosamente.

Depois de pregar da barca de Pedro, dirige-se aos pescadores: Duc in altum, et laxate retia vestra in capturam!, navegai mar adentro e lançai as vossas redes! Fiados na palavra de Cristo, obedecem, e obtêm aquela pesca prodigiosa. E olhando para Pedro, que, como Tiago e João, não saía do seu assombro, o Senhor explica-lhe: Não tenhas medo, de hoje em diante serás pescador de homens. E eles, trazidas as barcas para terra, deixando todas as coisas, seguiram-no.

A tua barca - os teus talentos, as tuas aspirações, as tuas realizações - não serve para nada se não a colocas à disposição de Cristo, se não lhe permites entrar nela com liberdade, se a convertes num ídolo. Tu sozinho, com a tua barca, se prescindes do Mestre, falando sobrenaturalmente, caminhas direto para o naufrágio. Só se admites, se procuras a presença e o governo do Senhor, estarás a salvo das tempestades e dos reveses da vida. Coloca tudo nas mãos de Deus: que os teus pensamentos, as boas aventuras da tua imaginação, as tuas ambições humanas nobres, os teus amores limpos passem pelo coração de Cristo. De outro modo, cedo ou tarde irão a pique com o teu egoísmo.

Se consentes que Deus comande a tua nave, que seja Ele o amo, que segurança!…, mesmo quando parece que se ausenta, que fica adormecido, que se alheia, e se levanta a tempestade no meio das trevas mais densas. Relata São Marcos que os Apóstolos se encontravam nessas circunstâncias, e Jesus, vendo-os remar com muita dificuldade - porque o vento lhes era contrário -, por volta da quarta hora noturna foi ter com eles, andando sobre as águas . Tende confiança, sou eu, não temais. E subiu para a barca com eles, e cessou o vento.

Meus filhos, acontecem tantas coisas na terra!… Poderia falar-vos de penas, de sofrimentos, de maus tratos, de martírios - não tiro à palavra uma só letra -, do heroísmo de muitas almas. Diante dos nossos olhos, na nossa inteligência, brota às vezes a impressão de que Jesus dorme, de que não nos escuta. Mas São Lucas conta como o Senhor se comporta com os seus: Enquanto eles - os discípulos - iam navegando, Jesus adormeceu, e levantou-se uma tempestade de vento sobre o lago, e a barca enchia-se de água, e estavam em perigo. E aproximando-se dEle, despertaram-no, gritando:Mestre, nós perecemos! E levantando-se Jesus, increpou o vento e as ondas, e logo tudo cessou; e veio a bonança. Então disse-lhes: Onde está a vossa fé?

Se nos entregarmos, Ele entrega-se a nós. É preciso confiar plenamente no Mestre, é preciso abandonar-se nas suas mãos sem regateios, manifestar-lhe com as nossas obras que a barca é dEle, que queremos que disponha como lhe apetecer de tudo o que nos pertence.

Termino - recorrendo à intercessão de Santa Maria - com estes propósitos: vamos viver de fé; vamos perseverar com esperança, vamos permanecer grudados a Jesus Cristo; vamos amá-lo de verdade, de verdade, de verdade; vamos percorrer e saborear a nossa aventura de Amor, porque estamos enamorados de Deus; vamos deixar que Cristo entre na nossa pobre barca e tome posse da nossa alma, como Dono e Senhor; vamos manifestar-lhe com sinceridade que nos esforçaremos por manter-nos sempre na sua presença, dia e noite, porque Ele nos chamou à fé: Ecce ego quia vocasti me!, aqui estou porque me chamaste, e viemos ao seu redil, atraídos pelos seus brados e assobios de Bom Pastor, na certeza de que somente à sua sombra encontraremos a verdadeira felicidade temporal e eterna.

Aproxima-se da figueira: aproxima-se de ti e aproxima-se de mim. Jesus, com fome e com sede de almas. Do alto da Cruz clamou: Sitio!, tenho sede. Sede de nós, do nosso amor, das nossas almas e de todas as almas que lhe devemos levar, pelo caminho da Cruz, que é o caminho da imortalidade e da glória do Céu.

Abeirou-se da figueira, mas não encontrou nela senão folhas. É lamentável. Mas não acontecerá o mesmo na nossa vida? Não acontecerá, tristemente, que falta fé, falta vibração de humildade, e não aparecem os sacrifícios nem as obras? Não será que só está de pé a fachada cristã, mas falta o proveito? É terrível, porque Jesus ordena: Nunca mais nasça fruto de ti. E imediatamente a figueira secou. Dói-nos esta passagem da Escritura Santa, mas, ao mesmo tempo, anima-nos a reacender a fé, a viver segundo a fé, para que Cristo receba sempre lucro da nossa parte.

Não nos enganemos. Nosso Senhor não depende nunca das nossas construções humanas. Para Ele, os projetos mais ambiciosos não passam de brincadeiras de crianças. Ele quer almas, quer amor. Quer que todos corram a usufruir do seu Reino, por toda a eternidade. Temos que trabalhar muito na terra, e temos que trabalhar bem, porque essas ocupações habituais são a matéria que devemos santificar. Mas nunca nos esqueçamos de as realizar por Deus. Se as fizéssemos por nós mesmos, isto é, por orgulho, só produziríamos folharada; e nem Deus nem os homens conseguiriam saborear um pouco de doçura em árvore tão frondosa.

O que é que muda então? O que muda é que na alma - porque nela entrou Cristo, tal como entrou na barca de Pedro - se abrem horizontes mais amplos, maior ambição de servir, e um desejo irreprimível de anunciar a todas as criaturas as magnalia Dei, as coisas maravilhosas que o Senhor faz, se o deixamos agir.

A este propósito, não posso silenciar que o trabalho, digamos, profissional dos sacerdotes é um ministério divino e público, que lhes absorve de modo exigente toda a atividade: a tal ponto que, de maneira geral, se um sacerdote se encontra com tempo de sobra para outros trabalhos que não sejam propriamente sacerdotais, pode ter a certeza de que não cumpre os deveres do seu ministério.

Estavam juntos Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo, eNatanael, que era de Caná da Galiléia,e os filhos de Zebedeu, e outros dois dos seus discípulos.Disse-lhes Simão Pedro: Vou pescar. Responderam-lhe: Também nós vamos contigo. Partiram e entraram numa barca; e naquela noite nada apanharam. Chegada a manhã, Jesus apresentou-se na praia.

Passa ao lado dos seus Apóstolos, junto dessas almas que se lhe entregaram. E eles não se dão conta disso. Quantas vezes está Cristo, não perto de nós, mas dentro de nós, e temos uma vida tão humana! Cristo está ao nosso lado, e não recebe um olhar de carinho, uma palavra de amor, uma obra de zelo por parte de seus filhos.

Como poderemos superar esses inconvenientes? Como conseguiremos fortalecer-nos naquela decisão, que começa a parecer-nos muito pesada? Inspirando-nos no modelo que nos mostra a Virgem Santíssima, nossa Mãe: uma rota muito ampla, que necessariamente passa por Jesus.

Para nos aproximarmos de Deus, temos de enveredar pelo caminho certo, que é a Humanidade Santíssima de Cristo. Por isso aconselho sempre a leitura de livros que narrem a Paixão do Senhor: são escritos cheios de sincera piedade, que nos trazem à mente o Filho de Deus, Homem como nós e Deus verdadeiro, que ama e que sofre na sua carne pela Redenção do mundo.

Consideremos a recitação do Santo Rosário, uma das devoções mais arraigadas entre os cristãos. A Igreja anima-nos a contemplar os mistérios: para que se grave na nossa cabeça e na nossa imaginação - com o gozo, a dor e a glória de Santa Maria - o exemplo assombroso do Senhor nos seus trinta anos de obscuridade, nos seus três anos de pregação, na sua paixão ignominiosa e na sua gloriosa Ressurreição.

Seguir Cristo: este é o segredo. Acompanhá-lo tão de perto que vivamos com Ele, como aqueles primeiros Doze; tão de perto, que com Ele nos identifiquemos. Não demoraremos a afirmar, desde que não tenhamos levantado obstáculos à graça, que nos revestimos de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Senhor reflete-se na nossa conduta como num espelho. Se o espelho for como deve ser, reproduzirá o semblante amabilíssimo do nosso Salvador sem o desfigurar, sem caricaturas: e os outros terão a possibilidade de admirá-lo, de segui-lo.

Neste esforço de identificação com Cristo, costumo distinguir como que quatro degraus: procurá-lo, encontrá-lo, tratá-lo, amá-lo. Talvez vos sintais como que na primeira etapa. Procurai o Senhor com fome, procurai-o em vós mesmos com todas as forças. Se atuardes com este empenho, atrevo-me a garantir que já o tereis encontrado, e que tereis começado a tratá-lo e a amá-lo, e a ter a vossa conversação nos céus.

Rogo ao Senhor que nos decidamos a alimentar na alma a única ambição nobre, a única que vale a pena: caminhar ao lado de Jesus Cristo, como fizeram sua Mãe bendita e o santo Patriarca, com ânsia, com abnegação, sem descuidar nada. Participaremos da ventura da divina amizade - num recolhimento interior compatível com os nossos deveres profissionais e com os de cidadãos - e lhe agradeceremos a delicadeza e a clareza com que nos ensina a cumprir a Vontade do nosso Pai que habita nos céus.

Referências da Sagrada Escritura
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