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Há 3 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Piedade.

Talvez como reação contra uma educação religiosa coativa, reduzida às vezes a uma série de práticas rotineiras e sentimentais, uma parte da juventude de hoje prescinde quase totalmente da piedade cristã, porque a interpreta como "beatice". Em sua opinião, qual é a solução para esse problema?

A solução é a que está já implícita na pergunta: ensinar — primeiro com o exemplo e depois com a palavra — em que consiste a verdadeira piedade. A beatice não é mais do que uma triste caricatura pseudo — espiritual geralmente fruto da falta de doutrina e também de certa deformação do humano. É lógico que repugne a quem ama o que é autêntico e sincero.

Tenho visto com alegria como penetra nos moços — nos de hoje como nos de há quarenta anos — a piedade cristã, quando a contemplam feita vida sincera; quando entendem que estar em oração é falar com o Senhor como quem fala com um pai, com um amigo, sem anonimato, com um trato pessoal, numa conversa íntima; quando se procura que ressoem em suas almas aquelas palavras de Jesus Cristo, que são um convite ao encontro confiante: vos autem dixi amicos (Jo 15, 15), eu vos chamei amigos; quando se faz um apelo forte à sua fé para que vejam que o Senhor é o mesmo ontem hoje e sempre (Heb 13, 8).

Por outro lado, é necessário que vejam como essa piedade ingênua e cordial exige também o exercício das virtudes humanas e não se pode reduzir a uns tantos atos de devoção semanais ou diários, devendo penetrar na vida inteira: dando sentido ao trabalho, ao descansos, à amizade, à diversão, a tudo. Não podemos ser filhos de Deus só de vez em quando, embora haja alguns momentos especialmente dedicados a considerá-lo, a penetrarmo-nos desse sentido da nossa filiação divina, que é a essência da piedade.

Disse há pouco que a juventude entende tudo isso muito bem. E agora acrescento que quem procura vivê-lo sente-se sempre jovem. O cristão, mesmo que seja um velho de oitenta anos, ao viver em união com Jesus Cristo, pode saborear com toda a verdade as palavras que se rezam ao pé do altar: Subirei ao altar de Deus, do Deus que alegra a minha juventude (Sl 17, 4).

Então, o senhor acha importante educar os filhos desde pequenos na vida de piedade? Pensa que na família se devem realizar alguns atos de piedade?

Considero que é precisamente o melhor caminho para dar aos filhos uma autêntica formação cristã. A sagrada Escritura nos fala dessas famílias dos primeiros cristãos — a Igreja doméstica, diz São Paulo (1 Cor. 16, 19) — , às quais a luz do Evangelho dava novo impulso e nova vida.

Em todos os ambientes cristãos se conhecem por experiência os bons resultados que dá essa natural iniciação na vida de piedade, feita ao calor do lar. A criança aprende a colocar o Senhor na linha dos primeiros afetos fundamentais, aprende a tratar a Deus como Pai e a Virgem Maria como Mãe, aprende a rezar seguindo o exemplo dos pais. Quando se compreende isto, vê-se a enorme tarefa apostólica que os pais podem realizar e como têm obrigação de ser sinceramente piedosos, para poderem transmitir — mais do que ensinar — essa piedade aos filhos.

E os meios? Há práticas de piedade — poucas, breves e habituais — que sempre se viveram nas famílias cristãs, e entendo que são maravilhosas: a benção da mesa, a oração antes e depois das refeições, a recitação do Terço em conjunto — apesar de não faltar, nestes tempos, quem ataque essa solidíssima devoção mariana — as orações pessoais ao levantar e ao deitar, Tratar-se-á de costumes diversos conforme os lugares; mas penso que sempre se deve fomentar algum ato de piedade, realizado conjuntamente pelos membros da família, de forma simples e natural, sem beatices.

Dessa maneira conseguiremos que Deus não seja considerado um estranho, a quem se vai ver uma vez por semana na Igreja, ao domingo. Que Deus seja visto e tratado como é na realidade, também no seio do lar, porque, como disse o Senhor, onde estão dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles (Mt 18, 20).

Digo com gratidão e com orgulho de filho, que continuo rezando — de manhã e à noite, e em voz alta — as orações que aprendi quando era criança, dos lábios de minha mãe. Essas orações me levam a Deus, me fazem sentir o carinho com que me ensinaram a dar meus primeiros passos de cristão; e, oferecendo ao Senhor o dia que começa ou dando-Lhe graças pelo que acaba, peço a Deus que aumente na glória a felicidade dos que especialmente amo, e depois nos mantenha unidos para sempre no Céu.

As perguntas anteriores se referiam ao noivado. Mas o tema que agora proponho se refere ao matrimônio: que conselho dá o senhor à mulher casada, para que, com o passar dos anos, continue sendo feliz sem ceder à monotonia? Talvez a questão pareça pouco importante; mas na Revista se recebem muitas cartas de leitoras interessadas por este tema.

Acho, com efeito, que é um assunto importante, e que por isso também o são as possíveis soluções, a despeito de sua aparência modesta.

Para que no matrimônio se conserve o encanto do começo, a mulher deve procurar conquistar seu marido em cada dia; e o mesmo teria que dizer ao marido com relação à mulher. O amor deve ser renovado dia a dia; e o amor se ganha com o sacrifício, com sorrisos, e com arte também. Se o marido chega a casa cansado de trabalhar e a mulher começa a falar sem medida, contando-lhe tudo o que lhe parece ter corrido mal, será que pode ficar surpreendida se o marido acaba perdendo a paciência? Essas coisas menos agradáveis podem-se deixar para um momento mais oportuno, quando o marido estiver menos cansado, mais bem disposto.

Outro pormenor: o arranjo pessoal. Se outro sacerdote lhes dissesse o contrário, acho que seria um mau conselheiro. À medida que uma pessoa deve viver no mundo vai avançando em idade, mais necessário se torna não só melhorar a vida interior, mas também — e precisamente por isso — procurar estar apresentável. Evidentemente, sempre em conformidade com a idade e as circunstâncias. Costumo dizer, brincando, que as fachadas, quanto mais envelhecidas, mais necessidade têm de reparação. É um conselho sacerdotal. um velho refrão castelhano diz que la mujer compuesta saca al hombre de otra puerta 2.

Por isso me atrevo a afirmar que as mulheres têm oitenta por cento da culpa nas infidelidades dos maridos: por não saberem conquistá-los em cada dia, por não saberem ter pequenas amabilidades e delicadezas. A atenção da mulher casada deve centrar-se no marido e nos filhos. Assim como a do marido se deve centrar na mulher e nos filhos. E, para fazer isso bem, é preciso tempo e vontade. Tudo o que torna impossível esta tarefa é ruim, é algo que não está certo.

Não há desculpa para deixar de cumprir esse amável dever. Para começar, não é desculpa o trabalho fora de casa, nem sequer a própria vida de piedade; esta, se não for compatível com as obrigações de cada dia, não é boa: Deus não a quer. É do lar que a mulher casada deve ocupar-se antes de mais. Lembro-me de uma cantiga de minha terra que diz: La mujer que, por la Iglesia, /deja el puchero quemar, /tiene la mitad de ángel, /de diablo la otra mitad3.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
2

A mulher bem posta tira o homem de outra porta. (N. do T.)

3

A mulher que, por causa da igreja, deixa a panela esturrar, uma metade tem de anjo, de diabo a outra metade. (N. do T.)