Lista de pontos

Há 4 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Piedade.

Não ama a Cristo quem não ama a Santa Missa, quem não se esforça por vivê-la com serenidade e sossego, com devoção e carinho. O amor converte os enamorados em pessoas de sensibilidade fina e delicada; leva-os a descobrir, para que se esmerem em vivê-los, pormenores às vezes insignificantes, mas que trazem a marca de um coração apaixonado. É assim que devemos assistir à Santa Missa. Por isso sempre desconfiei das pessoas empenhadas em ouvir uma Missa curta e atropelada: pareciam-me demonstrar com essa atitude, aliás pouco elegante, não terem percebido ainda o que significa o Sacrifício do altar.

O amor a Cristo, que se oferece por nós, incita-nos a saber encontrar, uma vez terminada a Missa, alguns minutos para uma ação de graças pessoal e íntima, que prolongue no silêncio do coração essa outra ação de graças que é a Eucaristia. Como havemos de nos dirigir a Ele, como falar-Lhe, como comportar-nos?

A vida cristã não se compõe de normas rígidas, porque o Espírito Santo não dirige as almas em massa, mas em cada uma infunde propósitos, inspirações e afetos que a ajudarão a reconhecer e a cumprir a vontade do Pai. Penso, não obstante, que em muitas ocasiões o nervo do nosso diálogo com Cristo, da ação de graças após a Santa Missa, pode ser a consideração de que o Senhor é para nós Rei, Médico, Mestre e Amigo.

É Rei, e anseia por reinar em nossos corações de filhos de Deus. Mas não imaginemos reinados humanos; Cristo não domina nem procura impor-se, porque não veio para ser servido, mas para servir.

Seu reino é a paz, a alegria, a justiça. Cristo, nosso Rei, não espera de nós raciocínios vãos, mas fatos, porque nem todo aquele que diz Senhor! Senhor! entrará no reino dos céus; mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse entrará.

É Médico, e cura o nosso egoísmo se deixarmos que a sua graça penetre até o fundo da alma. Jesus advertiu-nos que a pior doença é a hipocrisia, o orgulho que leva a dissimular os pecados próprios. Com o Médico, é imprescindível que tenhamos uma sinceridade absoluta, que lhe expliquemos toda a verdade e digamos: Domine, si vis, potes me mundare , Senhor, se quiseres - e Tu queres sempre -, podes curar-me. Tu conheces a minha debilidade; sinto estes sintomas e experimento estas outras fraquezas. E descobrimos com simplicidade as chagas; e o pus, se houver pus. Senhor, Tu que curaste tantas almas, faz com que, ao ter-te no meu peito ou ao contemplar-te no Sacrário, te reconheça como Médico divino.

É Mestre de uma ciência que só Ele possui: a do amor sem limites a Deus e, em Deus, a todos os homens. Na escola de Cristo, aprende-se que a nossa existência não nos pertence. Ele entregou a sua vida por todos os homens e, se o seguimos, devemos compreender que também nós não podemos apropriar-nos da nossa de maneira egoísta, sem partilhar das dores dos outros. Nossa vida é de Deus e temos que gastá-la ao seu serviço, preocupando-nos generosamente com as almas e demonstrando com a palavra e o exemplo a profundidade das exigências cristãs.

Jesus espera que alimentemos o desejo de adquirir essa ciência, para nos repetir: Quem tiver sede, venha a mim e beba. E respondemos: ensina-nos a esquecer-nos de nós mesmos, para pensar em Ti e em todas as almas. Deste modo, o Senhor nos levará para a frente com a sua graça, como quando começávamos a escrever - não nos lembramos daqueles traços verticais que fazíamos na infância, guiados pela mão do professor? -, e assim começaremos a saborear a felicidade de manifestar a nossa fé - que já é outra dádiva de Deus - com traços inequívocos de conduta cristã, onde todos possam ler as maravilhas divinas.

É Amigo, o Amigo: Vos autem dixi amicos.Chama-nos amigos e foi Ele quem deu o primeiro passo; amou-nos primeiro. Mas não impõe o seu amor: oferece-o. E prova-o com o sinal mais claro da amizade: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Era amigo de Lázaro, e chorou por ele quando o viu morto. E o ressuscitou. Se nos vir frios, apáticos, talvez com a rigidez de uma vida interior que se extingue, seu pranto será vida para nós: Eu te ordeno, meu amigo, levanta-te e anda , sai dessa vida mesquinha, que não é vida.

Surge assim em nós, de forma espontânea e natural, o desejo de procurarmos a intimidade com a Mãe de Deus, que é também nossa Mãe; de convivermos com Ela como se convive com uma pessoa viva, já que sobre Ela não triunfou a morte, antes está em corpo e alma junto de Deus Pai, junto de seu Filho, junto do Espírito Santo.

Para compreendermos o papel que Maria desempenha na vida cristã, para nos sentirmos atraídos por Ela, para desejarmos a sua amável companhia com afeto filial, não necessitamos de grandes investigações, embora o mistério da Maternidade divina tenha uma riqueza de conteúdo que nunca aprofundaremos bastante.

A fé católica soube reconhecer em Maria um sinal privilegiado do amor de Deus. Deus nos chama, já agora, seus amigos; sua graça atua em nós, regenera-nos do pecado, dá-nos forças para que, no meio das fraquezas próprias de quem ainda é pó e miséria, possamos refletir de algum modo o rosto de Cristo. Não somos meros náufragos a quem Deus tenha prometido salvar, porque a salvação se realiza desde já em nós. A nossa relação com Deus não é a de um cego que anseia pela luz enquanto geme entre as angústias da escuridão; é a de um filho que se sabe amado por seu Pai.

Dessa cordialidade, dessa confiança, dessa segurança nos fala Maria. Por isso o seu nome chega tão direto ao coração. A relação de cada um de nós com a sua própria mãe pode servir-nos de modelo e de pauta para o nosso relacionamento com a Senhora do Doce Nome, Maria. Temos que amar a Deus com o mesmo coração com que amamos nossos pais, nossos irmãos, os outros membros da família, nossos amigos ou amigas: não temos outro coração. E com esse mesmo coração temos que procurar a intimidade com Maria.

Como se comporta um filho ou uma filha normal com sua mãe? De mil maneiras, mas sempre com carinho e confiança. Com um carinho que em cada caso fluirá por condutos nascidos da própria vida, e que nunca são uma coisa fria, mas costumes íntimos de lar, pequenos detalhes diários que o filho precisa ter com sua mãe e de que a mãe sente falta se alguma vez o filho os esquece: um beijo ou uma carícia ao sair de casa ou ao voltar, uma pequena delicadeza, umas palavras expressivas…

Em nossas relações com a nossa Mãe do Céu, existem também essas normas de piedade filial que são os moldes do nosso comportamento habitual com Ela. Muitos cristãos adotam o antigo costume do escapulário; ou adquirem o hábito de saudar - não são precisas palavras, basta o pensamento - as imagens de Maria que se encontram em todo o lar cristão ou adornam as ruas de tantas cidades; ou vivem essa maravilhosa oração que é o terço, em que a alma não se cansa de dizer sempre as mesmas coisas, como não se cansam os namorados, e em que se aprende a reviver os momentos centrais da vida do Senhor; ou então acostumam-se a dedicar à Senhora um dia da semana - precisamente este em que agora estamos reunidos: o sábado -, oferecendo-lhe alguma pequena delicadeza e meditando mais especialmente na sua maternidade.

Há muitas outras devoções marianas que não é necessário recordar neste momento. Não se trata de introduzi-las todas na vida de cada cristão - crescer na vida sobrenatural é muito diferente de um simples ir amontoando devoções -, mas devo afirmar, ao mesmo tempo, que não possui a plenitude da fé cristã quem não vive algumas delas, quem não manifesta de algum modo o seu amor por Maria.

Os que consideram ultrapassadas as devoções à Santíssima Virgem dão sinais de terem perdido o profundo sentido cristão que elas encerram, e de terem esquecido a fonte de que nascem: a fé na vontade salvífica de Deus Pai; o amor a Deus Filho, que se fez realmente homem e nasceu de uma mulher; a confiança em Deus Espírito Santo, que nos santifica com a sua graça. Foi Deus quem nos deu Maria: não temos o direito de rejeitá-la, antes pelo contrário, devemos recorrer a Ela com amor e com alegria de filhos.

Não entendo como se pode viver cristãmente sem sentir a necessidade de uma amizade constante com Jesus na Palavra e no Pão, na oração e na Eucaristia. E entendo perfeitamente que, ao longo dos séculos, as sucessivas gerações de fiéis tenham ido concretizando essa piedade eucarística: umas vezes, com práticas multitudinárias, professando publicamente a sua fé; outras, com gestos silenciosos e calados, na sagrada paz do templo ou na intimidade do coração.

Antes de mais, devemos amar a Santa Missa, que tem que ser o centro do nosso dia. Se vivemos bem a Missa, como não havemos de continuar depois o resto da jornada com o pensamento no Senhor, com o desejo irreprimível de não nos afastarmos da sua presença, para trabalhar como Ele trabalhava e amar como Ele amava? Aprendemos então a agradecer ao Senhor mais outra delicadeza: que não tenha querido limitar a sua presença ao instante do Sacrifício do Altar, mas tenha decidido permanecer na Hóstia Santa que se reserva no Tabernáculo, no Sacrário.

Devo dizer que, para mim, o Sacrário foi sempre Betânia, o lugar tranqüilo e aprazível onde está Cristo, onde lhe podemos contar as nossas preocupações, nossos sofrimentos, nossos anseios e nossas alegrias, com a mesma simplicidade e naturalidade com que lhe falavam aqueles seus amigos Marta, Maria e Lázaro. Por isso, ao percorrer as ruas de uma cidade ou de uma aldeia, alegra-me descobrir, mesmo de longe, a silhueta de uma igreja: é um novo Sacrário, uma nova ocasião de deixar que a alma se escape para estar em desejo junto do Senhor Sacramentado.