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Há 8 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Amor de Deus.

São tantas as cenas em que Cristo fala com seu Pai, que se torna impossível determo-nos em todas. Mas penso que não podemos deixar de considerar as horas, tão intensas, que precedem a sua Paixão e Morte, quando se prepara para consumar o Sacrifício que nos devolverá ao Amor divino. Na intimidade do Cenáculo, seu coração transborda: dirige-se suplicante ao Pai, anuncia a vinda do Espírito Santo, anima os seus íntimos a manterem um contínuo fervor de caridade e de fé.

Esse inflamado recolhimento do Redentor continua em Getsêmani, ao perceber a iminência da Paixão, com as humilhações e as dores que se aproximam, essa Cruz dura em que se suspendem os malfeitores, e que Ele desejou ardentemente. Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. E logo a seguir: Não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua. Mais tarde, pregado no madeiro, só, com os braços estendidos em gesto de sacerdote eterno, continua a manter o mesmo diálogo com seu Pai: Nas tuas mãos entrego o meu espírito.

É preciso vencer, se por acaso a notamos, a poltronaria, o falso critério de que a oração pode esperar. Não adiemos nunca para amanhã essa fonte de graças. O tempo oportuno é agora. Deus, que é espectador amoroso de todo o nosso dia, preside à nossa íntima prece. E tu e eu - volto a garantir - temos de confiar-nos a Ele como nos confiamos a um irmão, a um amigo, a um pai. Dize-lhe - eu lho digo - que Ele é toda a Grandeza, toda a Bondade, toda a Misericórdia. E acrescenta: Por isso quero enamorar-me de ti, apesar de serem tão toscas as minhas maneiras, apesar destas minhas pobres mãos, gastas e maltratadas pelo pó das azinhagas da terra.

Assim, quase sem perceber, avançaremos com passadas divinas, firmes e vigorosas, em que se saboreia o íntimo convencimento de que junto ao Senhor também são aprazíveis a dor, a abnegação, os sofrimentos. Que fortaleza, para um filho de Deus, saber-se tão perto de seu Pai! Por isso, aconteça o que acontecer, estou firme, seguro contigo, meu Senhor e meu Pai, que és a rocha e a fortaleza.

A vocação cristã, que é um chamado pessoal do Senhor, leva cada um de nós a identificar-se com Ele. Mas não devemos esquecer que Ele veio à terra para redimir o mundo inteiro, porque quer que os homens se salvem. Não há alma que não interesse a Cristo. Cada uma delas custou-lhe o preço do seu sangue.

Ao considerar estas verdades, vem-me à memória a conversa dos Apóstolos com o Mestre, momentos antes do milagre da multiplicação dos pães. Uma grande multidão acompanhara Jesus. Nosso Senhor ergue os olhos e pergunta a Filipe: Onde compraremos pão para dar de comer a toda esta gente? Fazendo um cálculo rápido, Filipe responde: Duzentos denários não bastam para que cada um receba um pequeno pedaço. Como não dispõem de tanto dinheiro, lançam mão de uma solução caseira: Diz-lheum dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro: Está aqui um rapaz que trouxe cinco pães de cevada e dois peixes; mas que é isso para tanta gente?

Invocar-me-eis e Eu vos atenderei. E nós o invocamos conversando com Ele, dirigindo-nos a Ele. Por isso, temos de pôr em prática a exortação do Apóstolo: Sine intermissione orate; rezai sempre, aconteça o que acontecer. Não só de coração, mas com todo o coração.

Talvez se pense que a vida nem sempre é fácil de levar, que não faltam dissabores e penas e tristezas. Responderei, também com São Paulo, que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem a força, nem o que há de mais alto ou de mais profundo, nem qualquer outra criatura poderá jamais separar-nos do amor de Deus, que está em Jesus Cristo, Nosso Senhor. Nada nos pode afastar da caridade de Deus, do Amor, da relação constante com o nosso Pai.

Recomendar esta união contínua com Deus não será apresentar um ideal tão sublime, que se revele inacessível à maioria dos cristãos? Na verdade, alta é a meta, mas não inacessível. A senda que conduz à santidade é senda de oração; e a oração deve vingar pouco a pouco na alma, como a pequena semente que se converterá mais tarde em árvore frondosa.

Começamos com orações vocais, que muitos de nós repetimos quando crianças: são frases ardentes e singelas, dirigidas a Deus e à sua Mãe, que é nossa Mãe. Ainda hoje, de manhã e à tarde, não um dia, mas habitualmente, renovo o oferecimento de obras que os meus pais me ensinaram: Ó Senhora minha, ó minha Mãe! Eu me ofereço todo a Vós. E, em prova do meu filial afeto para convosco, vos consagro neste dia os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração… Não será isto - de certa maneira - um princípio de contemplação, demonstração evidente de confiado abandono? O que é que dizem um ao outro os que se amam, quando se encontram? Como se comportam? Sacrificam tudo o que são e tudo o que possuem pela pessoa amada.

Primeiro uma jaculatória, e depois outra, e mais outra…, até que parece insuficiente esse fervor, porque as palavras se tornam pobres…, e se dá passagem à intimidade divina, num olhar para Deus sem descanso e sem cansaço. Vivemos então como cativos, como prisioneiros. Enquanto realizamos com a maior perfeição possível, dentro dos nossos erros e limitações, as tarefas próprias da nossa condição e do nosso ofício, a alma anseia por escapar-se. Vamos rumo a Deus, como o ferro atraído pela força do ímã. Começamos a amar Jesus de forma mais eficaz, com um doce sobressalto.

Corremos como o cervo, que anseia pelas fontes das águas; com sede, gretada a boca, ressequida. Queremos beber nesse manancial de água viva. Sem esquisitices, mergulhamos ao longo do dia nesse veio abundante e cristalino de frescas linfas que saltam até a vida eterna. Sobram as palavras, porque a língua não consegue expressar-se; começa a serenar-se a inteligência. Não se raciocina, fita-se! E a alma rompe outra vez a cantar com um cântico novo, porque se sente e se sabe também fitada amorosamente por Deus, em todos os momentos.

Não me refiro a situações extraordinárias. São, podem muito bem ser fenômenos ordinários da nossa alma: uma loucura de amor que, sem espetáculo, sem extravagâncias, nos ensina a sofrer e a viver, porque Deus nos concede a sabedoria. Que serenidade, que paz então, metidos na senda estreita que conduz à vida!

Ascética? Mística? Não me preocupo com isso. Seja o que for, ascética ou mística, que importa? É mercê de Deus. Se tu procuras meditar, o Senhor não te negará a sua assistência. Fé e obras de fé: obras, porque - já o verificaste desde o início e já o frisei a seu tempo - o Senhor é cada dia mais exigente. Isto é já contemplação e é união; é assim que deve ser a vida de muitos cristãos, avançando cada um pela sua própria via espiritual - são infinitas -, no meio dos afãs do mundo, ainda que nem sequer se aperceba disso.

Uma oração e uma conduta que não nos afastam das nossas atividades habituais e que, no meio dessas aspirações nobremente terrenas, nos conduzem ao Senhor. Elevando todos os afazeres a Deus, a criatura diviniza o mundo. Quantas vezes não tenho falado do mito do rei Midas, que convertia em ouro tudo o que tocava! Podemos converter tudo o que tocamos em ouro de méritos sobrenaturais, apesar dos nossos erros pessoais.

Termina o trajeto ao chegarem à aldeia, e aqueles dois que - sem darem por isso - foram feridos no fundo do coração pela palavra e pelo amor do Deus feito homem, sentem que Ele se vá embora. Porque Jesus se despede com gesto de quem vai prosseguir. Nunca se impõe, este Senhor nosso. Quer que o chamemos livremente, depois de entrevermos a pureza do Amor que nos meteu na alma. Temos que detê-lo à força e rogar-lhe: Fica conosco, porque é tarde e o dia está já declinando, faz-se noite.

Somos assim: sempre pouco atrevidos, talvez por insinceridade, talvez por pudor. No fundo, pensamos: Fica conosco, porque as trevas nos rodeiam a alma, e só Tu és luz, só Tu podes acalmar esta ânsia que nos consome. Porque dentre as coisas formosas, honestas, não ignoramos qual é a primeira: possuir sempre a Deus.

E Jesus fica. Abrem-se os nossos olhos como os de Cléofas e seu companheiro, quando Cristo parte o pão; e embora Ele volte a desaparecer da nossa vista, seremos também capazes de retomar a caminhada - anoitece -, para falar dEle aos outros, pois não cabe num peito só tanta alegria.

Caminho de Emaús. O nosso Deus impregnou de doçura este nome. E Emaús é o mundo inteiro, porque o Senhor abriu os caminhos divinos da terra.

Referências da Sagrada Escritura
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