Lista de pontos
Certa mentalidade laicista e outras maneiras de pensar que poderíamos chamar pietistas, coincidem em não considerar o cristão como homem íntegro e pleno. Para os primeiros, as exigências do Evangelho sufocariam as qualidades humanas; para os outros, a natureza decaída poria em perigo a pureza da fé. O resultado é o mesmo: desconhecem a profundidade da Encarnação de Cristo, ignoram que oVerbo se fez carne, homem, e habitou entre nós.
A minha experiência de homem, de cristão e de sacerdote ensina-me precisamente o contrário: não existe coração, por muito mergulhado que esteja no pecado, que não esconda, como rescaldo no meio das cinzas, um lume de nobreza. E quando bati à porta desses corações, a sós e com a palavra de Cristo, sempre corresponderam.
Neste mundo, muitos não privam com Deus. São criaturas que talvez não tenham tido ocasião de ouvir a palavra divina ou que talvez a tenham esquecido. Mas as suas disposições são humanamente sinceras, leais, compassivas, honradas. E eu me atrevo a afirmar que quem reúne essas condições está prestes a ser generoso com Deus, porque as virtudes humanas compõem o fundamento das sobrenaturais.
É verdade que não basta essa capacidade pessoal, pois ninguém se salva sem a graça de Cristo. Mas se o indivíduo conserva e cultiva um princípio de retidão, Deus há de aplainar-lhe o caminho; e poderá ser santo, porque soube viver como homem de bem.
E talvez tenhamos observado outros casos, de certo modo contrapostos: tantos e tantos que se dizem cristãos - por terem sido batizados e por receberem outros Sacramentos -, mas que se mostram desleais, mentirosos, insinceros, soberbos… E caem de repente. Parecem estrelas que brilham por um instante no céu e, de súbito, precipitam-se irremediavelmente.
Se aceitamos a nossa responsabilidade de filhos de Deus, devemos ter em conta que Ele nos quer muito humanos. Que a cabeça toque o céu, mas os pés assentem com toda a firmeza na terra. O preço de vivermos cristãmente não é nem deixarmos de ser homens nem abdicarmos do esforço por adquirir essas virtudes que alguns têm, mesmo sem conhecerem Cristo. O preço de cada cristão é o Sangue redentor de Nosso Senhor, que nos quer - insisto - muito humanos e muito divinos, diariamente empenhados em imitá-lo, pois Ele é perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus, perfeito homem.
Quando uma alma se esforça por cultivar as virtudes humanas, o seu coração está já muito perto de Cristo. E o cristão percebe que as virtudes teologais - a fé, a esperança, a caridade -, e todas as outras que a graça de Deus traz consigo, o impelem a nunca descurar essas boas qualidades que compartilha com tantos homens.
As virtudes humanas - insisto - são o fundamento das sobrenaturais; e estas proporcionam sempre um novo impulso para nos desenvolvermos como homens de bem. Mas, em qualquer caso, não é suficiente o desejo de possuir essas virtudes: é preciso aprender a praticá-las. Discite benefacere, aprendei a fazer o bem. Temos que exercitar-nos habitualmente nos atos correspondentes - atos de sinceridade, de equanimidade, de serenidade, de paciência -, porque obras é que são amores, e não se pode amar a Deus só de palavra, mas com obras e de verdade.
Se vivermos assim, realizaremos no mundo uma tarefa de paz. Saberemos tornar amável aos outros o serviço do Senhor, porque Deus ama quem dá com alegria. O cristão é uma pessoa igual às outras na sociedade; mas do seu coração transbordará o júbilo de quem se propõe cumprir, com a ajuda constante da graça, a Vontade do Pai. E não se sente vítima, nem inferiorizado, nem coagido. Caminha de cabeça erguida, porque é homem e é filho de Deus.
A nossa fé dá todo o seu relevo a estas virtudes que pessoa alguma deveria deixar de cultivar. Ninguém pode vencer o cristão em humanidade. Por isso, quem segue Cristo é capaz - não por mérito próprio, mas pela graça do Senhor - de comunicar aos que o rodeiam aquilo que às vezes pressentem, mas não conseguem compreender: que a verdadeira felicidade, o autêntico serviço ao próximo passa necessariamente pelo Coração do nosso Redentor, perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus, perfeito homem.
Recorramos a Maria, nossa Mãe, a criatura mais excelsa que saiu das mãos de Deus. Peçamos-lhe que nos faça homens de bem e que essas virtudes humanas, engastadas na vida da graça, se convertam na melhor ajuda para aqueles que conosco trabalham no mundo pela paz e pela felicidade de todos.
Lede com atenção a cena evangélica, para aproveitar essas admiráveis lições das virtudes que devem iluminar o nosso modo de agir.
Terminado o preâmbulo hipócrita e adulador, os fariseus e herodianos apresentam o seu problema: Diz-nos, pois, o teu parecer: É lícito dar o tributo a César ou não? Escreve São João Crisóstomo: Notai agora a astúcia desses homens. Não lhe dizem: Explica-nos o que é que é bom, conveniente, lícito, mas dize-nos a tua opinião. Estavam com a obsessão de atraiçoá-lo e torná-lo odioso ao poder político. Porém, Jesus, conhecendo-lhes a malícia, disse: Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. E eles apresentaram-lhe um denário. E Jesus disse-lhes: De quem é esta imagem e inscrição? Eles responderam: De César. Então disse-lhes: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
Bem vedes que o dilema é antigo, como clara e inequívoca é a resposta do Mestre. Não há - não pode haver - uma contraposição entre o serviço a Deus e o serviço aos homens; entre o exercício dos deveres e direitos cívicos, e os religiosos; entre o empenho por construir e melhorar a cidade temporal e a convicção de que este mundo por onde passamos é caminho que nos conduz à pátria celeste.
Também aqui se manifesta essa unidade de vida que - não me cansarei de repeti-lo - é uma condição essencial para os que procuram santificar-se no meio das circunstâncias habituais do seu trabalho, das suas relações familiares e sociais. Jesus não admite essa divisão. Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou terá aversão a um e amor ao outro, ou, se se submete ao primeiro, olhará com desdém o segundo. A opção exclusiva que um cristão faz por Deus, quando aceita com plenitude a sua chamada, impele-o a dirigir tudo para o Senhor e, ao mesmo tempo, a dar também ao próximo tudo o que em justiça lhe cabe.
Como orar? Atrevo-me a garantir, sem receio de me enganar, que há muitas maneiras de orar: infinitas, poderia dizer. Mas eu quereria para todos nós a autêntica oração dos filhos de Deus, não o palavreado dos hipócritas, que ouvirão Jesus dizer-lhes: Nem todo aquele que diz: Senhor!, Senhor!, entrará no reino dos céus. Os hipócritas podem conseguir talvez o ruídoda oração - escrevia Santo Agostinho -, mas não a sua voz, porque aí falta vida e está ausente o afã de cumprir a Vontade do Pai. Que o nosso clamar - “Senhor!” - se una ao desejo eficaz de converter em realidade as moções interiores que o Espírito Santo nos desperta na alma.
Temos de esforçar-nos para que não haja em nós a menor sombra de duplicidade. O primeiro requisito para desterrar esse mal, que o Senhor condena duramente, é procurar comportar-se com a disposição clara, habitual e atual, de aversão ao pecado. Energicamente, com sinceridade, devemos sentir - no coração e na cabeça - horror ao pecado grave. E, numa atitude profundamente arraigada, temos que abominar também o pecado venial deliberado, essas claudicações que, embora não nos privem da graça divina, debilitam os canais por onde ela nos chega.
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/book-subject/amigos-de-dios/28719/ (09/05/2024)